Orçamento público estadual é alvo de debate entre governo e sociedade

Grace Carvalho
Contexto UFS
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7 min readNov 25, 2015

Da compra de cada pedaço de gaze utilizado em um hospital público ao salário dos professores da rede estadual de ensino, todo o dinheiro gasto pelo governo deve constar nos seus orçamentos. Na matéria anterior, o Contexto Online abordou as funções e as diferenças entre as três leis orçamentárias do estado (PPA, LDO e LOA), a atuação dos órgãos responsáveis pela sua elaboração e os processos pelas quais elas são aprovadas e executadas.

Mas o que define de fato cada um dos valores registrados nesses documentos? Como o poder público deve expressar os interesses e as necessidades de todos os seus contribuintes em planilhas de gastos para períodos de até quatro anos? Na segunda parte desta série de reportagens sobre o orçamento público estadual, buscamos as respostas para essas e outras questões.

Num primeiro momento, os gastos públicos precisam obedecer alguns critérios já estabelecidos, o que torna parte do processo muito mais técnico do que político. Segundo o Superintendente de Programação Econômica e Orçamento, da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão de Sergipe (Seplag), Guilherme Rebouças, há muito pouca margem para o estado financiar despesas não obrigatórias: “Algumas receitas têm um destino específico e as receitas livres têm parcelas comprometidas. Por exemplo, 25% das receitas de impostos do estado têm que ir pra educação, 12% tem que ir pra saúde”.

Rebouças refere-se ao artigo 212 da Constituição Federal e à Lei Complementar 141, que junto com algumas outras leis, determinam de antemão valores mínimos ou máximos para os gastos dos governos estaduais. Dentro de cada rubrica, no entanto, o governo ainda precisa definir quanto será destinado para cada parte da área: as despesas com pessoal, com materiais de trabalho, com obras de construção ou reforma, entre outros.

Na educação, por exemplo, isso é decidido através do Plano Estadual de Educação (PEE), um conjunto de metas de investimento para os próximos anos, elaboradas em fóruns de discussão do governo com entidades da educação e os sindicatos da categoria. O documento base do PEE precisa ainda passar pela Assembleia Legislativa para ser aprovado. A edição de 2015 pode ser acessada aqui.

Sindicatos questionam

Roberto Silva, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Sergipe (Sintese), critica a forma como o PEE foi trabalhado pelo governo na elaboração do Orçamento Público. Para ele, a Secretaria de Educação alterou o plano original, se valendo de uma lei do período da ditadura militar para aprová-lo pelo Conselho Estadual de Educação e não pela Assembleia Legislativa. A intenção, ainda segundo Silva, seria destinar mais recursos para obras e menos para a melhoria das condições de trabalho: “A prioridade do estado é obra, não o social. Isso é uma crítica que o Sintese tem feito recorrentemente em relação ao orçamento do estado, e por isso mesmo que a Secretaria de Educação não quer discutir o orçamento”. Veja mais no vídeo abaixo:

Como visto na primeira matéria, a crítica do Sintese é acompanhada pelo Sindicato do Fisco de Sergipe (Sindifisco), na voz do seu presidente, Paulo Pedroza. Segundo ele, o Poder Público dá mais atenção às grandes obras por interesses eleitoreiros e não investe na melhoria do funcionamento dos serviços já existentes, seja na compra de materiais, seja na valorização dos profissionais. “Muitas vezes o ooverno não tem uma escola funcionando adequadamente, não tem um hospital funcionando adequadamente, mas faz questão de construir uma outra unidade, um outro prédio, e a qualidade do serviço não é priorizada”, afirma Pedroza.

A Secretaria de Educação, no entanto, argumenta que há recursos enviados diretamente para as escolas, cujas prioridades de aplicação são definidas pelos próprios membros dessas unidades de ensino. Segundo Aristóteles Gomes de Oliveira, chefe da Assessoria de Planejamento da Secretaria de Educação, na execução orçamentária parcial de 2015 (até o mês de novembro) foram repassados R$ 3.693.000,00 para as contas-correntes das escolas, por meio do Programa de Transferência de Recursos Financeiros Diretamente às Escolas Públicas Estaduais (PROFIN). Ainda segundo Oliveira, o PROFIN de 2015 será maior do que o dobro do repassado no ano de 2014.

Sobre a questão da valorização profissional, Oliveira afirma que, entre 2006 e 2014, os profissionais do magistério tiveram reajustes acima da inflação. Segundo ele, “nenhum integrante da carreira do magistério estadual sergipano recebe vencimento base inferior ao Piso Nacional Salarial, estabelecido como sendo R$ 1.917,78”. E completa dizendo que, além do Piso Salarial, os servidores docentes recebem gratificações calculadas sobre o vencimento básico, como a Regência de Classe (mais 25%), Interiorização (se deslocar-se de seu município de residência) e o Triênio (mais 5% a cada 3 anos).

Outra polêmica que o Sindifisco lança contra o governo diz respeito à arrecadação de recursos para esses gastos. Através do Programa Sergipano de Desenvolvimento Industrial (PSDI), o estado oferece isenção fiscal para a instalação de novas empresas, com o objetivo de fomentar a economia da região. De acordo com Pedroza, esses benefícios fiscais são inconstitucionais, porque não são aprovados no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), conforme previsto em lei. Além disso, representam uma perda significativa de receitas para o estado: “Para se ter uma ideia do valor exato, o estado de Sergipe no ano passado arrecadou R$ 2,7 bilhões de ICMS, mas só com o PSDI, deixou de arrecadar R$ 1 bilhão”.

