“Mi ropa, mi cara y mi barrio no son delitos”

Por Karina Ruíz*

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3 min readJul 13, 2015

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(Consigna del Día Contra la Violencia Institucional.)

Miguel Bru tinha uma banda punk, estudava Jornalismo e vivia com amigos em uma casa ocupada na cidade onde agora eu vivo: La Plata, província de Buenos Aires. Em abril de 1993, a polícia fez sua primeira aparição: invadiu a casa, devido a denúncias anônimas pelo barulho. Como invadir por reclamações de barulho é ilegal, alguns dias depois Miguel foi fazer uma denúncia contra a polícia. As invasões começaram a ficar mais frequentes até que, em um dia de agosto, Miguel desapareceu.

Depois de um tempo, seus amigos começaram a desconfiar da polícia, e foram formando o que se tornaria a Comissão de Familiares, Amigos e Companheiros de Miguel. A mãe de Miguel, seguindo a investigação por conta própria, descobriu o que havia acontecido quando uma mulher lhe disse que já podia falar “agora, que já mataram meu irmão”. O irmão dela, que estava na cadeia, viu Miguel ser torturado e viu seu corpo sendo arrastado para fora da cela — e, por ter xingado e ameaçado denunciar os policiais enquanto via tudo isso, passou a ser ameaçado. Com medo, contou a irmã. E, no fim, acertou: ele, assim como um outro preso que havia testemunhado o crime, foi morto logo depois de sair da prisão.

Oficialmente, entretanto, a investigação e a justiça andavam paradas. Apesar de terem conseguido, depois de muita mobilização, fazer com que o desaparecimento de Miguel começasse a ser investigado, o caso foi parar na mão de um juiz que depois seria afastado por encobrimento deste e de mais 25 outros casos de assassinatos por policiais. Sua justificativa: sem corpo não há delito. Sem corpo não há delito: por isso ainda hoje vejo pelos muros de La Plata “¿dónde está Miguel?”. Por isso para eles é tão importante seguir perguntando: onde está Miguel Brum?

Miguel desapareceu em 1993, em pleno Estado democrático de direito. Mas falo disso porque há umas duas semanas fui a um show do Leon Gieco feito em benefício a Associação Civil Miguel Brum. Sabia que Gieco era um velho envolvido com a luta das vítimas do que eles chamam aqui de violência institucional e gatilho fácil — uma das minhas músicas prediletas dele, Angel de Bicicleta, foi feita em homenagem a Pocho Lepratti, morto em meio a crise de 2001, quando a polícia chegou atirando nos fundos de uma escola dum bairro carente onde ele trabalhava: a reação dele foi subir no telhado e gritar a frase imortalizada por Gieco: “Bajem las armas que aquí sólo hay pibes comiendo!” (abaixem as armas que aqui só tem crianças comendo). A reação policial foi a de assassinar ele com um tiro no pescoço.

O que eu não sabia era que ia ver essa música ser cantada por uma plateia em pé. Também não sabia que o show seria interrompido para entregar à mãe de Miguel, Rosa Brum, um prêmio nada neutro por promoção da verdade. Não sabia que ia ver ela agradecendo a uma senhora na plateia — Hebe Bonafine, presidente da Associação das Mães da Praça de Maio — e à outra madre que, há um tempo atrás, entregou à Rosa um pañuelo, o lenço das Madres da Plaza de Mayo: também Rosa era uma dessas tantas madres argentinas que buscam, ainda, seus filhos e justiça. Não sabia que em meio ao show ia sair aprendendo uma das grandes lições que aprendi nesse intercâmbio: aqui a memória é viva.

Reviso o texto em um dia em que vi uma chamada sobre o Brasil em um noticiário argentino. A chamada era sobre a violência policial em São Paulo, e os âncoras mostravam com um considerável espanto o vídeo em que dois policiais atiravam a queima roupa em ladrões que estavam, até então, em fuga, mas que agora já estavam rendidos. Bandido bom é bandido morto, dizem. E não é bandido quem mata?

Volto com aquelas ganas de voltar pro Brasil e ver a violência ser questionada, também a institucional e a social. Volto querendo que as tantas mães brasileiras tivessem toda essa voz das madres daqui. Com aquela vontade de que os nossos Amarildos, as nossas Claudias e os nossos Eduardos também estivessem pelos nossos muros.

*Estudante de Relações Internacionais pela UFRGS em intercâmbio na Argentina.

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