A música POP brasileira e sua remodelação em detrimento da Era Digital.

Samuellacerda
DIG&TAL
Published in
12 min readAug 20, 2021

Introdução

De Villa-Lobos, Jobim e Caetano a Anitta, Barões da Pisadinha e Thiaguinho a música popular brasileira passou não apenas por diversos nomes e estilos nas últimas décadas como também por diversas fases e tendências de mercado.

Em se tratando mais especificamente da música pop, apesar de ser um gênero recente em terras brasileiras, o gênero passou por uma série de mudanças e adaptações.

O seguinte texto tem por intenção explanar um pouco da história do gênero e como o advento da era digital foi decisivo para renovar o mercado nos últimos anos e remodelar não apenas a indústria como a maneira com que se consome música.

O Surgimento do Pop no Brasil

Para entender esse fenômeno primeiro é preciso que saibamos o contexto do surgimento da música pop no Brasil. Uma simplificação da definição de música POP seria dizer que são as músicas (como próprio nome sugere) populares ou compostas para as grandes massas. No entanto, apesar de não ser propriamente um gênero, a música pop pode ser melhor definida como um estilo de música que seja palatável para o grande público consumidor e que use de influências da atualidade para construir uma estrutura familiar, que seja capaz de angariar diferentes públicos com apelo comercial.

No Brasil, as influências de música POP desde o surgimento do ritmo perduraram no cenário musical, principalmente no que se trata a artistas internacionais, que eram fenômenos de vendas em terras brasileiras. Nos anos 80, por exemplo, Michael e Madonna já eram responsáveis por vender milhões de cópias país afora.

Nos anos 90, o cenário da música brasileira foi marcado pela eclosão de estilos próprios como o Funk brasileiro que começava a aflorar, o rap nacional começava a procurar suas raízes de uma musicalidade propriamente brasileira com grupos como racionais MC’s, RZO e Negra Li.

O axé de Daniela Mercury e “É o Tchan” e o pagode do Exaltassamba e Só Pra Contrariar eram os ritmos mais populares da época. Ademais, o Rock do Legião Urbana e Mamonas Assassinas e o Sertanejo de Chitãozinho e Xororó e Zezé di Camargo e Luciano acabavam de completar os principais nomes do que era popular na indústria da música brasileira.

No final dos anos 90, porém, surge uma nova tendência para música mainstream no Brasil.

A primeira geração do POP e a indústria na época

Internacionalmente a música pop já era um fenômeno ao redor do mundo, desde o reinado de Michael e Madonna nos anos 80, o gênero continuou aquecido na indústria americana chegando com gás total ao início dos anos 2000 com nomes fortíssimos como Britney Spears, Christina Aguilera, Nsync e Maroom 5.

Como a Indústria musical dos Estados Unidos é provavelmente a mais forte e influente do mundo, não demorou para que o fenômeno POP chegasse a América Latina com nomes como Shakira e Ricky Martin e posteriormente no Brasil.

E nos anos 2000 os nomes decisivos para o marco definitivo do gênero no país foram a dupla de irmãos Sandy e Junior. Filhos de sertanejo eles já tinham uma carreira relevante com vários sucessos ao longo dos anos 90, mas foi com o álbum “As 4 estações” que a dupla consolidou de fato a carreira.

O álbum carrega uma sonoridade diferente do que eles faziam até então, que usa muito das referências pop internacionais já citadas anteriormente, algo, na época, sem precedentes. E consagrou hits como “Imortal” e “Olha o que o amor me faz”.

Os frutos do álbum geraram inúmeros feitos que vão desde show para 1,2 milhão de pessoas, os primeiros artistas nacionais a lotaram o Maracanã em uma apresentação exclusiva e mais de 6 milhões de cópias vendidas (entre o original e relançamentos).

