Corridas de rua: um passo entre a inércia e o esporte

Carol de Paula
Contexto Acadêmico
4 min readOct 8, 2019

O que fazer para deixar a zona de conforto

Desde que o mundo é mundo, a tribo dos que correm desperta curiosidade entre os que não correm nem de chuva, nem de ladrão. O que comem? Que lugares frequentam? Como vivem? Tudo bem naquele estilo das indagações de programas de TV de sexta-feira à noite. Os não-corredores costumam observar acuradamente, mas sem sair da superfície, as profundezas das corridas de rua como esporte e suas assessorias organizadas. Elas parecem lhes convidar, a cada passo, a sair da inércia do sedentarismo e entrar para a história dos que cruzam a faixa de chegada. Alguns acabam sucumbindo a esses chamados e nunca mais se veem longe do esporte. Outros continuam da superfície a observar, esperando convite mais atrativo ou quem sabe irrecusável.

A rua conta muitas histórias inspiradoras e uma delas é a de Cecília Damasceno Lopes, 38, pedagoga, e Henrique Said Sahdo, 49, comerciante, que toparam o desafio de começar a correr juntos. Casados há 12 anos, vivendo uma fase morna do casamento, ambos acima do peso, reencontraram-se no esporte e reconectaram-se. Emagreceram juntos 42 quilos em um ano e mesmo com todas as dificuldades, venceram. Hoje, Henrique diz que correr requer cuidados, mas o principal deles é com o risco de não querer mais parar. Cecília cuida da agenda do casal, e ao menos uma vez ao mês eles viajam para participar de corridas mundo afora. Eles encaram a prática como uma fuga da rotina que ajuda a manter aquecido o casamento. É um momento só deles. São curtas (mas frequentes) luas-de-mel. E tudo isso é registrado na rede social dos dois, funcionando como um incentivo para eles se manterem ativos e para os outros se inspirarem a correr também.

Virginia Vilagram, 47, diretora de escola pública, procurava apenas uma atividade física ao ar livre, com uma proposta diferenciada. Entrou para um grupo de corrida, encontrou mais disposição no seu dia-a-dia, ganhou energia e perdeu peso. Já se mantem ativa há dois anos e, segundo ela, segue apaixonada pelo esporte.

As histórias de Cecília, Henrique e Virginia reforçam o que diz o Portal do Corredor, que cobre as corridas de rua há 15 anos. O momento é favorável para começar, porque há toda uma rede de apoio ao corredor, seja ele iniciante ou preparado. São agências de viagem, confecções, empresas organizadoras de eventos, grupos de assessorias, tudo voltado para esse crescente segmento. Então, ao pensar em começar, o aspirante a corredor sabe que vai estar amparado.

Nesse sentido, os grupos de assessoria têm papel fundamental para chamar os que observam os corredores da superfície, com admiração. Marcos Jair, 33, profissional de educação física, representante de uma dessas assessorias em Fortaleza, explica que há toda uma rotina a ser respeitada por quem deseja começar: “No primeiro momento, fazemos uma anamnese básica, para termos um conhecimento prévio do aluno, sabermos se ele tem alguma limitação articular, dificuldade ou problema metabólico, para trabalharmos de forma mais assertiva. No segundo momento, iremos acompanhar para saber como ele se comporta na corrida ou caminhada, dependendo do nível do aluno. Combinamos com ele, marcamos um teste, para saber como estão os limiares dele. Daí traçamos um objetivo.” Segundo Marcos, as assessorias contemplam todos os públicos e atendem aos mais variados interesses. A partir do objetivo e condicionamento de cada um, a frequência de treinos e metas são estabelecidas. O educador físico ressalta a importância de um plano personalizado para evitar risco de lesão e consequente inatividade no esporte. Os grupos de corrida cobram em média 140 reais, para prestar essa assessoria aos alunos, mas o valor é negociável.

Inegociável, entretanto, é a necessidade de avaliação médica. O ortopedista Leonardo Drumond, 40, ressalta a importância desse acompanhamento: “A avaliação médica deve ser feita de forma regular. O atestado é uma norma do CRM, CREF e das academias. Na maioria das vezes, não é feito de forma adequada por um profissional médico que tenha conhecimento de fisiologia do exercício. O maior problema é a responsabilidade no caso de um incidente. A corrida necessita de uma capacidade muscular e cardiorrespiratória que deve ser adequada e individualizada. ” Daí, infere-se que entre o desejo de correr e a corrida propriamente dita, há um protocolo a ser seguido sob pena de prejuízos indesejáveis para todos os envolvidos. Às vezes, a ansiedade por materializar aquela ideia que passou tanto tempo sendo amadurecida atropela as etapas necessárias. O segredo, segundo o médico, é paciência e constância, mas acima de tudo respeito aos limites de cada um.

É oportuno deixar claro que quando se observam todos aqueles corredores, felizes e dedicados ao esporte num domingo de sol às 6h da manhã, há ali as mais diversas motivações envolvidas. E elas foram surgindo com o tempo. Cecília pensa nas viagens, põe suas músicas favoritas e vai. Henrique corre porque sabe que ao final do percurso a sensação de alegria e bem-estar são garantidas. Já Virgínia, pensa nos objetivos que atingiu, e isto lhe dá força para continuar. Procurando bem, cada um encontra as suas. É só começar.

Foto: Freepiks

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