DEVANIR PINHEIRO ALVES
DIG&TAL
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15 min readAug 18, 2021

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Fãs ou Haters? A construção da nova relação entre a cantora Clarice Falcão e seus fãs após o surgimento do álbum “Tem Conserto”.

INTRODUÇÃO:

Ao explorar o relacionamento de um fã com o ídolo, se faz importante ilustrar a complexidade deste contato e a relação de ambos com o produto comum ofertado, considerando um caminho direto de oferta e consumo sob uma possível promessa de permanência significativa dessa demanda, para que, diretamente, haja continuidade no consumo. É comum, dentro de uma comunidade de fãs (fandom) que a imagem construída do ídolo seja semelhante, uma vez que, sendo um grupo formado por pessoas que tenham características em comum, criam em conjunto a relação direta com o artista e com o produto que desejam consumir.

Quando há uma quebra de expectativas em relação ao produto, é comum que o fã estranhe um novo conteúdo, mas que opte por continuar a acompanhar esse produto atual que diverge do que já estava acostumado a acessar; ao contrário, de maneira mais drástica, há aqueles que, não havendo satisfação em relação ao novo produto, passam a não mais acompanhar a novidade, ou até mesmo deixar de acompanhar o ídolo. É dessa maneira que distinguiremos neste presente ensaio os dois tipos de fãs: O fandom de culto (cult fandom) e o fandom cíclico, discutidos por Matt Hills (2015) em entrevista dada para a revista Matrizes, no que diz que “os fãs de culto (cult fans), por contraste, são muito comprometidos. Eles tendem a ser muito fiéis, mesmo se ficam aborrecidos por aspectos daquilo de que são fãs.”, o que diverge dos fãs cíclicos que tendem a alterar sua relação com o ídolo em decorrência de algum fator que altere o ciclo estabelecido até o momento.

Para melhor compreendermos tais aspectos, discutiremos um acontecimento recente ainda vivido pela cantora, humorista e compositora brasileira Clarice Franco de Abreu Falcão, conhecida artisticamente por Clarice Falcão. Após o lançamento do seu terceiro álbum musical no ano de 2019 nomeado de “Tem Conserto”, Clarice anuncia, juntamente com o disco, uma “nova era” em sua identidade musical, saindo da música popular brasileira/folk, para a música eletrônica/synth-pop. O seu grande número de fãs, vindos pelo seu trabalho anterior, não ficaram totalmente satisfeitos com as novas mudanças, e, dessa forma, buscaremos compreender esse processo e a nova relação da “nova cantora” com os seus “novos fãs”, agora conduzidos a uma nova leitura.

A CRISE ARTÍSTICA

Ao explorarmos a relação direta do fã com o que é produzido pelo ídolo, considerando o campo artístico, com base no texto “A arte e a crise” do livro “O que é estética” de Marc Jimenez (1999), podemos evidenciar um momento de instabilidade artística na contemporaneidade, o que diretamente interfere no consumo do fã. Ao dizer que toda época tem o seu momento de incerteza entre o sentimento nostálgico do “já visto” e o desejo do “nunca visto”, Jimenez nos apresenta um fato que marca a atualidade, uma vez coexistindo na era da reprodutibilidade cada vez mais acentuada.

Há de se analisar esse conceito já denunciado anos antes que faz inferência na experiência da arte e da estética na contemporaneidade. Anexo aos estudos da então Escola de Frankfurt, fundada em 1924 na Universidade de Frankfurt na Alemanha, a teoria nomeada de “Indústria Cultural” procurava esclarecer questões ligadas ao capitalismo e a produção cultural nas sociedades industriais dos séculos XIX e XX, na qual foi pautada pelos pensadores Theodor Adorno e Max Horkheimer com colaboração de outros membros. De maneira sintetizada, a indústria cultural enxerga os espectadores de forma massificada, desconsiderando qualquer tipo de individualidade. Desta maneira, os consumidores são vistos com uniformidade, uma vez que querem consumir o mesmo produto. Contudo, esse processo de massificação, para Adorno e Horkheimer, acontece sob objetivos econômicos, que, por sua vez, procuram uma padronização para satisfazer seus clientes. Desta forma, muitos “produtos culturais” nos chegam corrompidos pois buscam uma satisfação coletiva, e tudo que causa incômodo ou insatisfação não deverá ser exibido, podendo até mesmo não ser considerado arte.