A partir daí os gurus da indústria da música perceberam a potência daquela tendência e assim surgiram diversos artistas que ao longo da primeira metade da década de 2000 não apenas consolidaram o POP nacional, como tornaram o ritmo mais escutado do país na época. Se antes as maiores vendagens, as capas de revistas e programas da finada MTV sempre estampavam artistas internacionais, agora a situação passava a ser outra.

Nos anos seguintes fenômenos do pop nacional eclodiram e se consolidaram. De artistas solo como Kelly Key e Wanessa Camargo até grupos como KLB e Rouge, o cenário do POP permaneceu aquecido pelos próximos anos com ótimas vendagens e novos sucessos.

Inclusive a TV se aproveitou do fenômeno criando, importando os (também internacionais) talent shows para descobrir novos nomes em programas como Fama, Ídolos ou PopStars (ao qual revelou o Rouge).

A baixa do POP

A partir da segunda metade da década de 2000 a música pop brasileira passou por um período de baixa ocasionada por diversos fatores.

Na época o principal meio lícito de consumo direto de música era através de CD’s e DVD’s físicos, porém na metade dos anos 2000 essa já não era uma tecnologia mais tão nova o que facilitava sua replicagem e consequentemente a pirataria, que gerava milhões de reais em prejuízo para as gravadoras.

Ademais, o POP não soube se adaptar e renovar com o passar dos anos, já que a maioria dos sucessos (e até mesmo álbuns inteiros) da época eram não apenas influenciados, mas às vezes até mesmo versões de músicas que faziam sucesso fora do Brasil, o que fazia com que o ritmo não tivesse identidade própria e pouca inovação ao longo do tempo.

Ademais, esse gênero contava com um número limitado de artistas (que possuíam uma fã base fiel), mas a inserção de novos fenômenos estáveis era muito dificultosa. Por fim, do meio para o fim da década de 2000 os maiores figurões da cena pop pausaram suas carreiras. O que foi a derrocada do POP nacional da época.

Os anos seguintes foram definitivos para outro ritmo em ascensão. Se antes os fenômenos eram POP, agora o sertanejo que vinha efervescendo desde os anos 90 tomou conta do mercado nacional com o Sertanejo Universitário e o Arrocha. Durante pelo menos 5 anos a indústria foi tomada pelo ritmo que misturava as influências do tradicional sertanejo com novas roupagens, letras e melodias.

Porém o ano de 2013 chegou e alguém mudou o jogo…

A música na era digital (anitta)

PRE-PA-RA…. Ele chegou chegando pedindo para que as pessoas se prepararemm (uma atitude prudente visto que as coisas iriam mudar muito dali pra frente no mundo da música).

Como já foi tratado, o funk já era um estilo crescente (apesar de marginalizado) desde os anos 90, tendo uma música de sucesso aqui outra ali, mas raramente era algo com grande constância a ponto de criar artistas consolidados (tirando casos isolados como Claudinho e Buchecha ou Catra por exemplo). Mas em 2013, uma suburbana de Honório Gurgel de nome Larissa de Macedo Machado pegou esse ritmo o travestiu em uma roupagem mais pop com influências de dubstep e botou o Brasil para cantar e dançar ao som de Show das Poderosas.

O caso de Anitta, no entanto, é um marco não apenas por trazer o funk e o POP brasileiro de volta ao mainstream, mas por toda a maneira com que sua carreira foi trabalhada e como isso mudou o cenário da música no Brasil.

Para falar sobre o fenômeno da música na Era digital, primeiro é preciso fazer alguns apontamentos. Em 2013 o Brasil bateu recorde na venda de aparelhos celulares (67,8 milhões), sendo o primeiro ano que a venda de smartphones superou a de feature phones (celulares mais simples). No ano seguinte a 2014 essa venda foi ainda 55% maior, ou seja, em apenas 2 anos o povo Brasileiro adquiriu quase 100 milhões de smartphone (o que na época correspondia a cerca de metade da população), o número se estende ainda a quantidade de brasileiros que passaram a ter acesso à internet naqueles 2 anos, cerca 100 milhões de usuários.