O professor Ricardo Lacerda, do Departamento de Economia da UFS, que também integra a assessoria econômica do Governo do Estado de Sergipe desde a gestão do governador Marcelo Déda, ameniza as críticas a esse tipo de medida, justificando-a pela necessidade de geração de empregos e pela competição com os outros estados que também adotam a prática. “Se você não oferecer o incentivo fiscal, um estado que tem uma condição semelhante a sua oferece e desequilibra a disputa. O empreendimento vai pra lá, os empregos são gerados lá, etc.”, diz Lacerda. Segundo dados do governo, desde 2007 foram implantadas 103 empresas em Sergipe, que resultaram em investimento de mais de R$ 723 milhões e 11.400 empregos diretos. Saiba mais:

Participação popular

Para além de críticas pontuais a determinadas prioridades políticas do governo nos gastos públicos, ambos os sindicatos defendem que a participação popular deve ser fortalecida para evitar a distorção entre o que os cidadãos desejam e precisam e o que o governo aplica ao estado. Na elaboração do Orçamento Público, a sociedade civil pode ser incluída de diversas formas. Por exemplo, através da realização de conferências regionais, com delegados dos próprios municípios, que levam diretamente à administração pública sugestões e pedidos de investimentos nas suas cidades.

Fernanda Cruz, atualmente na assessoria técnica da Superintendência de Estudos e Pesquisas (Supes), outra unidade da Seplag, esteve à frente da última experiência de planejamento participativo de Sergipe, realizada entre os anos de 2007 e 2011. “O governo que se iniciava [Déda] queria saber o que era que a população sergipana almejava, o que ela desejava para esse novo estágio. O que ela tinha como desejo e como perspectiva”, explica Cruz.

Segundo a assessora, foram realizadas conferências a nível municipal, territorial e estadual, sendo as conferências territoriais divididas em 8 regiões (veja no mapa abaixo). Foram eleitos 10 representantes (ou delegados) da sociedade para cada município, sendo 3 representantes do Poder Público, 2 da iniciativa privada e 5 de movimentos sociais, atuando junto com os chamados “delegados natos”, o prefeito e o presidente de câmara municipal, para formar um total de 12 conferencistas. Cada um deles, tanto os delegados eleitos quanto os natos, contava também com um suplente.

Aldo Mota, à época secretário de agricultura do município de Itabi, participou dos três níveis de conferências como delegado pelo Poder Público. Ele conta que sua secretaria já havia participado de projetos semelhantes junto à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), por isso a experiência facilitou o processo. Segundo Mota, “o processo era democrático e seguia o regimento que era debatido e discutido por todos”. Na fase municipal, os presentes eram divididos em grupos por temas para apresentar propostas, das quais as dez melhores eram levadas às territoriais. Nas conferências territoriais, novamente dez propostas eram escolhidas para a estadual, totalizando 80 na fase final do processo.

Os delegados recebiam, antes de tudo, instruções e oficinas para aprender a metodologia e os objetivos das conferências, assim como a diferenciar as questões que eram de responsabilidade municipal ou estadual. “Todos os nossos problemas discutidos eu tinha a preocupação de encaminhar para cada secretaria do município, pois tinha muitas propostas e sugestões que podíamos resolver a nível de município”, informa Mota. De acordo com Fernanda Cruz, 80% das propostas indicadas no processo de conferências foram incluídas no Plano Plurianual, principalmente em programas de desenvolvimento, como o Sergipe Cidades.

Após essa experiência, a participação popular direta no planejamento de Sergipe teve um decréscimo, limitando-se a uma consulta pública para a revisão do PPA em 2011, via Internet, no site da Seplag. Fernanda Cruz acredita que o método virtual não é tão eficaz para o envolvimento da sociedade no processo: “Não só pelas pessoas que não tinham disponibilidade ou não souberam da informação mesmo tendo divulgação, mas é mais limitado o uso da Internet pra esses casos. Apesar de ser amplamente utilizado pelo Governo Federal”.

Perguntado sobre o que achou da experiência, o ex-delegado Aldo Mota alegou: “Minha avaliação foi e é ainda bastante positiva”. Ele acredita que a consulta à população foi importante para que o governo conhecesse os problemas da sua cidade e visualiza que isso trouxe boas mudanças para o local. “Muitas das propostas aprovadas foram realiadas pelo estado e pelo Governo Federal, como assentamentos de terra para agricultores, ampliação de tanques e limpeza de aguadas, construção de novas moradias e erradicação das casas de taipa”, conclui Mota.

Roberto Silva, do Sintese, é enfático sobre a postura da administração atual: “O governo Jackson Barreto é um governo que não acredita, não confia e não prioriza a participação popular, isso está claro.” Segundo ele, ainda no ano passado, a categoria foi chamada pela Seplag para participar de uma audiência pública sobre o orçamento, onde fizeram considerações sobre a previdência, o reajuste dos servidores e os recursos para a melhoria das escolas, mas não foram ouvidos. “O orçamento foi enviado para a Assembleia do mesmo jeito que é enviado todos os anos”, afirma.

Texto: Daniel Martins |Arte: Grace Carvalho |Edição: Grace Carvalho, Daniel Martins e Pedro Henrique

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Grace Carvalho
Contexto UFS

Católica, 22 anos, sergipana, conservadora, jornalista em formação e apaixonada pelo que é belo.