Assim, há de se observar na atualidade uma produção massiva de conteúdos “semelhantes”, que massificam a população, obedientes ao poder de consumo proporcionado pela indústria cultural. Um exemplo claro é no meio musical, sobretudo no cenário brasileiro, onde o “brega funk” tomou lugar no mercado e quase não surgem novas produções de outros estilos, como “funk carioca” que diminuiu grandemente sua produção após a popularização do hit atual. Há ainda análises aprofundadas em que alegam a reprodução rítmica, que mantém o mesmo padrão em diversas produções, mantendo a mesma sequência que agrada as grandes massas, como exemplo a banda de grande sucesso no Brasil “Barões da Pisadinha” que utiliza o mesmo arranjo introdutório para a grande maioria de suas músicas. Dessa forma, geram um conteúdo que “gruda” com facilidade, favorecendo a circulação e a propagação, paralelo aos conceitos também discutidos por Henry Jenkins (2014), bastante explorados atualmente na indústria musical moderna, onde se produzem músicas em massa com refrões que grudam com facilidade e que sejam passíveis a coreografia para veiculação no Tik tok, aplicativo que hoje funciona como um grande alavancador de novos hits.

Contudo, no cenário contemporâneo, há artistas que optam pela “arte”, em sua forma mais pura, carregando consigo o risco de uma aposta contrária às tendências de consumo previamente impostas. O último álbum lançado pela cantora Clarice Falcão marcou o início de uma nova fase na sua vida profissional, que, por consequência, alterou totalmente a relação com seus fãs que vivenciaram diretamente o seu processo de mudança da identidade musical. Após os grandes sucessos “Monomania” e o álbum “Problema Meu”, que abordam uma temática romântica e melancólica, obedecendo as demandas da atual MPB, o “Tem conserto” provocou grande impacto pelo fato de que Clarice marcava a sua saída da música popular brasileira, que há seis anos se consolidava como o gênero musical dos seus maiores trabalhos dentro da música contemporânea. Agora, a cantora quebra todas as padronizações dos seus trabalhos anteriores, trazendo um estilo próprio e alternativo dentro do indie pop e synth-pop, em uma pegada mais eletrônica, fugindo do acústico.

A satisfação dos seus ouvintes diante do novo álbum não foi coletiva, uma vez que muitos dos seus fãs esperavam determinado tipo de produto, seguindo as padronizações antigas que os levaram anteriormente a acompanhar a artista. Contudo, mesmo não conseguindo com o novo álbum o “top 1” dentre suas músicas mais ouvidas, optou pela manifestação artística que a representava na atualidade, uma vez que já não se enxergava nas suas produções antigas, segundo entrevista dada por Clarice ao site Scream & Yell em junho de 2020.

(…) Meus ídolos já mudaram radicalmente e eu não curti e acontece. E não culpo, não acho que a pessoa tem que (curtir). Até porque não sou eu, é o meu trabalho, por isso que não gosto muito de me botar nessa situação de ídolo ou de musa. E enquanto trabalho, se podem gostar ou achar ruim, não é comigo diretamente, é com o que estou fazendo, com a obra. Então por outro lado, sinto que se eu tivesse deletado tudo que eu fiz dos streamings, seria uma coisa, mas está tudo lá, sabe? Não acho que seria genuíno da minha parte ficar tentando fazer vários “Monomanias”, apesar de achar que seria mais lucrativo, tipo até hoje o que é mais ouvido (na minha discografia) é o “Monomania”, é o que atinge a maior quantidade de pessoas, era a época em que eu enchia mesmo o Circo Voador e ficava gente de fora, mas não seria genuíno, seria tentar mimetizar uma coisa que foi muito verdade pra mim naquela época, mas que não é mais hoje.

(FALCÃO, Clarice, 2020, Entrevista: “Não tenho vocação para ser diva pop”)

UMA NOVA ARTISTA E UM NOVO FANDOM

Para entendermos a nova relação da artista Clarice Falcão com os seus fãs, estudaremos dois grupos de fãs já discutidos por Matt Hills (2015), no qual subdivide em fandom de culto (cult fandom) e o fandom cíclico. A princípio, o cíclico se comporta de maneira instável seguindo uma ideia viciante, na qual, ao ser alterada, tende a não se sentir representado com uma nova idéia, decidindo então buscar o conteúdo que espera em outra fonte, contrastando totalmente com o que preza o fã de culto, que se caracteriza por um envolvimento contínuo e totalmente fiel ao ídolo. O “cult fã” permanece junto ao ídolo ao longo do tempo, não significando porém o seu total contentamento com o que é produzido, podendo até mesmo odiar remakes, lançamentos alternativos, a ausência de lançamentos ou qualquer novo produto ofertado do ídolo para o consumo. Essa relação se torna crucial para compreendermos o que diz Jenkins sobre a importância do fascínio e a frustração dentro de um fandom.