Tendo esse número em contexto, Anitta foi a pessoa certa na hora certa. Show das Poderosas, não foi um sucesso comum, a música é a junção de vários fatores em consonância que a fizeram se tornar um hit não apenas pelo seu apelo musical, mas por todo contexto audiovisual.

Especificamente a partir de meados dos anos 2000 a indústria fonográfica brasileira não demonstrava mais muita preocupação com videoclipes como nas décadas anteriores, visto que naquele momento em específico os videoclipes representavam apenas um adereço de divulgação que já não gerava quase nenhum retorno financeiro. Logo, a maioria dos videoclipes no mainstream não tinha grandes produções, e em maioria eram os recortes do DVD ao vivo, ou no máximo uma gravação feita em apenas uma locação sem muito requinte.

Mas com o Show das Poderosas, Anitta mudou os rumos do mercado. O primeiro videoclipe do Brasil a bater 100 milhões de visualizações foi uma febre nacional, dos paredões do nordeste até as baladas paulistas a obra se popularizou não apenas pelo seu som dançante mais por sua coreografia viral.

O clipe em si não é uma superprodução. Com apenas um tablado, uma dúzia de dançarinos e um microfone, Anitta compõem toda cena. O diferencial aqui é sua execução, que estava bem à frente do que era feito na época: uma estética bem definida de roupa, postura, a dança stiletto (que também era uma tendência da época), uma direção sagaz, uma edição ágil, uma bela iluminação e fotografia e está feita a obra que revolucionou a maneira de se fazer videoclipe no Brasil.

Reiterando, apesar de todos os méritos de Anitta nesta inovação, a mudança aconteceria independente dela em algum momento. Como já foi citado o acesso a internet (principalmente através de smartphones) só crescia no Brasil. O Youtube se tornou uma plataforma com cada vez mais usuários no Brasil. Boa parte da população adolescente e jovem-adulta de classe média da época estava na internet sedenta por conteúdo. Era questão de tempo até que a demanda de conteúdos multimídia no meio digital se tornasse latente.

Então, Anitta não inventou a roda, mas foi capaz de prever uma tendência (instintivamente ou não) antes que a maior parte do mercado a tivesse percebido. Show das poderosas foi um soco no estômago do mercado musical brasileiro e as grandes gravadoras e investidores pararam não apenas para escutar a nova promessa do pop nacional, mas para aprender com ela, e ali o mercado se viu obrigado a se adaptar.

Ser a norteadora de uma tendência colocou Anitta à frente da corrida e foi um fator decisivo para os próximos passos de sua carreira.

Os primeiros passos da música brasileira na Era Digital

Anitta foi a reavivadora do POP nacional e já em seus primeiros anos de carreira ela já se consolidou como um dos principais nomes da música brasileira, depois de Show das poderosas ela lançou: “Zen, Não Para, Blá, Blá, Blá, Na Batida…”. Todos grandes sucessos que seguiam o mesmo modelo inaugurado por ela: clipes super produzidos para o Youtube, estratégias de lançamento que contemplassem as grandes mídias e o digital ao mesmo tempo e que se comunicassem bem com o público de internet.

Toda a ascensão de Anitta era uma via de mão dupla, ao mesmo tempo que possuía investimento da gravadora em rádios e TV, a internet nunca foi deixada de lado e sempre foi uma parte importante do marketing.

E a partir do momento que “o caminho foi aberto” por ela, outros nomes começaram a surgir no mercado “aos moldes de Anitta”. Ou seja, criar uma carreira POP genuinamente brasileira (e com carreira POP entende-se uma boa estrutura de produção audiovisual, shows, figurinos, performances, coreografia, ballet, etc), uma atenção especial aos meios digitais e um requinte maior com toda parte audiovisual de um lançamento em detrimento da música apenas.

Nesse caso podemos citar: Ludmilla, Lexa (que inclusive foi lançada como uma resposta direta da Som Livre e Kamilla Fialho a Anitta), Pabllo Vittar, Manu Gavassi, dentre outras, cada uma com sua particularidade.

