ESTÉFANIE IANNA LIMA RODRIGUES
DIG&TAL
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9 min readAug 19, 2021

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INTERATIVIDADE: UMA ESTRATÉGIA DE ENSINO ATRAVÉS DE PERFIL EM REDE SOCIAL.

Foto: UNICEF Brasil

INTRODUÇÃO

A tecnologia tem servido como uma importante ferramenta para diversos grupos e diferentes demandas. Logo, com a ascensão da internet e especificamente das redes sociais, novos métodos para diálogo e ensino surgiram, o que ocasionou novos estudos e pesquisas para que fossem estabelecidos e pautados para as mais diversas finalidades. O Ciberespaço, fruto desse processo de desenvolvimento traz consigo diversos conceitos como os pontuados no livro Cultura da Convergência de Henry Jenkins, onde através do reconhecimento da importância da participação do usuário na produção do conteúdo ou no entendimento do mesmo, funciona como uma ferramenta informativa e educacional. Contudo, cabe pontuar que a interatividade adquire essas características quando é utilizada, por exemplo, por instituições que possuem a finalidade de promover políticas públicas direcionadas à proteção social. Hoje, é possível enxergar com clareza o alcance e a funcionalidade da interatividade para amenizar problemas externos às mídias digitais. Portanto, o presente ensaio tem por objetivo analisar a interatividade em um perfil ficcional no Facebook, cuja finalidade é promover a conscientização sobre questões problemáticas da sociedade relacionadas ao machismo, a depressão e o suicídio. Para tanto, serão utilizados os conceitos de Henry Jenkins presentes em seu Livro Cultura da Convergência. O perfil ficcional a ser analisado é uma proposta do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) juntamente ao Facebook. O projeto tem o nome de Caretas e tem como objetivo orientar jovens e adolescentes sobre os perigos ao compartilhar conteúdo íntimo na internet dentre outras coisas, utilizando-se da interatividade entre o real e a ficção.

METAMORFOSE DA TECNOLOGIA

Com o advento da Revolução Industrial no século XX, houve um boom de desenvolvimento relacionado principalmente a tecnologia, que vem desde então ocupando um lugar imprescindível na vida da sociedade moderna. Primordialmente, a finalidade da conexão tecnológica entre indivíduos era divergente da que existe atualmente, já que por exemplo, redes com propósito de entretenimento não existiam. Contudo, cabe destacar que a internet foi criada como um veículo de comunicação alternativo, e ainda hoje é utilizada principalmente com esse propósito¹. Atualmente, as inovações tecnológicas que se processam têm alavancado profundas mudanças nos mais diversos cenários sociais, políticos, econômicos, culturais, educacionais, nas relações de trabalho, dentre outros². Com o surgimento da internet tem início um novo espaço onde a criação, compartilhamento, conexões e comunicação entre pessoas acontecerá em rede tendo como ferramenta os computadores espalhados pelo mundo. Esse espaço que não existe de forma palpável é denominado ciberespaço, termo criado por William Gibson em seu livro Neuromancer. De acordo com Wertheim, embora destituído de fisicalidade, o ciberespaço é um lugar real. Eu estou lá — seja qual for o significado dessa afirmação”. O que ocorre é que o ciberespaço cria condições para uma nova forma de sociabilidade, um pouco diferente da sociabilidade habitual caracterizada pela presença física, mas que por vezes, é carregada de emoções, pois é realizada por pessoas reais³. Dessa maneira, nota-se que com o ciberespaço constituiu-se um novo espaço de sociabilidade que é não-presencial, mas que possui impactos importantes na produção de valor, nos conceitos éticos e morais e nas relações humanas.

INTERAÇÃO E CONEXÃO

A explicação do termo ciberespaço é feita por Pierre Levy em seu livro Cibercultura (2002):

“O termo ciberespaço especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (LÉVY, 2000, p. 17).

Através do ciberespaço surgem novos métodos de produção cultural, modos de interagir e de viver, denominados cibercultura. Os projetos educacionais que tem como intenção utilizar as tecnologias nos novos métodos de ensino e aprendizagem estão inseridos nesse ciberespaço e na cibercultura. Durante esse processo de inserção da sociedade no ciberespaço, novas formas de interação surgem, como por exemplo, o surgimento dos laços sociais no mundo digital. Os laços sociais é um conceito desenvolvido por Granovetter (1973) e tem seu princípio partindo da interação entre atores, sendo divididos em laços fracos e laços fortes. Nesse sentido, os laços sociais têm como característica a partilha de uma espécie de confiança entre os usuários, onde os laços fracos são compostos por essa característica em menos densidade e os fortes em grande quantidade. Dessa forma, ao entender a relevância das interações partindo das redes sociais para as relações sociais externas a ela, onde é possível aproximar os usuários distantes fisicamente através da internet, cria-se também grupos frágeis, conceito este desenvolvido por Benkler (2006).

