INFLUÊNCIA DAS NOVAS TECNOLOGIAS NAS RELAÇÕES SOCIAIS

LETHICIA FERREIRA
DIG&TAL
Published in
12 min readAug 20, 2021

INTRODUÇÃO

As redes sociais, de acordo com Wellman (2002 apud Recuero 200, p.91) é “ quando uma rede de comunicação mediada por computador conectar pessoas, instituições e conhecimento, torna-se numa rede social mediada por computador”. Assim, elas são locais onde pessoas se relacionam, compartilham experiências, informações e expõem sua vida para seus seguidores. Uma rede social é composta por três características principais, conforme Recuero cita em seu artigo “O Capital Social em rede: como as redes sociais na internet estão gerando novas formas de capital social”: primeiro é a possibilidade de se criar um perfil na rede pública ou semi-público. Em segundo lugar a construção de uma lista de conexões com outros perfis (público ou semi-públicos também) e por fim a possibilidade de navegar nessas conexões que estão na rede.

Nesse sentido, questionamos “Quem?” está presente e agindo naquela rede. Em síntese, a resposta para essa resposta é “nós”, qualquer pessoa que possua um perfil em um rede social se transforma nos agentes dessa rede. Essas pessoas são conhecidas como os atores sociais, para Sabourin (2002, p.402) eles são “agentes sociais e econômicos, indivíduos e instituições que realizam ou desempenham atividades, ou, então, mantém relações num determinado território”. Essas pessoas moldam as estruturas sociais através das interações com outras pessoas e a criação dos laços sociais, teoria que será tratada ainda neste texto. Ademais, os atores sociais estão investindo nas redes tempo e sentimento, não necessariamente dinheiro, e como retorno de seus investimentos eles recebem popularidade, reputação, reconhecimento, autoridade e visibilidade.

Ademais, antes de adentrar na temática principal do texto contextualizamos as mídias móveis digitais, ideia traga por André Lemos em “Cultura da Mobilidade (2009)”. Em resumo, as novas mídias móveis digitais ampliaram as possibilidades dos indivíduos de consumir, produzir e distribuir informações em suas redes, isso pois as novas tecnologias possibilitam maior mobilidade física dos atores sociais. Em contraponto, a mass media não possibilita essa mobilidade, pois era limitada por cabos ou pelo meio de comunicação, ou seja, a capacidade produtiva desses meios era rara e a de distribuição imediata impossível.

André Lemos

AS REDES SOCIAIS E OS INVESTIMENTOS ONLINE

Contamos com inúmeras plataformas digitais na atualidade que ganham cada dia mais força e espaço dentro da sociedade. O contexto pandêmico influenciou ainda mais esse processo e proporcionou o crescimentos de mídias sociais como o tik tok, instagram, twitter e etc. As conexões interpessoais nesse momento se tornaram dependentes da mediação digital, o que nos proporcionou experiências diferenciadas sobre o modo de compartilhar informações e estabelecer laços sociais, sejam eles fortes ou fracos.

Raquel Recuero em seu texto “O Capital Social em Rede: Como as Redes Sociais na Internet estão gerando novas formas de Capital Social” contempla três tipos de “Investimentos nas redes sociais online”, sendo eles: Criação e Manutenção das Conexões Sociais; Construção de Perfil; Compartilhamento de recursos. O primeiro se dedica a explicar a interação dos usuários dentro da rede e como o processo de conexão é facilitado e/ou até banalizado pelas ferramentas digitais. Com esse primeiro tópico levantado podemos refletir sobre sobre a atual organização social e como as pessoas se comportam diante da troca virtual. O contato físico foi colocado em um patamar diferente e as movimentações feitas dentro das redes sociais sofreram uma hipervalorização, ditando muitas vezes a maneira de se pensar, agir e relacionar (dentro e fora das telas).

O segundo investimento traz à tona a construção de uma identidade comum e reflete sobre a interação com intenção de receber benefícios e realizar trocas com o público. É o que a maioria das empresas fazem para serem vistas. Muito além de somente estarem presentes nas redes, elas têm a possibilidade de gerar ações que conectem o público ao produto oferecido e assim movimentar e expandir suas projeções mercadológicas. Já o último nos comunica sobre o compartilhamento de recursos e podemos associar o processo de divulgação e engajamento buscado nas redes para que se tenha um retorno financeiro. Dessa maneira percebemos que a intencionalidade existente nas ferramentas digitais ultrapassam os valores emocionais e culturais e objetivam a movimentação capital.

