Parte 12: análise — Cabo do Medo (1991)

Caio Araújo
Continuistas
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5 min readJul 1, 2017

O remake de Círculo do Medo (1962) representou a transformação e completude da transição do conceito do pária social e do personagem com características criminosas. Travis Bickle representava um homem sem objetivos, ignorado pela sociedade, cuja justiça era a lei, independentemente das convenções sociais. Jake LaMotta foi um indivíduo que, motivado pela ganância, corrompeu regras para alcançar seus objetivos. Max Cady é um ex-presidiário que busca vingança por uma injustiça que lhe foi feita.

Ebert (2008) aponta que na versão de Scorsese não existem inocentes, todos têm, de alguma forma, culpa. O advogado Sam Bowden (Nick Nolte) defendera Cady e escondeu provas que o inocentariam. Catorze anos depois, ele busca vingança e tem um vasto conhecimento dos trâmites legais, o que leva a discussão do roteiro para além de rixas pessoais. Para homenagear a versão original do filme, o diretor convidou Gregory Peck, Robert Mitchum e Martin Balsam, que atuaram em Círculo do Medo, para fazerem parte de sua refilmagem.

A narrativa corresponde bem o espírito da sociedade americana, onde as motivações para a violência são psicossociais. O fator externo não é mais uma justificativa e a corrupção de valores já está impregnada na população das cidades grandes e/ou das regiões mais remotas. Cady é uma vítima do sistema que, mesmo com suas falhas, foi punido devido à percepção subjetiva de um advogado. Agora, em liberdade, ele lança-mão dos mesmos artifícios para se vingar de Bowden.

Cortes que representam a valorização de conceitos estéticos nos filmes de Scorsese.

A narrativa se desenvolve, como explica Ebert (2008), a partir da perseguição. Cady e Bowden entram em um confronto psicológico, colocando erros e crimes cometidos em discussão. O personagem não é apenas vingativo, ele tem, introjetada em seu psicológico, uma concepção de justiça. Scorsese desconstrói, novamente, a visão do herói. Todos os personagens são complexos e com deficiências. Dessa forma, os erros de LaMotta em Touro Indomável, e da sociedade em Taxi Driver, são colocados em toda a população em Cabo do Medo, dando uma noção verossímil da composição de cada personagem.

LoBrutto (2008) argumenta que os direitos de filmagem foram comprados para que Martin Scorsese pudesse criar uma nova concepção do medo. O ponto principal desse medo é a sua configuração a partir da determinação de Robert De Niro em conseguir sua vingança.

A colaboração técnica parte da assimilação da trilha do filme original, composta por Bernard Herrmann e adaptada por Elmer Bernstein. Os elementos fotográficos transitam dos tons limítrofes de claro e escuro, bem como a versão original, que lançou mão do contraste nas cenas. O objetivo de Scorsese é se apropriar dos conceitos de Modesto (2008), quando afirma que a concepção do terror deve ser simples e interligar os diferentes profissionais de uma produção. Em Cabo do Medo atores e demais colaboradores trabalham a partir dessa perspectiva, causando a identificação do público com Max Cady, a percepção dos métodos de perseguição e amedrontamento e o desfecho, que apresenta o embate entre as duas partes.

Max Cady é o personagem que se identifica com seu meio. Ele está presente e surge quando lhe convém, para atormentar a família Bowden. Ele, a partir do momento em que é libertado, passa a fazer parte de um grupo de cidadãos amparados pela lei, e se sente à vontade para perseguir o responsável direto por sua prisão. Os subterfúgios de Cady lhe dão liberdade para prosseguir com seu plano.

Cenas do ataque organizado por Bowden a Cady, e também da resposta legal de De Niro à agressão.

O personagem de De Niro não corresponde a um aventureiro, embora sua jornada envolva o cumprimento, segundo o personagem, da justiça. Ele busca a aventura e é a partir dela que a trama se desenrola. O vilão se torna responsável por toda a tensão narrativa. O que ocorre em Cabo do Medo depende da presença de Cady, ele é o elemento catalisador de todas as crises do filme.

Cena do reencontro de Bowden e Cady no cinema.

Desde que foi preso, Max Cady notou a vingança como seu motivador. Toda essa ação foi criação independente e individual do psicológico do personagem. Scorsese criou um personagem cuja única preocupação foi a de transformar Robert De Niro em um ser que incorporasse o medo. O perfil do personagem, do ponto de vista de sua imagem, é asqueroso. Trata-se de um sujo que, contudo, até certo ponto, não infringe as regras sociais.

Max Cady seduz Danielle (Juliette Lewis) por telefone e passando-se por um professor de teatro.

Max Cady é outro personagem que não tem referências. Não se notam figuras paternas constantes em nenhum dos personagens. O âmbito familiar é confuso e violento. Dessa forma, Cady não tem exemplos de conduta. Tudo o que aprendera foram leis e sua aplicação, sempre em busca de seu objetivo principal.

Sequência final com o confronto físico e psicológico entre Bowden e Cady.

As provações são, ao contrário da jornada do herói, criadas pelo personagem e a recompensa se mescla com a salvação do personagem, que seria uma retratação ou a consumação da vingança de Cady. Contudo, como esse processo não acontece, a percepção que se tem é de que os aflitos são salvos e seus pecados, perdoados.

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