La Casa Duz Vetin : Narrativas audiovisuais periféricas dão voz a geração N

Lidia Hellen
Contexto Acadêmico
5 min readDec 21, 2019

Jovens influenciadores recriam série espanhola baseada na realidade das periferias de Fortaleza, em uma semana primeiro episódio teve 135 mil visualizações.

Por: Lídia Hellen

Lançamento da série “La Casa Duz Vetin” na praia dos crush ,9 de novembro ( Foto: Leonardo de Souza)

Criada por jovens influenciadores das periferias de Fortaleza/CE, em conjunto com o coletivo Nigéria Filmes, o projeto “La Casa Duz Vetin’’ vem ganhando grande visibilidade na cidade, a série gravada no bairro Jangurussu, promete ser a primeira produção de muitas do novo selo dos artistas, o “VetFlix”. O que antes era um conteúdo criado para a comunidade, envolveu não só a cidade, mas deu voz para narrativas cearenses independentes que crescem longe dos grandes centros da Capital.

O primeiro episódio lançado em novembro (9), na Praia dos Crush, contou com a presença de mais de cinco mil jovens, na sua maioria de periferias, que ocuparam o evento com arte e cultura, shows de rap e o encerramento do Festival Concreto.

Diferente da série da Netflix, a produção conta a história de um professor substituto ( vivido pelo comediante Moisés Loureiro ), que ao ser assaltado por um ex aluno, decide reunir alguns dos seus antigos estudantes para participar de um grande roubo, onde os personagens principais são nomeados com os bairros da cidade de Fortaleza. Além do humor nordestino, a produção faz uma forte crítica social, “queremos retratar essa realidade dos jovens do centro, da periferia, esse lado da cidade que só chega o programa policial, mostrar pro mundo o que tá sendo produzido nos becos e nos conjuntos habitacionais”, afirma Leonardo de Souza, 27, ator e um dos criadores da página “suricate seboso” no Facebook.

Leonardo, um dos idealizadores da série, nos conta que tudo nasceu de uma conversa entre amigos, na quadra 10B,do residencial José Euclides, “a gente tava todo mundo junto, e pensamos, a gente tem que começar a produzir produto audiovisual pras periferias ,porque as pessoas fazem conteúdo na internet pra viralizar e não pra um público”. Os criadores lançaram um financiamento coletivo, com o objetivo de arrecadar R$ 50 mil para a realização da série, que durou cerca de três meses no “Cartase.com”, os pacotes iam de R$ 10 reais, até R$ 3 mil, com combos de camisetas até participação especial em um episódio.

“Foi impressionante como o alcance e força da série chegou em Fortaleza, foram três meses e olha a quantidade de coisa massa que a gente tá fazendo, dando palestra, dando voz pra esses jovens e dizendo que violência não se combate com tiro e sim com arte”, reforça Léo.

Show de abertura do primeiro episódio. Foto : Leonardo de Souza

Geração Nem Nem

Eduardo de Souza,24, influenciador digital e um dos autores da produção independente, nos conta que a crítica social para desenvolve-la veio através do estudo coordenado pela socióloga e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Glória Diógenes, sobre a Geração N. “ Queríamos pensar nesse jovem que nem estuda, nem trabalha, nem está procurando emprego, a maioria deles mora em comunidade e se trabalha não é com registro, o debate é sobre acesso e a gente sabe da nossa responsabilidade em mostrar o lado que não é visto pela cidade”.

O estudo realizado pela socióloga em parceria com o Instituto Dragão do Mar em 2018, entrevistou jovens de 15 a 29 anos, do Grande Bom Jardim, identificando os motivos pelos quais eles abandonaram a escola, ou como conseguem gerar sua renda e os seus planos para o mercado de trabalho.

Segundo a pesquisa lançada pela socióloga, dos 150 jovens que foram entrevistados, 54.4% se identificam como jovens que “nem trabalham e nem estudam” ou jovens “nem, nem” , 45.6 % como os que “nem estudam, nem trabalham, nem estão procurando”, definidos como “jovens nem ,nem, nem”. Quanto a gênero, 66.6% são mulheres e 33.3% são homens.

Yargo Gurjão,32, integrante do coletivo Nigéria e Diretor da “La Casa Duz Vetin” revelou que as cenas foram concentradas no bairro Jangurussu, devido ao projeto “Até do lixão nasce flor”, “vai ser um polo de produção para jovens de periferia que querem produzir conteúdo para internet, mas não tem acesso aos materiais necessários”, reforça Yargo. “um a cada três jovens no Ceará hoje fazem parte da geração N, e a sociedade ver esse jovem como preguiçoso ou que não tem interesse em nada, só que esses jovens tão fazendo seus corres, como a maioria do elenco que faz parte da série,que são influenciadores digitais, que é um trabalho que a sociedade ainda tá tentando entender, jovens que usam da tecnologia e da sua criatividade pra sobreviver”’.

Coletivos nas Comunidades

Além do coletivo Nigéria filmes, outros projetos também buscam potencializar as plataformas de interação da produção independente periférica da cidade, desde os seus processos criativos até as estratégias de distribuição das suas produções, como o coletivo Tentalize, que tentam ressignificar a vida de jovens e crianças que moram entre zonas de conflito entre grupos criminosos.

O coletivo que também nasceu no bairro Jangurussu, conta com atividades que democratizam o cinema e a produção feita por jovens, além de oficinas, o grupo produz documentários sobre o dia a dia dos moradores. Lucianna Silveira,23, uma das moradoras que está a frente do coletivo Tentalize, nos conta que a necessidade do projeto foi muito natural, “aqui nos temos muita potência e muito talento, queremos mostrar muito mais do que as estatísticas falam, que a favela é lugar de violência, não precisamos que pessoas de bairros mais desenvolvidos venham aqui e mostrem o que é cultura, nós fazemos nossa própria cultura, nossa arte, nós damos novas narrativas pra essa realidade”.

Cinema de bolso, uma das atividades que são realizadas no bairro através do coletivo, mostra como os moradores podem usar de ferramentas como celular e máquinas compactas, gravando seu dia e produzindo conteúdo.

Foto : Coletivo Tentalize

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