LAÇOS SOCIAIS

Na década de 70 Mark Granovetter propôs uma teoria para falar sobre a importância dos laços na sociedade. Granovetter é um sociólogo norte americano, e foi professor da universidade de Stanford, estudioso dos laços sociais, que são as conexões estabelecidas entre pessoas, através de interações.

Os laços sociais independem da internet, porém foi com o surgimento desta, e das redes sociais, que o número de laços sociais aumentou exponencialmente. Mark Granovetter classifica os laços sociais em fracos, fortes e ausentes.

Em sua concepção, os laços fortes seriam aqueles nos quais há maior proximidade, contato e intimidade entre as conexões. Então, as pessoas que constituem esses laços, são, por exemplo, os nossos familiares e amigos mais íntimos. Os laços fortes possuem uma força de intimidade emocional, uma proximidade maior de contato entre as pessoas.

Os laços fracos seriam formados por relações mais dispersas entre as conexões. Eles são formados por aqueles que não tem uma grande intimidade ou proximidade. Os laços fracos são constituídos por ligações mais superficiais, como por exemplo, amigos mais distantes e colegas de trabalho.

Para Granovetter, os nossos contatos determinam a amplitude do nosso trabalho e da nossa sociabilidade. Segundo o sociólogo, os laços fracos têm uma importância social para que a gente possa acessar outros segmentos da sociedade, bem como outros grupos. Feita essa distinção, Granovetter vai se dedicar a comprovar que os laços fracos podem ser mais importantes para a consecução de bens individuais e coletivos do que os laços fortes.

Laços Sociais na Internet

Com o surgimento e ascensão das redes sociais, o funcionamento dos laços sociais e as formas pelos quais estes são mantidos sofrem mudanças. Diferentemente da vida off-line, na qual precisamos nutrir e reafirmar nossas relações e conexões, sejam elas fortes os fracas, para que estas se mantenham como nós desejamos, no mundo on-line essas práticas já não são mais necessárias. A partir da internet, é possível gerar e manter os mais diversos laços sociais apenas por meio das plataformas de mídia e comunicação, sem uma necessidade real de contato ou retribuição nenhuma.

Dessa maneira, Raquel Recuero comenta sobre como, a partir dessa nova forma de se relacionar na internet, existe uma divisão de opiniões acerca do impacto real que as redes sociais possuem nos laços e conexões sociais. De um lado defende-se que a internet promove cada vez mais a criação de laços “frouxos”, o que por sua vez tem um impacto negativo no estabelecimento de laços fortes, como conhecemos no nosso dia a dia, uma vez que o foco não se encontra mais a criação de comunidades mas sim no benefício individual. Em contrapartida, há quem diga que através da internet há um fortalecimento dos laços fortes, uma vez que esta serve como mediadora para a criação de conexões entre diferentes pessoas, facilitando seu contato e assim fortalecendo os laços criados.

De qualquer forma, é possível perceber que as redes sociais alteram a dinâmica da estrutura dos laços sociais do universo offline, visto que independentemente de seu status como forte ou fraco, a conversação e interação entre os atores já não é mais essencial para sua dinâmica. Na verdade, atualmente é possível encontrar uma grande variedade de possíveis dinâmicas, uma vez que temos a possibilidade de acumular laços através das redes justamente por essa independência de qualquer tipo de investimento direto por parte dos envolvidos.

QUEDA LIVRE (Nosedive)

O episódio “Queda Livre” vai partir do vício cotidiano de uma sociedade em sites de redes sociais e discute como muitas pessoas ficam preocupadas sobre como são julgadas nesses serviços online. Podemos dizer, que a questão central desse episódio é o monitoramento das relações sociais, as métricas e estratégias usadas para conseguir pontos, que vão ser responsáveis por aumentar a reputação social, e a vigilância distribuída, dada a possibilidade de julgar e punir o outro com pontos.