Nessa época (estamos falando de 2015 aproximadamente) os youtubers teens estavam em alta, o Facebook ainda era a rede social com maior número de usuários, o Twitter tinha sua fiel parcela de público e algumas redes sociais mais novas como Instagram e Vine estavam crescendo bastante. Nessa época cerca de 47% da população brasileira já era usuário de redes sociais.

A essa altura a necessidade que o artista esteja inteirado com o ambiente digital se expande para além de POP e artistas de outros gêneros passam timidamente a ter uma maior presença digital. Até o momento era comum que um ou outro artista tivesse rede social, mas a partir da metade da década de 2010 com o enorme apelo das redes sociais e o enorme número de pessoas que elas alcançam diariamente tornou muito mais comum usar as redes como também um forma de trabalho.

Nessa mesma época os serviços de streaming começavam a ganhar força no país, a Netflix chegou em 2011 e em 2015 já possuía 2,2 milhões de assinantes. Um pouco mais tarde (2014) o Spotify chega oficialmente no Brasil (sendo, inclusive, “Deixa ele Sofrer” da Anitta a primeira música nacional a atingir o topo dos charts oficiais da plataforma).

A essa altura o mercado de música já era completamente diferente da primeira geração do POP que veio nos anos 2000, a pirataria já não era um grande problema pelo fato de os CD’s e DVD’s entrarem em desuso quase completo. O consumo de música pirata continuou a existir, mas agora digitalmente (através de sites e aplicativos para baixar músicas ilegalmente).

A televisão continuava um veículo de mídia relevante, mais com muito menos audiência que nos anos 2000 (e nas décadas antecessoras), e já não era mais o grande ditador de tendências do mercado musical. A internet democratizou não só o acesso à informação como a capacidade de divulgação e construção de um mercado de seguidores e consumidores independente.

O que a indústria da música se tornou (atualmente)

Os anos se passaram e tanto o POP quando o consumo de música digital parece que vieram para ficar. O cenário da indústria POP musical do Brasil segue a 8 anos crescendo e se consolidando cada vez mais e a presença digital hoje em dia é quase uma obrigação do artista que queira que sua obra tenha relevância. E atualmente 98% da música consumida é através de algum meio digital.

Ademais, os instrumentos audiovisuais se tornam cada vez mais necessários para definir o sucesso de uma música, sendo agora os meios de divulgação cada vez mais complexos e prendidos ao “visual”. Não bastam mais apenas clipes, são precisos Lyric Videos, fotos produzidas para Instagram e outras redes sociais, uma estratégia de lançamento que instigue o fã a querer consumir, dancinhas para TikTok dentre diversas maneiras inventivas de se adaptar às novas formas de consumo de conteúdo para ganhar a atenção do público consumidor (principalmente sendo o fã de música pop um público tão crítico).

E para tal, tanto a indústria da música POP, quanto os meios digitais possibilitam uma completa revolução no cenário musical brasileiro. O que dá oportunidade para novas formas de comunicação como artistas que são POP, mas ao mesmo tempo carregam influências de ritmos muito específicos e regionais como: Duda Beat, As Bahias ou Jaloo. Também possibilitou que mentes criativas que antes não teriam possibilidade de criação para o mainstream agora pudessem ter sucesso como os estúdios de criação audiovisual: Kondzilla, GR7 Explode ou LoveFunk por exemplo.

Conclusão

Toda essa sólida construção de um cenário de música pop Brasileira criou um ambiente consolidado de uma música que não deixa de ser pop, mas não deixa de ter suas próprias raízes como uma identidade nacional. Um mercado que apesar de muito jovem apresenta condições de perdurar por muito tempo na história da música brasileira, principalmente por sua maleabilidade e capacidade de adaptação com as novas demandas que se criam todos os dias. Pra onde a música vai daqui pra frente? Muito difícil saber, mas o que podemos afirmar com certeza é que ela não está parada!

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