Ensaio final: O universo das fanfics

MELINA SIMÃO PENGO
DIG&TAL
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6 min readNov 20, 2020

Melina Simão Pengo

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

Fanfictions (junção de duas palavras inglesas, fan+fiction) são histórias escritas por fãs a partir de um universo de interesse, sejam livros, filmes, séries e até grupos musicais. As fics, como também podem ser chamadas, se enquadram no que Jenkins chamou de “cultura participatória” em seu livro “Cultura da Convergência”, publicado em 2006. Segundo ele, o termo é referente a uma subcultura de fãs, que se apropriam de personagens e enredos, para criar novos produtos. O mais interessante é que, com a tecnologia da cibercultura, esses novos produtos chegam as telas de outros fãs, mesmo que estejam separados por muitos quilômetros de distância, possibilitando que esses interajam entre si em comunidades on-lines.

Essas comunidades on-line são criadas justamente com a finalidade de aproximar os fãs de determinado produto (os chamados fandoms) e nelas há troca de informações, publicações de fotos e vídeos e entre outros. São os chamados fã clubes, perfis em redes sociais destinados exclusivamente a postarem conteúdos sobre o produto ou artista que se é fã. Esses perfis, além de atraírem pessoas do fandom e gerarem engajamento, também acabam fazendo divulgação, levando mais pessoas a conhecerem e compartilharem do gosto por tal coisa.

perfil @jatpbr no Twitter

Além das redes sociais, temos na internet hoje, plataformas específicas para publicação de histórias, sejam elas originais ou fancics, como o Spirit Fanfics e o Wattpad. Ambas plataformas possuem os dois tipos e têm abas com categorias (como bandas, livros, séries, etc) e gêneros (ação, aventura, suspense, romace, etc), que permitem uma busca mais rápida e eficiente, em que você não perde muito tempo procurando o que vai ler.

Essas narrativas, chamadas por Eco de mundos possíveis (1986), são histórias em que os fãs, conhecendo bem o produto sobre o qual vão escrever, o deslocam de seu contexto original, dando a ele um novo sentido. Muitas dessas fics são criadas a partir do que o expectador queria que acontecesse, ou são provenientes de teorias desenvolvidas pelos fãs ou simplesmente são contextos em que fazia sentido aquilo acontecer.

De acordo com Jenkins (2012), através das fanfics, as pessoas desenvolvem a habilidade de leitura crítica e leitura criativa. A primeira sendo a habilidade de analisar com um olhar apurado as peças que constituem alguma determinada narrativa e realizar conexões e produções de sentido através dessa observação e a segunda a habilidade de se apoderar daquela história e das suas características para produzirem suas próprias versões daquele universo (SOARES, Matheus e BORGES, Gabriela).

Pensando nisso, podemos concluir que as fanfics, além de estimularem a leitura em crianças e adolescentes (pesquisas apontam que plataformas digitais são preferência e ajudam a aumentar o índice de leitura entre jovens), também estimulam a imaginação e a criatividade, de modo de que a quantidade de histórias cresce cada vez mais, vindas de diferences faixas etárias. E não só em plataformas como as citadas acima, mas também em redes sociais, como o Twitter e até mesmo o Tiktok, que é uma plataforma de vídeo.

Falando em vídeo, as fanfics acabam despertando o interesse também por edição de fotos e vídeos, visto que, ao serem publicadas, precisam de uma foto de capa que são, em sua grande maioria, montagens feitas pelos escritores. Em alguns casos mais raros, os escritores criam um trailer para fanfic, com junção de trechos de filmes, séries e até shows; com narração e legenda e postam no YouTube, deixando o link na descrição, junto com a sinopse da história.

https://youtu.be/p9eU7FSwesE (trailer de uma fanfic de Harry Potter, disponível no Spirit e no Wattpad)