Essa questão do sistema de reputação aponta para práticas que já estão estabelecidas no uso de sistemas atuais, como no Facebook, Twitter, LinkedIn, Airbnb, Uber, Tinder, SnapChat e Instagram. Atualmente já é possível perceber que empresas, instituições financeiras, seguradoras etc.. avaliam os produtos e os custos a que uma pessoa pode ter acesso a partir de uma pontuação própria que vai atestar a reputação, sinceridade ou confiabilidade dessa pessoa.

Em “Queda Livre”, a gente pode observar essas mudanças geradas nos recursos e valores sociais, que são denominados de capital social, proporcionadas por essa mediação das relações sociais pelo computador, questão que vai ser discutida por Raquel Recuero no artigo “O capital social em rede: como as redes sociais na internet estão gerando novas formas de capital social”. No episódio, o capital social em rede passa a ser quantificado e aferido por esses indivíduos e instituições.

Por mais que o episódio faça uma radicalização dessa lógica de pontos, podemos dizer que isso já é nossa realidade. Atualmente, é possível perceber que o valor das relações sociais, que sempre foi construído a partir das interações entre os atores sociais, está sendo cada vez mais materializada em pontos, e essa média, que é individual, interfere diretamente na vida das pessoas.

O Capital social monetizado em pontos gera consequências imediatas sobre a ação das pessoas no mundo, já que a média dessas notas passa a agir como um operador que vai determinar os rumos da vida. Esse capital social monetizado se vincula a uma cultura das aparências, onde vamos ter instaurada uma forma de felicidade programada, onde ser feliz é ser padronizado.

Essa questão do imperativo da felicidade é muito discutida pelo pesquisador de mídias sociais Alex Primo, que fala dessa obrigatoriedade de se mostrar feliz nas redes sociais na internet.

Os perfis em sites de redes sociais, como Facebook e no Instagram, passam a ser lapidados para exibir uma persona construída cuidadosamente para agradar a audiência. Essa persona é formada através de um esforço das pessoas para aparecem sempre extrovertidas e dinâmicas, irradiando confiança e entusiasmo. Essas pessoas vivem sempre no aguardo da aprovação do outro, assim como acontece com a personagem do episódio de Black Mirror.

O CÍRCULO

Outro objeto que trazemos como exemplo é a obra visual “O Círculo” de James Ponsoldt. Brevemente, o filme segue Mae, uma universitária que sonha em trabalhar na maior empresa de tecnologia do mundo. O principal produto deles é o SeeChange, uma pequena câmera que permite seus usuários compartilharem suas vidas na rede social. Mae decide compartilhar sua vida 24 horas por dia e descobre que está intensa exposição teria um preço para si e aqueles ao seu redor. O longa demonstra como as relações na atualidade são mediadas pelas redes, ou seja, são feitas pelos aplicativos. As pessoas lidam com um ranking de popularidade, em que a pessoa que mais posta e utiliza a rede para compartilhar sua vida se tornou os primeiros e aqueles que pouco postam nas redes sociais se tornam obsoletos. Apesar da película ser distópica e extremista, a atualidade possui características similares aos tratado, pois hoje a maior parte das relações sociais são estabelecidas pelas redes e há sempre a necessidade de se estar compartilhando os acontecimentos de nossas vidas, como os postar na rede o momento de se vacinar contra a Covid-19.

Ademais, o filme trata questões de privacidade. O Círculo cria um aplicativo chamado “Soul Serch”, que ao pesquisar uma pessoa na rede pessoas compartilham se já viram, onde, quando e, até mesmo fazem lives indo atrás da pessoa, como uma espécie de caça. Assim, as pessoas ultrapassam o limite e o direito de privacidade de outras pessoas para poder compartilhar na rede essa “aventura”. Também, nos leva a questionar as “nuvens” locais de armazenamento de dados que apesar do nome sugerir que não há algo físico ele possui uma base física de armazenamento. Desse modo, nossos dados ficam guardados em um local que outras pessoas poderiam ter acesso e roubar essas informações, como de fato ocorre. Um exemplo foi o vazamento de dados do Facebook em 2021, quando cerca de 530 milhões de dados dos usuários foram vazados na rede. Por fim, há a necessidade de se destacar que em grande parte o compartilhamento da vida do indivíduos e de seus dados são voluntários, levando ao questionamento “até que ponto nós protegemos nossa imagem e nossos dados”?

