A caçadora do Pici

por: Luana Lima

Redação Para Mídias Digitais 2017.1
Contos do Pici
6 min readJul 10, 2017

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Ana era estudante de Publicidade da Universidade Federal do Ceará, uma pessoa quieta e pouco sociável, não porque o mundo lhe impunha, mas porque não sentia a necessidade de conversar com todos os indivíduos que cruzassem o seu caminho, sobre assuntos que pouco lhe interessavam. Estava alheia a tudo de “normal” que a cercava, mas o que as pessoas a sua volta não imaginavam, ao vê-la como alguém reclusa e nem um pouco ameaçadora, era que Ana tinha uma vida secreta.

Quando não estava estudando, escrevendo artigos, ou “dando conta” das milhares de atividades que a universidade lhe exigia, Ana combatia os demônios que habitavam o Pici, ocultos à visão das pessoas comuns, esses espíritos malignos estavam possuindo alguns professores que mudavam seu comportamento diante dessa influência ruim e passavam vários trabalhos sem sentido, como relatórios técnicos ou artigos sobre assuntos desinteressantes que as pessoas jamais leriam, com o intuito de infernizar a vida dos alunos não os fazendo aprender nada, e condenando-os a eterna ignorância.

Porém, Ana se encontrava agora em uma missão muito difícil, pois um dos demônios mais perigosos, chamado Foriuns Temer estava tentando se apossar do corpo do reitor da universidade e assumir total controle sobre o campus do Pici. As consequências de um demônio tão poderoso assumir o corpo de alguém tão importante na instituição seriam catastróficas.

Ela vinha acompanhando há dias os rastros que o Foriuns Temer deixava pelo campus, sem conseguir localizá-lo para proceder então com o ritual de expulsão. Ela conseguiu identificar sua influência sobre os locais mais remotos da universidade, lugares onde a grande maioria dos estudantes não frequentavam, ou sequer sabiam que existia, como o centro de ciências agrárias, o orquidário, local onde Ana cultivava sua planta venenosa usada nos rituais de exorcismo, e claro, as colméias, umas de suas fontes mais confiáveis, as abelhas ficavam sempre mais agitadas do que o normal com a presença de um demônio tão forte. Ana sempre visitava seu amigo Leonardo, estudante de mestrado responsável pelas colméias, com a desculpa despretensiosa que iria realizar seu TCC com algo que envolvesse as abelhas, sendo capaz de recolher de forma despercebida as informações que precisava.

— Ana, que bom te ver aqui, veio importunar minhas abelhas tentando entendê-las, de novo ? — Disse ele com um sorriso largo claramente tentando debochar de Ana

— Não, se eu entendesse só um pouco delas você já ficaria sem trabalho — Respondeu ela com um sorriso amarelo de menino do buchão — Eu queria só saber se as abelhas “estão de boa” hoje, ou se elas voltaram a se comportar de forma estranha, eu lembro que você estava preocupado com isso.

— Elas continuam agindo de uma forma totalmente inesperada, não sei explicar porquê elas não querem sair das colméias para se alimentar com a frequência que elas precisam.

— Deve ser o aquecimento global afetando a forma como elas agem — Disse ela sem acreditar que aquela besteira tinha realmente saído de sua boca — Eu preciso ir — Continuou ela — Vou tentar jantar no RU ainda, tá quase fechando, tchau Léo!

— Tchau Ana, boa sorte.

A caminho do RU, Ana refletiu que não tinha muito tempo até que o reitor cedesse à influência maligna de Foriuns Temer, ele já vinha apresentando alguns comportamentos muito suspeitos, como o corte do orçamento para pesquisas científicas e construção de novas estruturas para o campus, ela sabia que o demônio vinha se fortalecendo cada dia mais, e que tentaria pegá-la desprevenida.

— Ainda bem que passei no orquidário mais cedo e colhi uma pétala da impeachmeant — Disse em voz alta enquanto pensava e caminhava sozinha.

Chegando no RU, ela ficou mais do que feliz em constatar que já não havia uma fila enorme pra entrada do restaurante, e que poderia seguir adiante sem demora. Ana estava com um pressentimento ruim desde que deixara a Colméia e seu amigo Leonardo, como se cada passo que estivesse dando a levasse a um caminho sem volta. Aquilo pesou sobre os seus ombros e ela sentiu um desânimo que não sabia explicar.

