do jeito que a gente gosta

Dividir para Conquistar

Das segregações semeadas e colhidas

Maurício Szabo
Published in
6 min readDec 6, 2013

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Minha profissão é desenvolvedor de sistemas, e eu tenho faculdade na área. Há uma certa classe de algoritmos chamada “dividir para conquistar”, que consiste em dividir um problema em vários pedaços pequenos até chegar a um ponto que o problema é trivial, e então cada pedaço é resolvido e unido no fim. Um problema pequeno é sempre mais fácil de resolver do que um grande.

Há quem diga que essa classe de algoritmos foi baseada nos trabalhos de grandes imperadores da época clássica, que dividiam um império antes de conquistá-lo. E os que não conhecem história estão fadados a repetí-la, e hoje em dia muita gente não conhece história.

Vou começar com uma história: “Era uma vez, um homem muito bom que conseguiu identificar todos os problemas do mundo. Ele se propôs a erradicá-los, encontrou um imenso vulcão ativo, e resolveu que coletaria todos os problemas e os lançaria no vulcão para então destruir todos de uma vez. Ele viajou por anos e anos coletando todos os problemas numa sacola, que de tantos problemas ficou extremamente inchada. Anos depois, ele foi até seu vulcão com a sacola, e jogou-a. Infelizmente, a sacola era muito grande e ficou entalada na boca do vulcão. O homem então fez de tudo o que podia para conseguir jogar a sacola para baixo: tentou empurrar, rasgar o fundo, queimar parte dos problemas. Então, a pressão na boca do vulcão ficou tão grande que ele entrou em erupção, numa grande explosão. Alguns problemas foram queimados, mas a maior parte deles voou longe, e voltou a se espalhar pelo mundo.”

Há poucos dias passou o dia da consciência negra. Como já passou o dia internacional da mulher, também. E nesses dois dias, há sempre uma frase que martela na boca do povo: “pra que um dia pra ‘X’, deveríamos ter um dia de todos os humanos” ou algo semelhante.

Voltando um pouco no tempo, tivemos uma série de protestos contra o aumento de ônibus, e depois uma série de protestos contra a corrupção. Várias pessoas disseram que “protestar contra a corrupção é a mesma coisa que miss universo falar que quer a paz mundial”. E é verdade. Um protesto contra todos os problemas do Brasil não vai dar em nada, como de fato não deu. Algumas PECs foram revogadas? Sim, mas será que elas não seriam revogadas de qualquer maneira? Ninguém deu poder de investigação ao ministério público, por exemplo, apenas mantiveram o que já existia. E, desculpa dizer, mas o que já existia é bem ruim…

A política no Brasil é bem corrupta, todos nós já sabemos. A mídia no Brasil é uma das mais manipuladas do mundo (de acordo com uma pesquisa que vi há algum tempo atrás, mas infelizmente não consegui achar). Mas mesmo assim, as pessoas acreditam na mídia. O governo continua dando bolsas nos moldes pão-e-circo, ao invés de investir em educação e melhores condições de vida. E tudo isso contribui para vivemos uma dualidade de aceitar o que os outros nos dizem, desde que isso vá de acordo com nossa posição… só que essa própria “nossa posição” é moldada pela mídia, pela política, pela cultura que se gera ao redor da divisão que nosso governo e nossa mídia promove.

Parece estranho, então vamos com alguns exemplos: quando um certo deputado apareceu como presidente da comissão de direitos humanos, gerou-se uma série de protestos no país, e o Brasil foi dividido pelos próprios brasileiros: ou você apoia plenamente o homossexualismo, ou você é taxado de homofóbico…

O dia da consciência negra, nesse ano, foi mais tranquilo e protestou por mais igualdade do que privilégios. Mesmo assim, houveram os que disseram que era absurdo ter um dia reservado para apenas uma etnia. O que foge ao entendimento das pessoas é que para resolver problemas, você precisa ter uma pauta, senão as coisas viram tipo protesto de 1º de Maio da CUT, com shows de pagode e samba, e nenhuma revindicação…