O fandom, afinal, surge do equilíbrio entre o fascínio e a frustração: se a mídia não nos fascinasse, não haveria o desejo de envolvimento com ela; mas se ela não nos frustrasse de alguma forma, não haveria o impulso de reescrevê-la e recriá-la. Hoje, ouço muita frustração com o estado de nossa cultura midiática; no entanto, surpreendentemente, poucas pessoas discutem como poderíamos reescrevê-la. (JENKINS, 2009, p. 340).

De certo modo, o fandom de culto vai além das questões do gosto, sua frustração ou contentamento, atingindo principalmente um local de pertencimento, ao sentimento de fazer parte de determinado grupo. É interessante citarmos aqui como a cantora vem explorando de maneira cômica a sua relação com o “8 gatos pingados” (nome atribuído ao seu fandom em razão do trecho da música “Eu Me Lembro” (2013)), como forma de ironizar a quantidade de fãs que continuaram a consumir o seu trabalho após significativas mudanças, como podemos ver na figura 01 e 02, que, no cenário atual apresentam características semelhantes ao “cult fandom” denunciado anteriormente por Hills.

Figura 01 e Figura 02

Clarice utiliza o seu processo de mudança após o álbum “Tem Conserto” como marco para sua“nova era”, surgindo também uma nova relação com seus fãs, que, apoiados em um tom humorístico e sarcástico, criam juntos uma relação de intimidade e de muita interação. Ao ser questionada sobre esse processo de mudança pela Coluna Correio braziliense, Clarice diz que

“A diferença começa na Clarice, até porque eu mudo muito, em três anos, que é mais ou menos o período de um disco e outro, eu me sinto mudada completamente. Eu seria desonesta se eu fizesse o mesmo trabalho ou um trabalho parecido com os passados só para eu manter os fãs ou público, seria um trabalho não autêntico, por que eu mudei, eu comecei ouvir outras coisas, eu comecei gostar de outras coisas.

(FALCÃO, Clarice, 2020, Entrevista: “Em novo EP, Clarice Falcão lança releituras de canções antigas”).

Desta forma, a cantora assume sua posição de mudança, porém complementa que independente das modificações, ainda são as suas letras, sua voz e seu humor. Por outro lado, é perceptível aos usuários que a acompanham em suas redes sociais, sobretudo o Twitter, o papel crítico que os fãs assumiram com a cantora, alimentados pela autocrítica feita também pela própria cantora à sua carreira pautada na crítica externa já existente, sendo muitas vezes difícil identificar quem seria o fã ou quem seria um possível “hater”, uma vez que utilizavam basicamente os mesmo elementos textuais para se comunicar com a humorista.

FÃS OU HATERS?

Ao pensarmos na Cultura Digital e nos relacionamentos estabelecidos dentro das redes, é natural que se observe a formação do que Granovetter (1973) apontou como Laços Sociais. Esses laços tendem a se distinguir em laços fortes e fracos, sendo os fracos responsáveis pela conexão de grupos diferentes e os fortes aqueles que tendem a serem mais homogêneos, no qual os atores exploram características em comum, proporcionando interações com mais intimidade e confiança. Dessa forma, podemos considerar um fandom, a exemplo do “8 gatos pingados”, como uma espécie de laço social forte, onde os atores trazem em comum a admiração pela cantora Clarice Falcão, comprovando que foi denunciado tempos antes pelo sociólogo Mark Granovetter.

Entretanto, esses grupos formados em redes sociais nem sempre são construídos por atores que possuem características semelhantes relacionadas ao carinho, amor ou culto ao ídolo. Levantaremos aqui algumas discussões já feitas pela professora Simone Sá (2016) em artigo publicado na revista Eco Pós, no que indaga o fenômeno dos haters que se dedicam a odiar um fator cultural/social com o mesmo afinco que os fãs amam os seus ídolos. Como exemplo, temos o grupo “Odiamos a BTS 2.0” no facebook, onde é formado por pessoas que trazem consigo uma característica em comum: aversão explícita ao grupo musical de k-pop sulcoreano.

Anexo aos estudos da cibercultura, o fenômeno oposto criado pelos fãs e haters é discutido por pesquisadores desde os anos 90, não havendo nenhuma definição absoluta, mas que, por muitas vezes, é justificado pela paixão existente nos pólos extremos dentro do ciberespaço. Yvana Fechine e Cecília Lima (2019) em artigo publicado na revista ``Matrizes’’, vão dizer que, dentro das redes sociais os fãs e anti-fãs se relacionam de modo conflituoso, podendo envolver diversos atores, ilustrando os extremos que tais relacionamentos podem levar.