— Preciso localizar esse demônio, preciso localizar esse demônio — murmurou Ana, mais uma vez em voz alta.

Ana pegou sua bandeja e seu prato e marchou decida a comer o mais rapidamente possível, ela precisava ir pra casa traçar uma estratégia para a captura do Foriuns Temer. Ao se sentar em uma das mesas para iniciar sua refeição, ela percebeu que algumas luzes estavam piscando e apagando — ainda mais essa — pensou consigo mesma. Totalmente absorta em seus pensamentos, seus devaneios foram quebrados apenas para observar uma pequena abelha que pousou na ponta de seu dedo que repousava sobre a mesa. Ana levou menos de um segundo para perceber o que estava acontecendo.

— Saia do corpo dele agora Foriuns Temer, aqui é o RU, você não tem poder aqui — Bravejou Ana para o reitor, que acabara de entrar no RU levitando e com os olhos vermelhos.

Ninguém se movia, os poucos estudantes e funcionários que habitavam o RU naquele momento estavam paralisados de medo, e o coração de Ana batia muito forte. Todos os caçadores sabiam, demônios não habitavam o restaurante universitário, pois tinham extrema repulsa pelo local, não se sabia porquê.

— Você acha que um demônio poderoso como eu seria impedido de entrar aqui ? — Disse Foriuns Temer, lançando uma risada sarcástica à Ana — Você não esteve me procurando o dia todo, aqui estou eu.

Ana sabia que precisava agir rápido, pois quanto mais tempo um demônio se apossa do corpo de um humano, mas difícil é de retirá-lo. Ela precisava encontrar um jeito de fazer com que Foriuns Temer engolisse a planta, já que não tinha tido chance de diluída em suas balas. Enquanto ele se aproximava, ela retirou a pétala que havia colhido mais cedo do bolso discretamente, enquanto ele caminhava em sua direção. Ana não estava preparada para enfrentá-lo ali, a pétala era sua única chance. Ele segurou-a pelo pescoço e a ergueu no ar, Ana estava decidida a “fazer a egípcia” e dar uma de derrotada.

— Quais são suas últimas palavras caçadora? — Questionou o demônio com uma risada assustadora

— Que a impeachment sagrada me proteja — Respondeu Ana levantando a pétala até a altura de seu rosto..

— Você realmente acha que uma pétala estúpida pode te proteger sua caçadora imbecil? Veja o que eu faço com ela — Disse Foriuns Temer furioso.

Foriuns Temer retirou a pétala da mão de Ana e a engoliu

Já quase sem ar, Ana alcançou seu punhal sagrado em seu coldre e arranhou o rosto do reitor possuído, que queimou levemente. Ele a soltou imediatamente, ela caiu no chão enquanto tentava com todas as suas forças recuperar o fôlego. Ela sabia que não teria mais forças para reagir, sentada no chão, ao levantar o rosto ela pôde ver Foriuns Temer vindo “muito puto da vida” em sua direção, e quando ele se prepara para pegá-la pelo pescoço novamente, ele de repente pàra. Seus olhos vermelhos se esbugalham como se houvesse algo implodindo dentro de si.

— A pétala impeachment — Disse Ana sorrindo para o demônio.

— Não pode ser verdade, essa pétala é apenas uma lenda, nenhum demônio nunca a viu.

— Então porque você não consegue se mexer ? — Disse Ana triunfante

Ana tirou o terço de seu bolso e rezou o pai nosso para finalizar o processo de exorcismo. Foriuns Temer gritava enquanto Ana proferia sua oração, e ao fim, uma enorme fumaça preta saiu pela boca do reitor e se dissipou no ar, o reitor caiu no chão inconsciente e livre, e Ana se deixou cair no chão aliviada, o campus do Pici estava salvo.

Todas as luzes haviam se apagado e alguns estudantes corrido durante a batalha, outros permaneceram, congelados pelo medo. Ninguém proferia uma palavra e todos se mantinham em silêncio, no escuro, tentando absorver o que acabara de acontecer. Ana levou alguns segundos para se recuperar, ficou de pé, recolheu suas coisas, olhou a sua volta. O que ela haveria de explicar para aquelas pessoas? Ela havia cumprido sua missão e o campus estava salvo, mas não havia mais lugar para ela alí. Ana caminhou em direção à saída, decidida a nunca mais voltar.

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