a noite cai primeiro sobre os amantes
a noite cai primeiro sobre os amantes
cai sobre mim
que atravesso o viaduto com saudades às sete
tendo te visto às seis
e cai sobre você
que não sei —
a noite cai primeiro sobre ele
que cruza a rua correndo
e sobre ela
que o espera no boteco
o primeiro
bem na esquina da Avenida São João com o Largo do Paissandú
cai sobre nós antes de cair sobre qualquer um
antes mesmo de cair sobre os noias
os malucos
os desolados
os haitianos
os suicidas
os recém-demitidos
os nunca-empregados
as crianças no colo das mães na calçada
sob marquises
junto dos botequins
sobre os desesperados
cai sobre aqueles que amam no cerne, no Centro
a noite cai e escorre logo que começa
quando pedimos a primeira cerveja e decidimos querer varar a noite
querer conter a noite
deixar a noite pingando dentro de um balde infinito
o maior balde do mundo
para todo o sempre
a noite cai primeiro sobre mim
que quero te beijar
— quero tanto —
que me dói inteira
e sobre você
que do alto de —
não sei —
me pergunta
por que essa cara?
a noite cai primeiro sobre ela
que pede a segunda cerveja
e sobre ele
que se levanta
a noite cai sobre você
que queima
e sobre mim
que não —
a noite cai primeiro sobre os amantes
e vamos, todos, atrás de música.