Kim Gordon — Girl in Band

Por janaína*

Thiago Kittler
Contra Online
5 min readApr 28, 2015

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Capa do livro.

A Kim Gordon é uma figura-chave na cultura alternativa do final do último século. Ao transitar pelas cenas de artes visuais, cinema, escrita, dança e, fundamentalmente, moda e música, ela virou uma referência de sua geração. O livro autobiográfico lançado pela ex-baixista do Sonic Youth, Girl in a Band, retrata uma parte dessas vivências, oferecendo também um cenário onde boa parte dos produtos mais interessantes dessa cena surgiram. A obra ainda não tem edição nacional, mas é fácil de ser encontrada em sites especializados, em sua versão física ou e-book. Trata-se de uma boa leitura para aqueles que buscam inspiração no universo underground.

Girl in a Band também é composto pelo desabafo pungente de Kim sobre o fim de seu casamento com Thurston Moore, guitarrista do Sonic Youth. É daí que o livro parte, com o relato do último show da banda, em 2011, no festival SWU, em São Paulo. Ninguém sabia à época, mas o casal já havia rompido a relação, e somente tratava pessoalmente dos últimos compromissos pendentes da banda. Kim não economiza na contundência para explicar seu desconforto, obrigada a conviver com o ex-marido que, ela havia descoberto há meses, manteve um relacionamento com a namorada de um conhecido da banda. É com esta mulher que Thurston segue namorando ainda hoje.

Essa franqueza e esse olhar puro sobre os acontecimentos da própria vida estão por toda a parte. Os capítulos dedicados à sua infância e vida familiar são marcados por sua relação com o irmão mais velho, Keller. De personalidade expansiva e inconstante, que mais tarde se transformaria em um diagnóstico de esquizofrenia, Keller foi o contraponto que determinou a personalidade da caçula: no livro, Kim atribuiu a ele seu perfil calmo, fechado e contemplativo, oposto ao do irmão. Keller vive sob tratamentos médicos até hoje, e Kim o visita com regularidade.

Rabiscos em tempos de livros virtuais.

A infância na Califórnia dos anos 1960, o relacionamento com os pais, ele o professor de sociologia e ela dona de casa e costureira, a iniciação às artes e à música também são retratados por Kim. Em seus últimos anos da infância, a família se mudou por uma temporada para Hong Kong. De volta à América, Kim ainda se mudaria sozinha para o Canadá, onde estudou artes visuais por algum tempo, antes de ir para Nova York, buscando aproveitar o bom momento das galerias, repletas de artistas e exposições. Foi participando de números musicais de performances artísticas que Kim começou a praticar música. Na cidade onde recém haviam surgido nomes como Ramones e Blondie, não demorou muito para que ela conhecesse de perto da cena underground. Mas foi a no wave, radical e contundente, que mais atraiu a jovem, e acabou lhe influenciando enquanto música dissonante e barulhenta, em oposição àquilo que é comercial. Foi frequentando esses shows que ela conheceu Thurston, para mais tarde criar o Sonic Youth.

Nomes conhecidíssimos começam a aparecer pelo livro durante essa fase. A primeira banda a viajar com o SY é o Swans, de Michael Gira, ex-colega de escola de Kim. Tentando se socializar em Nova York, ela vai parar em um bar com Johnny Thunders, que debocha do jeito anti-cool de menina californiana de Kim. Lydia Lunch não perde a oportunidade de dar em cima de Thurston. Chloe Sevigny, uma garota apaixonada por moda, é convidada para estrelar as campanhas da X-Girl, marca de vestuário feminino criado por Kim. Aliás, é devido a esse trabalho que Francis Ford Copolla conhece Kim: os comerciais foram os primeiros trabalhos de sua filha Sofia.

Kim e Kurt Cobain.

Nas partes em que Kim relata sua proximidade com Kurt Cobain, a sensibilidade aflora ainda mais. Ela se considerava uma espécie irmã mais velha (e por coincidência, a irmã verdadeira de Kurt também se chama Kim), que o aconselhava e zelava porque enxergava sua vulnerabilidade. Kim não disfarça o quanto acredita que a instabilidade de Cobain veio através do relacionamento com Courtney Love, descrita como uma pessoa arrogante, egoísta e interesseira. Esta passagem é tão contundente quando a que relata o fim de seu casamento.

Kim descobriu o relacionamento de Thurston por mensagens de celular, e depois de um período em que tentaram um acerto, ela desmanchou o casamento de quase vinte anos e com uma filha adolescente. O leitor fica sabendo detalhe por detalhe o processo doloroso. A outra mulher, uma editora de livros que trabalhava em um projeto com parceria de Thurston, era obcecada em relacionar-se com homens de bandas, na descrição de Kim. Ela cita comentários de amigos que “não acreditavam que Thurston havia caído nessa”. O relato, obviamente unilateral porque não há espaço para outras versões, e demasiadamente doído, demonstra o desequilíbrio que o episódio causou na sempre cool e sensata Kim. Tão confessional que pode parecer “barraco”, mas acredito que isso seja nada mais do que um desabafo, talvez a própria justificativa para o livro inteiro.

O mais importante de Girl in a Band é a inspiração que Kim constitui, para todos aqueles que consomem e produzem cultura fora de qualquer padrão estético, e também enquanto mulher. Ela distribuiu suas opiniões sobre feminismo e protagonismo feminino por diversos trechos. Há ainda partes preciosas para quem é fã de Sonic Youth, esmiuçando o cotidiano da banda, a origem das canções e até uma tentativa de mudança de nome. Não resta dúvida de que sua personalidade e seu talento influenciaram as gerações que viriam. As últimas páginas são dedicadas uma noite histórica: a apresentação de indução do Nirvana ao Rock’n’Roll of Fame. Já solteira, com a filha adulta, reconstruindo sua própria história como artista e música experimental, Kim foi a escolhida para subir ao palco com Kirst e Dave. A música era Aneurysm. Quem poderia fazer melhor do que ela?

Jornalista residente na região metropolitana de Porto Alegre. Já colaborou com sites como Scream & Yell e Floga-se.

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