Jenkins (2006) e Porphirio (2013?) possuem pontos semelhantes ao afirmarem que o expectador já não é passivo e não se limita a apenas receber a mensagem e decodifica-la, mas experimentam e inovam, dando espaço para o fluxo de comunicação e atraindo novos seguidores. E tanto as fics, quanto o trabalho em geral de fã clubes e até mesmo expectadores que se contentam em compartilhar as publicações provam a veracidade das afirmações (ESPINDOLA, Polianne Merie)

Diferenciando as plataformas (as mais famosas) temos primeiro o Spirit. As histórias são separadas por categorias, gêneros e recomendadas (mais lidas no momento e/ou mais parecidas com as que você lê). Além de terem vários filtros, como personagens e histórias que abrangem mais de um gênero, além de terem classificação de idade (livre, +12, +14, +16 e +18).

fanfic do trailer acima

Depois temos o Wattpad, que é uma plataforma um pouco mais profissional, contando mais histórias originais do que o Spirit. Também é dividido por gênero, mas sendo um deles sendo a fanfic. Como dito, é uma plataforma que abrange em sua maioria histórias originais. Não possui classificação de idade, mas os autores deixam qualquer aviso na bio ou nas notas do capítulo, que, por sinal, costumam ser maiores do que nos demais sites/aplicativos.

fanfic da série da Netflix “Julie and the Phantoms”
segunda temporada da fanfic acima

Entrando na área das redes sociais, temos o Twitter e o Tiktok. No Twitter, as fanfics são construídas em forma de conversas montadas em aplicativos de mensagens, como se os personagens estivessem conversando e por ali você sabe o que está acontecendo. Não tão comuns quanto o primeiro jeito, as fanfics também podem ser publicadas como um fio, em uma sequência de tweets.

fanfic de “Julie and the Phantoms” no Twitter

No Tiktok as histórias são divididas em capítulos que são contados em vídeos de até 1 minuto, ou em forma de pov (“point of view”, que traduzindo é “ponto de vista”). Na primeira opção, os vídeos são feitos a partir de um compilado de fotos em sequência, com legendas que narram os diálogos e geralmente com uma descrição que explica rapidamente o contexto. Na segunda opção, os vídeos podem ser únicos, com uma descrição de contexto e legenda com os diálogos, ou podem ser um compilados de outros vídeos, juntando cenas de séries e filmes com filmagens caseiras do criador, também com legenda de diálogo e descrição de contexto. Outra diferença entre as duas opções é que os chamados pov’s podem ou não ter continuação, sendo capítulos únicos e sendo de criadores que publicam também outros tipos de vídeos, enquanto o outro jeito costuma ser postado em perfis destinados a publicação de fanfic.

perfil de fanfic de Harry Potter no Tiktok

https://vm.tiktok.com/ZSqsQweC/ (um capítulo da fanfic no Tiktok)

Com isso, podemos concluir que opções não faltam e a tecnologia está a disposição para as pessoas soltarem sua criatividade. Estimulam a leitura, a escrita, a imaginação e promovem a interação e engajamento entre os fandoms, além de atraírem novos seguidores e aumentarem o fluxo de comunicação. Muitas pessoas se descobrem na escrita ao entrarem no universo das fics e quanto mais praticam, mais se aperfeiçoam, tanto que algumas fanfics já viraram livros, muito famosos por sinal, como 50 tons de cinza, que originalmente, era uma da saga de Crepúsculo. Além disso, também aumentam nossa capacidade de percepção. Quanto mais detalhes você vê e acrescenta na sua história, mais rica e interessante ela fica, além da coerência, já que a fic precisa ter uma linguagem parecida com a do produto original.

Bibliografia:

ALVES, Elizabeth Conceição de Almeida: UM ESTUDO SOBRE FANFICTION: a leitura e a escrita no ambiente digital

SOARES, Matheus; BORGES, Gabriela: Fanfic: diálogos e ressignificações com a narrativa de Supernatural1

ESPINDOLA, Polianne Merie: Cultura De Fãs e Redes Sociais: Como a Cultura Participativa e o Capital Social Atinge as Organizações1

Oruê, Fábio: Plataformas digitais são preferências entre jovens e ajudam a aumentar índice de leitura (matéria on-line)

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