Da Ausência de Responsabilidade Social

Das novelas-ultra-violence ao humor-pode-tudo.

Maurício Szabo
Contra fluxo
4 min readNov 14, 2013

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Há, hoje, uma certa idéia do “politicamente correto” sendo o mal de todos os problemas do país e do mundo. Mas antes, acho que é legal pensar um pouco no significado da palavra “politicamente correto”.

Fui fazer uma busca sobre “Politicamente Correto”, mas as informações divergem muito. Procurei na Wikipedia em português e em inglês, e cheguei mais ou menos à definição que Politicamente correto se refere a uma suposta política que consiste em tornar a linguagem neutra em termos de discriminação e ofensas. Hoje em dia, é normalmente usado com conotação pejorativa. Já sobre o “politicamente incorreto”, achei algo como crítica ao politicamente correto, muitas vezes utilizado como eufemismo para discursos de ódio.

Independente dos significados, hoje muitas pessoas se denominam como politicamente incorretos sem ter idéia do que isso significa. Ora, se formos analisar o “politicamente correto”, poderíamos pensar na frase a mulher de César não deve ser honesta, basta parecer honesta. A idéia de ser politicamente qualquer coisa é não necessariamente ser, mas agir como se fosse por motivos… políticos. Se pensarmos desse jeito, o inverso é não ser preconceituoso/ofensivo/discriminatório, mas agir como se fosse por motivos políticos. Que mundo é esse que temos de ser preconceituosos/ofensivos/etc para podermos ser aceitos?

Claro que estou falando de humoristas como Gentili, Bastos, nesse exemplo. Claro que estou falando que eles se orgulham de serem algo que não deveriam se orgulhar. Claro que estou falando que a sociedade brasileira está perdida se acha graça no humor deles, nesse humor stand-up enlatado americano que é desprovido de inteligência e acaba por precisar humilhar os convidados (e suas mães, e pais, e familiares, e quem nem tem nada a ver com a história) para terem “graça”.

Mas não é só dessas coisas que estou falando. Estou falando de uma coisa chamada responsabilidade social.

A idéia é bem simples: se eu digo pra alguém que está usando um sapato verde que a pessoa está ridícula, provavelmente a pessoa não vai querer usar aquele sapato. Às vezes, a pessoa realmente não combina com aquela cor, e tudo bem. Se eu falo pra um grupo de pessoas que outro dia, um amigo quis usar um sapato verde e que eu nunca vi coisa mais ridícula, numa conversa de bar, provavelmente muitos vão rir, mas eu garanto que se tiver uma pessoa na mesa que tenha um sapato verde, ele no mínimo não vai usar esse sapato perto de mim, ou das pessoas que estavam comigo.

Quando alguém na TV diz que criminosos estão fazendo um favor às vítimas, ele está sim estimulando a criminalidade. Não importa o contexto. Hoje em dia, até o YouTube tem editor de vídeo, e é fácil fácil editar o contexto e deixar só o que interessa. Duvida? Que tal o tumblr “Porra, Maurício”, que faz exatamente isso? A sociedade é rápida em acusar, mas lenta em perdoar, infelizmente.

Quando um humorista diz que uma mulher feia estuprada tem que agradecer, pois o agressor a fez um favor, ele está incentivando o estupro. Especialmente numa sociedade tão alienada como a nossa, na qual “alguém falou na TV, então está tudo certo”. Mas então, ele deve ser responsabilizado por uma piada? Olha, desculpa dizer, mas sim. E deve ser por causa dessa tal responsabilidade social.

Gentili, Bastos, os roteiristas da Globo, da rede TV, de best-sellers, normalmente são pessoas estudadas. Pessoas que sabem das consequências de seus atos. Uma pessoa sem estudo, que faz uma música ofensiva tem responsabilidade diferente da pessoa que a posta numa rádio como um novo hit: porque quem postou sabe que a música vai estimular coisas pra muitas pessoas. Ah, mas dá dinheiro/o povo gosta/se estão rindo, alguém diz… a idéia é: se eu tenho um emprego que me rende, digamos assim, 100 mil por mês. Se eu faço uma coisa ofensiva, eu ganho 50 mil a mais: 150 mil. A idéia que muitas pessoas fazem é “puxa, é 50% a mais, vale a pena”. Mas aí a gente muda a situação:

Digamos que você trabalha numa empresa desenvolvendo sistemas. Tem um salário de 5 mil. Aí, te oferecem mais 3 mil, mas o objetivo é invadir um sistema de banco e roubar 6 mil de alguém que você não conhece, nunca ouviu falar, não tem parentesco nenhum, e mesmo assim você sabe que ela não fez nada de errado. Você toparia? Porque é isso que a “piada politicamente-incorreta” pode fazer com algumas pessoas: tirar o sono, virar suas vidas do avesso, e talvez até por vidas em risco: sim, porque você realmente acha que depois de ridicularizar alguém que doa leite materno, quantas mulheres você acha que vão querer começar a doar leite? E quantas vão parar de doar?

Mas só o humor é responsável? Não. Há uma certa novela chamada “Amor à Vida”, que tive o desprazer de assistir enquanto levava um chá de cadeira numa delegacia pra fazer um B.O. (que acabei desistindo, depois descobri que é uma prática comum por lá pra não deixar estatísticas de roubo na cidade), que traz temas super tranquilos como sequestro, tortura, traição… em aproximadamente 40 minutos que assisti, vi pelo menos cinco cenas de pessoas tramando umas contra as outras, duas de traição, e alguns criminosos… numa novela com o nome Amor à Vida. Que imagem isso passa? Que lição (indireta, sempre) é apresentada?

Numa novela, um criminoso se dá bem a série toda, até no final ir preso ou morrer. Em muitas regiões, a estimativa de vida de quem está no crime ou no tráfico é muito baixa-abaixo dos 40 anos de vida. Para alguém que acha que vai morrer antes dos quarenta, será que “se dar bem a maior parte da vida, depois morrer jovem” não é algo atrativo?

Não estou dizendo que precisamos ser um bando de politicamente corretos como, por exemplo, os EUA (que, em seus filmes, por mais escrachado que o filme é, sempre há uma lição de moral). Vendo o exemplo do filme Meu tio matou um cara, dá pra ver que não precisamos. Ou Se meu dólar falasse, também. São tipos de humor que combinam mais conosco-e, sem sombra de dúvida, são muito mais engraçados.

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Idéias sobre fazer e pensar coisas diferentes do que a maioria das pessoas, que fazem da vida algo mais saudável.