YOU

A produção da plataforma Netflix acompanha, em sua primeira temporada, a relação de Guinevere Beck e Joe Goldberg. Enquanto trabalha em uma livraria, Joe conhece Beck e se apaixona quase instantaneamente pela garota e utiliza incansavelmente das redes sociais para descobrir tudo sobre a garota de seus sonhos. Logo percebemos que esta paixão se torna na verdade uma obsessão perigosa, uma vez que Joe não mede esforços para conquistá-la, tirando do caminho tudo e todos que possam atrapalhar seus objetivos.

Inicialmente a série parece retratar apenas a problemática deste relacionamento obsessivo, porém é possível perceber que a problemática das redes sociais não só é retratada na série mas também é peça chave para seu desenvolvimento. Por mais que Joe utilize meios extremamente exagerados para conquistar a garota, o modo pelo qual ele consegue o acesso a suas informações básicas é a verdade muito mais próximo de nossa realidade do que muitos imaginam.

Logo após seu primeiro encontro na livraria, Joe consegue o nome completo de Beck e assim consegue acesso a todos os perfis de rede sociais da garota, tendo acesso assim aos perfis de suas colegas, suas localizações, seus hobbies e até mesmo seu endereço residencial. Desse modo, Joe é capaz de acompanhar cada passo de Beck durante o dia, seguindo-a para seu trabalho, para sua casa e para todos os bares em que a garota e suas colegas se encontram.

Assim, a série retrata a questão da violação da privacidade de Beck e os perigos da exposição voluntária de sua vida na internet, coisa que encontramos presente não só nessa ficção mas também em nossas vidas todos os dias. Por mais que, muitas vezes, não estejamos completamente cientes desse perigo, cada informação que compartilhamos na internet pode ser vista por todos aqueles que possuem algum tipo de conexão com nossos perfis on-line. Raquel recuero explica que as conexões na rede possuem diversas dimensões, uma delas sendo a associativa, isto é, conexões mantidas através das plataformas e que geram efeito para as duas partes envolvidas. Assim, “quando o Ator A decide seguir Ator B no Twitter, Ator B é notificado desta conexão e tem a opção de recíproca-la ou não. De qualquer forma, essa conexão gera efeitos para ambos, uma vez que Ator A passa a ter acesso às informações publicadas pelo Ator B e Ator B passa a desfrutar da atenção de A.” (RECUERO, 2012, p.605).

Her - Homem e Máquina

O filme “Her”, dirigido por Spike Jonze e lançado em 2013, conta a história de um relacionamento entre Theodore, um escritor, e o novo sistema operacional de seu computador. A obra é um exemplo interessantíssimo para se observar o funcionamento de uma sociedade contemplada pela tecnologia. A humanização das máquinas é um primeiro ponto de atenção explorado na narrativa, a voz de Samantha (Scarlett Johansson) apresenta traços humanos e naturais, o que aproxima e facilita a conexão entre o casal.

A relação dos dois se complexifica à medida em que as limitações para adentrar o mundo um do outro aumenta, é onde a conexão fica mais distante e fria. A narrativa expõe diversas possibilidades e problemáticas da aproximação entre homem e tecnologia. O afeto e a comunicação passam a ter simbolismo diferentes e interferem em toda a organização social. É uma obra muito rica e tem muito a nos comunicar sobre o mundo digital.

Como cita Raquel Recuero em seu texto “O Capital Social em Rede: Como as Redes Sociais na Internet estão gerando novas formas de Capital Social”: “Fazer uma conexão é uma forma de investimento, na medida em que essa conexão poderá prover determinadas formas de valor para cada ator”. Vemos que toda interação que surge dentro do meio digital tem uma intencionalidade e um propósito coletivo maior. E assim, podemos refletir sobre como essas interações afetam a dinâmica social dentro e fora das telas

Referências

RECUERO, Raquel. O Capital Social em Rede: Como as redes sociais na internet estão gerando novas formas de capital social. Revista CONTEMPORANEA| comunicação e cultura — v.10 — n.03 — set-dez 2012

LEMOS, André. Isso (não) é muito Black Mirror. Editora SciElo — EDUFBA, Salvador, 2018.

LEMOS, André. Cultura da Mobilidade. Revista FAMECOS, Porto Alegre, p. 28–35, 2009.

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