Uma noite (exótica?) em Porto Alegre — Tagore e Mar de Marte

Bruna de Bem
Contra Online
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4 min readMay 15, 2015

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Bateu aquela saudade da última Noite Senhor F, com Tagore e Mar de Marte. Resolvi contar sobre como foram esses shows (e um pouco mais da noite) para quem perdeu ou — principalmente — não conhece essas bandas.

Foi no dia 23 de abril que o Beco, o novo, na João Alfredo, foi palco para mais uma memorável Noite Senhor F. Era uma quinta-feira cujo clima de outono dava seus primeiros ares pela capital. Apresentavam-se os dois terços ERECHINENSES mais um da Mar de Marte (um dos integrantes do trio é de Cachoeirinha) e a Tagore, vinda diretamente do Nordeste do Brasil para uma tour pelo RS.

A noite começou um tanto oriental, com sushi (demais) e saquê, mas foi durante a passagem por um elegante boteco da João Alfredo (que reabriu) que veio a questão da noite: existe banda nordestina ruim?

Com a pergunta da noite na cabeça, assim, tudo começou.

O local, o Beco, por si só surpreendeu e não poderia ser escolhido um lugar mais legal para as noites efes. Entre corredores, escadas, um hall espaçoso para os shows/festas, mezanino e até um terraço, iam chegando e se acomodando, logo após o passarda meia noite, os primeiros e poucos que puderam ter o privilégio de assistir à instrumental Mar de Marte e a não menos louca Tagore.

Na atual formação da MARDE — a saber: Dha Rano (bateria), Gabriel Balbinot (guitarra) e Marcelo Acosta (baixo) — foi a primeira viagem (vou usar isso em vez de show) que pude presenciar. Viagem porque esse é um show daqueles que te leva para bem longe, com um som cheio de psicodelia, mas que ao mesmo tempo prende a atenção, fazendo tu não tirar mais os olhos do palco. Do início ao fim, foi essa mistura transcendente. Citada em publicações como Noize, TMDQA!, e O Globo, a Mar de Marte é mais uma banda promissora do atual cenário no RS. Já tem um EP digital, de 2011, e no próximo ano lançará novo álbum pelo selo independente The Southern Crown. O single “Mar de ½ Litro” já foi lançado e com direito a clipe, gravado na Polônia. Obviedade realmente não é com esse trio.

Com um telão atrás do palco como uma espécie de fundo psicodélico, em seguida foi a vez da Tagore, que deixou o palco do Beco pequeno para tantos instrumentos diferentes e tanta gente: a banda é formada por Tagore Suassuna (vocal, violão e responsável pelo projeto), João Cavalcanti (Guitarra, baixo e teclado), Emerson da Silva (bateria), Julio Castilho (baixo, guitarra e teclado), Diego Dornelles (baixo, guitarra e teclados) e Caramurú Baumgartner (percussão e teclado).

Em sua passagem pelo Rio Grande do Sul — também passaram pelo Festival Música de Rua, em Caxias, e pelo Espaço Cultural Lechiguana, em Gravataí — a Tagore, que é de Pernambuco, não poupou canções de letras marcantes, às vezes difíceis, que levam quem ouve a pensar sobre existencialismo como

Ser humano animal, poliglota racial/Mata apenas por querer, primitivo bem dizer/ Vive às sombras de um talvez/ Dorme sem agradecer a quem tudo lhe fez ser

e por aí já dizia Poliglota, do disco Movido a Vapor, de 2014, que ganhou clipe:

O vocal do Tagore também me chamou atenção. Foi marcante ouvir uma voz tão bonita, com um sotaque tão legal, energético, além do que, trocava de instrumentos ao longo do show. A essa altura, o banco bem no meio da pista do Beco já estava vazio: realmente não é música para ouvir sentado, e uns — não tão tímidos quanto eu — já arriscavam umas dancinhas esquisitas logo em frente ao palco. Por dentro, eu juro que dançava MUITO ao som dessa mistura de baião, psicodélico, maracatu, folk e rock nervoso.

Parecido com o som deles, só conheço o Alceu Valença — e ainda assim não é algo exatamente próximo. Isso me fez lembrar que não conheço banda ruim do Nordeste. Que povo esse para fazer som diferente!

Para quem está a fim de ouvir umas bandas de lá… algumas bem diferentes da Tagore, afinal, não vamos colocar todas as bandas no mesmo saco porque Nordeste não é só axé e frevo, como nos dizem na TV. Vivendo do Ócio (Bahia), Cidadão Instigado (Ceará), Mombojó (Pernambuco)… E ESSA COISA MALUCA aqui do China: Sheik Tosado, também de Pernambuco.

Pode parecer sem sentido, mas o Japão e o Nordeste estão nesse texto e não por acaso. Um choque cultural é importante de vez em quando, deixar de ouvir/comer/fazer o habitual, o de sempre, o que está mais perto, pode ser muito precioso. É viver o novo. Foi isso que senti vendo e ouvindo pela primeira vez a Tagore e assistindo a um show da MARDE.

Abaixo, registro audiovisual (tosco PERO sincero) de MÚSICA NOVA da Tagore pelo fotógrafo-punk (e editor desta collection) Thiago Kittler.

(No FEISSY-BUK, o álbum de fotos da noite: http://j.mp/1F2Uxuc.)

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Bruna de Bem
Contra Online

Jornalista diplomada, especialista em jornalismo digital (em andamento), ramoneira, batedora de retratos e entusiasta da música alternativa brasileira. Livre.