Já li pelo menos dois posts de “feministas” dizendo que um homem não deveria opinar pelas revindicações que elas fazem…

É válido usar uma camiseta escrito “100% negro” mas o contrário… a frase “orgulho gay” é válida, o contrário não…

Aonde as pessoas falham em entender, é que isso dá argumentos para deputados considerados homofóbicos/machistas/radicais/etc: a partir do momento em que algo é “tabu”, ele pode dizer que está sendo reprimido/censurado/etc… e ele não está sem razão. A partir daí, você consegue inserir qualquer idéia, por mais maluca que seja, na cabeça das pessoas. E isso vai invalidar certas lutas e conquistas, pelo simples motivo que você dividiu o povo em dois: por exemplo, os que são “feministas” e os que são “machistas”, sem meio-termo. Ou os que são “a favor da família” e os que são “ditadores gays” (ou os que são “homofóbicos” e os que são “humanitários”, depende do lado que você perguntou). Quais desses termos estão certos? A resposta, nenhum! O mundo não é preto-e-branco, também não tem só tons de cinza: ele é feito de infinitas cores, e é exatamente aí que está o problema da manipulação: você não tem um “grupo” definido. Da mesma forma, se houverem muitos “grupos”, mais características únicas existem, e o argumento perde valor. O próprio Sun Tzu, do livro “A Arte da Guerra”, traz a separação como tática: “É insistência burra sitiar cidades muradas e fortemente defendidas. O importante nesta ocasião e tentar desviar a atenção do inimigo e separar suas forças, pois juntos eles são um exercito forte, separados estão à deriva.”.

Quer um exemplo? Fulano tem uma série de amigos, sabe que alguns deles são gays, inclusive conhecem seus parceiros. Sempre que pode, organiza um almoço na casa dele. Só que na visão dele, o homosexualismo é algo errado. Já Ciclano tem um grupo online que prega ódio contra gays. Beltrano diz que não vê nada de errado no homosexualismo, mas não consegue ter amigos homosexuais porque ele não se sente confortável com as conversas sobre os parceiros de cada um. Agora, imaginemos que José é líder de partido que quer ganhar votos numa determinada região, aonde Fulano, Beltrano e Ciclano moram. É difícil achar um argumento que convença os três, então o que ele faz? Com uma série de políticas, publicações e debates fúteis, convence a população de que os três são homofóbicos-coloca Fulano e Beltrano no mesmo grupo de Ciclano. De repente, os amigos de Fulano não andam mais com ele, porque os amigos dos amigos de Fulano dizem: “mas você vai andar com aquele homofóbico?”. De repente, Beltrano é taxado de “homofóbico” porque ou ele anda com amigos gays e escuta todos os papos (inclusive detalhes desnecessários de relacionamentos-sim, existem pessoas que contam detalhes íntimos a torto e a direito, e isso independe de opção sexual), ou ele é um inimigo do movimento LGBT. E de repente, agora temos apenas dois grupos. José analisa quem é o grupo maior, e propõe uma lei que aquele grupo maior vai concordar… simples.

Tenho diversos amigos, e a maioria deles discorda de algo que eu faço, escrevo, penso. É natural. E até hoje, não chamei nenhum deles de “Mauríciofóbico”…

Tenho amigos religiosos, amigos não religiosos, amigos ateus, amigos agnósticos… a verdade é que só sei das religiões, opções, etc de meus amigos pelo que eles postam em facebook ou em blogs: normalmente, no dia-a-dia, nós precisamos saber menos se alguém acredita em algo ou não, tem tal opção sexual ou não, do que nos fazem acreditar.

Em tempo: só para vermos como essa segregação está encrustada em nossa cultura, uma certa revista me chocou com a frase “Mandiba para os negros. Mandela para os brancos. Exemplo para todos”. A segregação está tão inclusa, que a revista precisa separar os dois grupos.

Se quiser fazer paz com seu inimigo, deve trabalhar com seu inimigo.
Então, ele se torna seu parceiro. — Nelson Mandela

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