Causa mortis.
Não estava interessado nas coisas que aconteciam, tampouco nas que deixavam de acontecer.
Não lhe interessava a política (eram todos ladrões); também o futebol não lhe chamava a atenção (havia acabado o amor à camisa). A música se lhe tornara enfadonha e inculta, os livros eram coisa do passado — e ler em uma tela lhe cansava os olhos.
Para as histórias e estórias que lhe poderiam ser contadas por amigos, conhecidos, ou mesmo pelos filmes e séries televisivas lhe davam a impressão de repetir os mesmos argumentos, reprisar acontecimentos, renovar os velhos lamentos.
Os relacionamentos? Com estes já não se importava mais. A sua própria companhia lhe bastava, e quando alguém ameaçava esse reinado de si sobre si mesmo, acenava, quando muito, um adeus.
Os amigos pareciam ser supérfluos — pois que não lhes pagavam as contas de consumo e o mercado — e móveis pela casa já os tinha bem poucos (“apenas o necessário”, dizia). Aos prazeres da vida, preferia o conforto de seu sofá: era mais barato, mais confortável ou, quando lhe faltava argumentos, justificava para si mesmo que pelo menos o sofá não lhe decepcionava em nada.
E assim a vida foi passando; o tempo levou embora a sua juventude, o brilho dos seus olhos. Contentou-se em morar em um subsolo, sem vista para nada de tudo aquilo que era apenas desinteressante.
Morreu. Causa mortis: desinteresse agudo.