CULTURA DA CONVERGÊNCIA

O livro Cultura da Convergência, escrito por Henry Jenkins em 2006 trabalha diversos conceitos e dentre eles está a própria cultura da convergência. A Cultura da Convergência trata de três conceitos que são eles: convergência dos meios, cultura participativa e inteligência coletiva. Resumidamente, entende-se por convergência o fluxo de conteúdo entre diferentes meios. A Cultura participativa trás o debate sobre a passividade do consumidor com relação ao conteúdo, onde a linha que separa o produtor do consumidor não existe e passam ambos a ter seu papel na produção através da interatividade entre eles. Conceito esse que será abordado neste ensaio.

“Nossas reações a essas mudanças não podem ser facilmente delineadas em termos ideológicos tradicionais: não existe uma reação unificada da direita ou da esquerda à cultura da convergência. No meio cristão, há alguns grupos que adotam os potenciais da nova cultura participativa, enquanto outros estão aterrorizados. Dentro das empresas, como observamos, há certas guinadas repentinas entre reações proibicionistas e cooperativistas. Entre os reformistas da mídia, algumas formas de participação são mais valorizadas que outras.’’. (Cultura da Convergência página 249)

Jenkins especifica que os produtores possuem a necessidade de se adaptarem a essa cultura participativa para que possam prosseguir em primeiro plano na atual tecnologia e não sejam esquecidos. Nesse hiato, o consumidor dificilmente se encontra em uma posição passiva e sem interação com o produto, já que existe uma demanda de participação proporcionada pela mídia.

“Produtores que não conseguirem fazer as pazes com a nova cultura participativa enfrentarão uma clientela declinante e a diminuição dos lucros.’’ (Cultura da Convergência página 51)

Analisando o termo interatividade que é abordado no conceito cultura da participação, destacamos a seguinte pontuação feita por Jenkins:

“Talvez seja útil estabelecer uma distinção entre interatividade e participação, palavras que muitas vezes são utilizadas indistintamente, mas que, neste livro, assumem significados bem diferentes. [169] A interatividade refere-se ao modo como as novas tecnologias foram planejadas para responder ao feedback do consumidor. Pode-se imaginar os diferentes graus de interatividade possibilitados por diferentes tecnologias de comunicação, desde a televisão, que nos permite mudar de canal, até videogames, que podem permitir aos usuários interferir no universo representado.” (Cultura da Convergência página 197)

Nesse ínterim, seguindo a lógica citada por Jenkins no trecho anterior, nota-se que a interatividade assim como no universo virtual de um jogo, pode ser aplicada em outros meios com as mais diversas finalidades.

O PERFIL DE FABI GROSSI

O perfil ficcional de Fabi Grossi, é uma proposta criada pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) juntamente ao Facebook com o nome de Caretas, onde o seu propósito é alertar a jovens e adolescentes sobre os perigos vindos do compartilhamento de conteúdo íntimos na internet e junto a isso trazer discussões sobre machismo, depressão e suicídio. O Bot de Fabi Grossi é uma personagem fictícia de 21 anos, que tem um vídeo íntimo exposto na internet pelo ex-namorado e a partir desse problema ela busca ajuda através do diálogo com os internautas.

Chat com perfil ficcional. Retirado de: https://www.unicef.org/brazil/projeto-caretas.

O diálogo é iniciado através do contato do usuário com Grossi pelo Messenger do Facebook. Nele a jovem conta sobre o que tem passado com detalhes, utilizando-se de fotos, vídeos e mensagens de texto. O desenrolar da história funciona como um bate-papo comum como qualquer outro do perfil do Facebook. Ali, Grossi pede ajuda e conselhos sobre como lidar perante a situação que vive.