Quando aliados ao uso de redes sociais digitais, os anti-fãs fazem questão de expressar sua rejeição, geralmente buscando confrontos, produzindo conteúdo original de teor crítico e mesmo propondo boicotes a um determinado objeto midiático. Ao atacarem esse objeto de devoção dos fãs, provocam seu imediato contra-ataque, suscitando controvérsias que podem perdurar por bastante tempo e envolver outros atores como os espectadores casuais e os não espectadores

(MATRIZes V.13 — Nº 2 maio/ago. 2019 São Paulo — Brasil YVANA FECHINE | CECÍLIA A. R. LIMA p. 113–130)

Em recorte ao nosso objeto, Clarice sempre se apresentou segura e confiante em relação aos seus “anti-fãs’’, principalmente aos oriundos de sua mais nova identidade musical por seguidores e até mesmo com a crítica midiática. O interessante é como a também humorista acatou o humor e o sarcasmo para estreitar tal relacionamento, criando uma nova relação com seus “fãs/haters” (como pretendo nomeá-los a partir daqui). A discussão principal rodeia na adoção de seus fãs desse padrão contextual, onde os mesmos a “atacam” pelo possível fracasso em sua carreira, sua pouca quantidade de fãs e sua não pontualidade com agendamentos feitos pela mesma; por fim o compromisso total com sua carreira. A receptividade de tais comentários pela cantora é espontânea e encara as “críticas” também se auto criticando de forma cômica e sarcástica. Para melhor compreendermos essa relação, é necessário estreitarmos as discussões sobre as comunicações mediadas por computador (CMC) já discutidas por Raquel Recuero (2012) para adentrarmos ao contexto comunicacional construído virtualmente através do Twitter.

A comunicação dentro do Twitter

Os estudos voltados às comunicações mediadas por computador estão inseridos nas reflexões que encaram o ciberespaço como um ambiente comunicacional passível de interações entre atores. Baron (2002, p.10) coloca que a CMC “é definida de modo amplo como quaisquer mensagens de linguagem natural que sejam transmitidas e/ou recebidas através de um computador. Falando de modo geral, o termo CMC se refere à linguagem natural escrita enviada via Internet , podendo assim dizer que a CMC vai muito além de um simples meio comunicacional, mas sim um produto social que dialoga com os atores, com a ferramenta e a interface. Em questão, analisaremos o contexto comunicacional construído e mediado dentro do Twitter que envolve Clarice e os seus “fãs/haters” em uma relação única e online.

Para o espectador que acompanha parcialmente os Tweets realizados pela cantora e a interação desenvolvida por seus “fãs/haters”, é quase impossível distinguir quem ama e quem odeia o trabalho da artista, uma vez que exploram a mesma linguagem. Essa estratégia, quase que natural, vem sendo de certa forma benéfica ao desaparecimento de “verdadeiros haters”, pois, ao perceberem que os próprios fãs da artista são conhecedores da crítica e reproduzem o discurso de maneira irônica, perdem o espaço, voz e a vez de terem algo novo para falar, que chame atenção dos verdadeiros fãs ou até mesmo da artista, evitando assim as controvérsias e conflitos ocasionados por polos distintos apontados por Yvana Fechine (2019) e Cecília Lima (2019), fazendo com que os anti-fãs denunciados por Hills (2015) percam seu papel, ou que sejam ignorados caso o cumpra.

Para ilustrar essa dinâmica de CMC realizada no Twitter pelo “8 gatos pingados” e pela a compositora, além do contexto criado no relacionamento virtual dentro do fandom, podemos observar as figuras 03, 04, 05 e 06 nas quais registram algumas dessas interações, que, para quem não está inserido dentro do fandom, ou não atua como espectador frequente dos conteúdos veiculados na rede social, dificilmente distinguiria quem é fã e quem hater, uma vez que utilizam uma linguagem semelhante.

Figura 03, Figura 04, Figura 05 e Figura 06.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao evidenciarmos a crise artística e os impactos que ela causa na contemporaneidade, na possível certeza de que há ainda artistas que prezam pela arte acima do poder de consumo, sob pena de que seu reconhecimento seja afetado por não seguir padrões e tendências, é o que nos leva a acreditar que a “crise artística” sempre existirá sobre o poder de um processo massificador e consumista. Contudo, há de se acreditar na permanência do sentido e da originalidade, ainda havendo artistas que preservem o sentido estético e consumidores que prezam pelo consumo do mesmo. Dessa forma, a sensação do “já visto” apontada anteriormente por Jimenez continuará sempre existir, considerando o sistema econômico e social que estamos inseridos e as consequências da reprodutibilidade apontadas por Benjamin no século XX. Contudo, o “ desejo do nunca visto” será saciado desde que haja reconhecimento e valorização de artistas que produzem tais conteúdos que garantem vivo o futuro da arte e da estética.

