O administrador vai afundar o negócio: e agora?

Editora Contrarrazões
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3 min readAug 31, 2018

Por Ermiro Ferreira Neto

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No artigo anterior, discutimos os problemas da “empresa 50/50”: a estranha sociedade de dois sócios, administração conjunta, cujo capital social é irmanamente dividido entre ambos. Hoje, pretendo tratar de uma consequência comum deste tipo de sociedade, mas não apenas dela. Não é raro que atos do administrador, sócio ou não, sejam movidos não em razão do interesse social — desvios de dinheiro e clientes, fraudes contábeis e ameaças de morte não acontecem apenas em novelas e filmes. Nestes casos, o que pode ser feito contra o administrador que ao invés de conduzir, afunda o negócio?

O administrador da sociedade é alçado a tal condição por deliberação dos sócios. Assim, do mesmo modo, a princípio a sua destituição se dá pela mesma via, após nova deliberação a respeito da conveniência da sua retirada. No entanto, o problema permanece se não é alcançado o quórum definido para tal. Ou, pior, se o administrador é igualmente sócio.

Nestes casos, um princípio se impõe: tratando-se de relação regida pelo Direito Privado, o Poder Judiciário deve se pautar por um critério de intervenção mínima. Isso significa que as convenções definidas pelos próprios sócios devem ser mantidas, especialmente quanto às deliberações, formação de quórum e à conclusão a que os sócios, reunidos, obtiveram sobre o assunto. O caso emblemático que definiu as diretrizes da intervenção do Poder Judiciário nestas hipóteses foi, na origem, discutido no nosso Tribunal de Justiça da Bahia. Na oportunidade, assim se manifestou a Terceira Turma do STJ:

“As discussões judiciais acerca administração de sociedades limitadas deve caminhar, via de regra, não para a intervenção judicial na empresa, que só ocorrerá em hipóteses excepcionais, mas para a responsabilização do administrador improbo, para a anulação de negócios específicos que prejudiquem a sociedade ou, em última análise, para a retirada do sócio dissidente ou dissolução parcial da empresa.”

“A atuação do Poder Judiciário em causas que versem sobre a administração das sociedades deve pautar-se sempre por um critério de intervenção mínima. A Lei permite o afastamento de sócio majoritário da administração da sociedade, mas isso não implica que ele perca os poderes inerentes à sua condição de sócio, entre os quais está o poder de nomear administrador” (MC 14.561/BA, rel. Minª. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 16/09/2008. Grifou-se)

Assim, tendo como premissa o critério de intervenção mínima, considera-se como última medida a nomeação de um interventor para a sociedade. A nomeação de um administrador provisório não deve ser a primeira alternativa do cardápio de soluções como problemas deste tipo. Balanceando, de um lado, o risco que um administrador desleal e desonesto causa à sociedade e, de outro, a intervenção abrupta que seria entregar a condução dos negócios a um terceiro imposto às partes, a solução comum nestes casos é a substituição do administrador por outro sócio.

O afastamento do administrador, nestes casos, terá lugar em atenção do art. 1.019 do Código Civil, que permite o afastamento judicial, a pedido de qualquer dos sócios. Para tanto, exige-se a alegação e a prova de justa causa.

A interpretação da expressão “justa causa”, em linha com a intervenção mínima, permite concluir que não é suficiente que o administrador seja inábil para ser afastado. É preciso demonstrar ato claro de violação do interesse social, afronta ao dever de “cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empresa na administração de seus próprios negócios” (art. 1.011, Código Civil). Mais que isto, se se pretende um afastamento liminar é fundamental demonstrar o perigo que a administração causa à própria sociedade e ao pólo de pessoas que mantém relações com o negócio: empregados, fornecedores, contratantes, Poder Público etc.

Como se vê, não é o objetivo da ordem jurídica deixar empresa alguma à deriva. Valendo-se da metáfora náutica, existem medidas para evitar o naufrágio por puro desajuste societário ou na relação entre sócios e administrador. Saber usá-las é parte da arte e da ciência de lidar com os negócios.

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