“São sete etapas de interação, que começam com o relato da personagem sobre o vazamento do vídeo íntimo, passam pela problematização da questão no Brasil até chegar à solução e ao empoderamento da jovem.” (https://www.unicef.org/brazil/projeto-caretas)

Cabe destacar, que o Projeto recebeu diversas participações e surpreendentes números de interação. Uma pesquisa sobre a repercussão da proposta constatou quase 1 milhão de participantes até 2018, onde entre eles 573 mil concluíram a interação. É interessante pontuar que há ainda uma avaliação vinda do público que participou do projeto que se encontra disponível para acesso pelo Facebook. Os números da pesquisa feita pelo UNICEF indicam que 75% dos participantes foram mulheres entre 13 e 25 anos, e 93% consideraram uma boa experiência. Além disso, reforçando a importância da interação no processo educacional para além do entretenimento, os usuários afirmaram ter aprendido mais sobre os temas através do Caretas.

Autor: UNICEF Brasil. Fevereiro 2019.

“Uma pesquisa realizada com os participantes do projeto mostra que 81% deles já receberam fotos nudes e que 47% já enviaram. Dos adolescentes que chegaram até o fim da experiência com a Fabi, 90% deles declaram ter aprendido sobre os riscos do sexting após completarem a experiência virtual.” (https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/experienciavirtual-do-unicef-e-facebook-sobre-sexting-e-violencia-online — 2018).

O desenvolvimento da história de Fabi Grossi depende da participação do usuário real com o seu perfil através das mensagens, ou seja, a interação perfil real e perfil ficcional é o que designa qual o caminho da narrativa. É através dessa relação estabelecida entre perfis que o propósito da iniciativa é executado, já que durante o diálogo é possível que os jovens entendam os perigos de determinadas situações e saibam como agir caso sejam expostos. Portanto, diante do que foi exposto nota-se que a teoria de Henry Jenkins sobre Cultura da convergência e seu traço de interatividade se aplica ao perfil de Fabi Grossi com a finalidade de aprendizado por meio da interação entre usuário real e perfil ficcional. A estratégia abordada pelo UNICEF de utilizar o Facebook como ferramenta de acesso ao público alvo e promover o ensino sobre determinado tema, tem seu fundamento diretamente no conceito de interação e participação

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Ao trabalhar os conceitos presentes em Cultura da Convergência, tendo como foco principal a cultura da participação e a interatividade, pode-se concluir que há um potencial expressivo em se utilizar da interação para o ensino e o entretenimento. Logo, após analisar o perfil ficcional de Fabi Grossi, podemos classificar a interação como a abordagem responsável pelo sucesso do projeto ao alcançar o propósito do mesmo que é: alertar jovens sobre o perigo ao compartilhar a intimidade através dos meios digitais. Os dados divulgados pelo UNICEF, que correspondem à participação do público alvo no projeto Caretas, expressam e confirmam a eficiência ao aderir a interação como ferramenta de ensino e alcance a jovens usuários de redes sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1 — MONTEIRO. Luiz. A INTERNET COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES. Campo Grande. 2001. Pg. 31. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/62100555399949223325534481085941280 573.pdf. Acesso em: 12 de agosto de 2021.

2 — MIRANDA. Gilmar dos Santos Sousa. TECNOLOGIA, INTERAÇÃO E INTERATIVIDADE: DESAFIOS PARA O DOCENTE EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM. Pouso Alegre. 2015. Pg. 13. Disponível em: http://www.univas.edu.br/me/docs/dissertacoes2/17.pdf. Acesso em: 12 de agosto de 2021.

3 — BALDANZA. Renata Francisco. A COMUNICAÇÃO NO CIBERESPAÇO: REFLEXÕES SOBRE A RELAÇÃO DO CORPO NA INTERAÇÃO E SOCIABILIDADE EM ESPAÇO VIRTUAL. Rio de Janeiro. Pg. 4. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/63960297667367250954516430239393812 902.pdf. Acesso em: 12 de agosto de 2021.

Benkler, Y. The Wealth of Networks. New Haven: Yale University Press, 2006.

GRANOVETTER, M. The Strenght of Weak Ties. The American Journal of Sociology, vol. 78, n. 6, p. 1360–1380, maio de 1973

RECUERO. Raquel. O CAPITAL SOCIAL EM REDE: COMO AS REDES SOCIAIS NA INTERNET ESTÃO GERANDO NOVAS FORMAS DE CAPITAL SOCIAL. Bahia. 2012. Pg. 6. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/6295. Acesso em: 12 de agosto de 2021.

WERTHEIM, Margareth. Uma história do espaço de Dante à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. Pg. 169.

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