Deste modo, ao enxergarmos os fãs como consumidores de um produto artístico/social, se faz necessário que o ídolo esteja ciente da disponibilização desse conteúdo e do possível descontentamento caso fuja de sua proposta. Podemos enxergar como espécie de contrato existente entre fã e ídolo que, a princípio, não pode ser rompido, para que assim haja estabilidade dentro da comunidade de fãs, uma vez alcançados através do gosto pelo produto ofertado. No entanto, Clarice Falcão em entrevista para o site “Tenho mais discos que amigos” (2020), diz que não vai apagar o seu passado, mas que reviver é sempre bom, ao ser questionada pelo motivo de, mesmo em sua “nova era”, ter (re)gravado músicas dos seus álbuns antigos com uma nova roupagem, correspondente com seu estilo musical atual, no “Ep. Eu Me Lembro” lançado em 2020.

É interessante olharmos sob essa perspectiva mostrada por Clarice de não apagar aquilo que a trouxe tantos seguidores e também o retorno financeiro. De todo modo, a cultura tende a se articular com o passar do tempo, e as pessoas, inseridas nela também. As referências se alteram no decorrer dos tempos juntamente com o convívio social/pessoal, o que não foi diferente com Clarice. É plausível que a cantora tenha tomado decisões tão drásticas em prol de uma manifestação artista fidedigna, que a representasse por completo. Por mais que fosse uma decisão arriscada, para quem preza a arte em sua forma mais pura, não se vale produzir por produzir.

Ao ser indagada sobre a reação negativa das pessoas à sua chegada ao universo eletrônico pelo site “Tenho mais discos que amigos” (2020), Clarice diz que “(..) as pessoas torcem o nariz para tudo, né? Ao invés de deixarem as coisas existirem, mesmo que não as agrade, existe uma vontade de falar mal, mas imagina que mundo insuportável seria se existisse só um tipo de música”.

E é assim que a Cantora segue conquistando e trazendo cada vez mais referências do seu novo estilo para seus fãs, como por exemplo a cantora “Letrux” que já estrelou em um feat juntas no ano de 2020. Os seus novos “fãs/haters” compraram a ideia de enxergar e consumir uma “nova Clarice”, assim como os “cult fãs” denunciados por Matt Hills (2015), explorando de uma relação cultualista de admiração pelo trabalho da artista, independente do seu formato ou gênero. A forma mais significativa desse acolhimento e aceitação prévia dessa relação foi o sucesso da turnê realizada de junho a outubro de 2019 em diversos locais do Brasil, ambos com a presença de um grande público, que agora cantam, gritam e dançam ao som do novo trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARON, N. Language of the Internet. Chapter 5. In: Ali Farghali, ed. The Stanford Handbook for Language Engineers. Stanford: CSLI Publications, pp. 59–127, 2002.

FECHINE, Yvana. A.R. LIMA, Cecília, 2019. O trabalho do fã no texto transmídia: uma abordagem a partir da televisão, V.13 — Nº 2 maio/ago. 2019 São Paulo — Brasil p. 113–130

GUERRA,Renan. Scream & Yell , 2020, Entrevista:Clarice Falcão: “Não tenho vocação para ser diva pop”.

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MAIS DISCOS QUE AMIGOS, Tenho, 2020. Entrevista: Clarice Falcão: de olho no futuro, Clarice Falcão revisita carreira em novo EP.

MELO, Geovana. Correio Braziliense, 2020, Entrevista: Clarice Falcão:Em novo EP, Clarice Falcão lança releituras de canções antigas).

RECUERO, Raquel. O Contexto na Conversação Mediada pelo Computador. 2010

PEREIRA DE SÁ, Simone. Somos Todos Fãs e Haters? Cultura Pop, Afetos e Performance de Gosto nos Sites de Redes Sociais. Revista Eco Pós, v 19, n.3, 2016.

RECUERO, Raquel. A conversação em rede. In: RECUERO, Raquel. A conversação em rede: comunicação mediada pelo computador e redes sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina, 2012. 238 p.

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Espaço dedicado à discussão sobre as temáticas que permeiam os estudos da cultura digital e suas implicações na sociedade contemporânea