Mídia sem barreiras: Um ensaio sobre o ativismo transmídia e as Lutas sociais.

Helom Paulino
DIG&TAL
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9 min readAug 21, 2021

RESUMO:

Neste ensaio o autor busca traçar um raciocínio perante à cibercultura, mostrando o poder da literacia midiática, Vozes Nômades e inteligência coletiva no ativismo. Tudo isso embasado pelo pensamento da ilustre ativista Lina Srivastava, que explica em seus estudos como o ativismo transmídia ganhou força nos últimos anos, sendo pivô de mudanças sociais e transpondo barreiras jamais vistas dentro do ativismo social. Os meios de comunicação hoje com a internet nos mostram que não há distância para aquele ator social disposto a participar e ajudar determinados grupos.

MEIOS DE COMUNICAÇÃO: Uma força invisível.

A força encontrada nos meios de comunicação é conhecida de todos. Mesmo em épocas passadas os primeiro panfletos, folhetins, rádios, jornais, revistas e televisão já foram utilizados como uma forma de subversão do sistema. Grandes governantes e líderes políticos sempre temeram o poder da mídia frente à suas aspirações (benévolas ou malévolas). A própria empreitada nazista liderada por Adolf Hitler, não somente temia, como utilizava e tinha severa preocupação em dominar todos os meios de comunicação e utiliza-los em seu favor.

A diferença é que o controle antigamente exercido era muito mais fácil. Todos os atores sociais dependiam para ter acesso à informação da intermediação de grandes corporações, essas corporações dentro de seus interesses (que muitas das vezes eram ligados ao governo, empresas, igreja e outras instituições) filtravam o que seria consumido. Contudo, hoje com o BUM tecnológico e a internet, todas as pessoas acabaram por se tornarem uma fonte inesgotável de conteúdo. Não se trata mais de uma intermediação (pelo menos não física, como era antigamente), mas sim, de uma produção coletiva e contínua de conteúdo.

Toffler em 1980 escreve seu brilhante livro “A Terceira Onda” e fala pela primeira vez no termo prossumidor, que é aquele que ao mesmo tempo que consome também produz conteúdo. O referido termo ganhou muitas particularidades e complexidades no decorrer do tempo, hoje todos os consumidores são também produtores de conteúdo. Um post de facebook por exemplo que for feito no Brasil, será lido quase que instantaneamente em todo o mundo.

Seguindo essa linha de raciocínio devemos observar que barreiras antes impostas acabam por serem quebradas de maneira quase que natural. Lemos (2009) assevera sobre a cultura da mobilidade, em seu estudo alerta para as mudanças que estamos vivendo hoje, a sociedade está transpondo barreiras e os atores sociais em diferentes locais do mundo conseguem estar juntos. Não somente compartilhando ideias, mas contribuindo para mudanças inclusive físicas.

Nesse breve ensaio falaremos um pouco sobre as ideias propagadas pela ilustre ativista transmidiática Lina Srivastava que em palestra dada ao TED em 2009 falou um pouco sobre iniciativas como a de Zach Niles que em seu filme Sierra Leone’s Refugee All Stars utiliza a música cantada por refugiados de guerra para alertar sobre a situação vívida no país africano, a iniciativa musical de diversos artistas conseguindo ajudar pessoas atingidas pelo terremoto no Haiti e destacaremos ainda como grupos de ativistas sociais utilizaram a internet para combinar as manifestações e denunciar abusos cometidos pelo governo Sírio.

Todos esses exemplos acima fazem parte de um grande número de pessoas que eram invisíveis antes dessa nova forma de ativismo, chamado de ativismo transmídia.

MOBILIDADE: ESPAÇO FÍSICO E O ESPAÇO VIRTUAL.

O ilustre professor André Lemos (2019), nos assevera sobre os conceitos de mobilidade frente à cibercultura e ao mundo digital. Em seu estudo Lemos faz uma reflexão social do que seria a cidade e as dimensões sociais, as quais, éramos inseridos. O preceito de mobilidade estava intrinsecamente ligado à infraestrutura, espaço físico, tal conceito encontrava em constante mudança com as inovações tecnológicas. Com o advento de tecnologias como os trens e a possibilidade das pessoas se deslocarem com maior rapidez toda a estrutura de relações sociais acabou mudando também. Isso tudo porque um volume maior de informações chegava a um determinado local.

Nos dias de hoje não temos mais essas fronteiras físicas para as informações em circulação, não existem barreiras para as informações e vivemos em um mundo que o fluxo de delas é continuo e se propaga em velocidade nunca antes vista. Pessoas que compartilham de determinados gostos independentemente de onde morarem estão em continua troca de informações e fazem parte de nichos virtuais. Os espaços físicos não perdem a sua razão de ser, e se tornam ambientes sociais de troca de informação, essa troca que por muita das vezes será produzida dentro do mundo tecnológico, não mais ali.

Devemos observar que espaço físico está sendo influenciado a todo mundo pelo volume de informações que permeia o espaço virtual, mídias fazem parte do mundo real, criam, alteram laços e conexões. A mídias alteram a nossa visão dos outros e de nós mesmos. Quem nunca brigou em época de eleição da rede social? Teve vontade ou viajou para um lugar que viu em filme? Comprou o produto que viu sendo usado por personagem X do filme? Sobre o assunto Lemos (2019) explica:

Artefatos comunicacionais acentuam a mobilidade e aguçam a compreensão do nosso lugar no mundo e de nós mesmos. Isso se dá por tornar as informações acessíveis, seja por uma maior mobilidade física (transporte), seja por uma maior mobilidade informacional (mídia). Hoje, com as novas tecnologias, este processo de espacialização ganha contornos mais largos. Meyrowitz, revisando sua tese de que as mídias de massa criam “no sense of places” (1985), chega a propor a ideia de que estaríamos vivendo em “glocalities” (apud Nyíri, 2006, p. 23) e que as mídias funcionariam sempre como “global positioning systems” — informando nossas visões dos outros, de nós mesmos, do mundo lá fora e, consequentemente, do nosso lugar. As mídias contemporâneas, globais, telemáticas e eletrônicas criariam, portanto, novos sentidos de lugar e ajudariam a expandir a nossa percepção espaço[1]temporal produzindo “new sense of places” e “new sense of selves”.

ATIVISMO TRANSMIDIATICO.

No vídeo acima podemos ver o TEDx Talk de Lina Srivastava uma pioneira no ativismo transmídia. Conforme ela mesmo explica largou sua carreira de advogada pois acreditava que poderia fazer mais aos direitos humanos utilizando a transmídia, e conseguiu, participou de diversos projetos no mundo dando voz aos invisíveis. Pessoas que antes sofriam caladas conseguiram ter lugar para falar e serem escutadas em todo o planeta. Srivastava assevera que quando falamos em direitos humanos devemos pensar em avenidas de vozes, criar cada vez mais avenidas para que cada vez mais pessoas possam ser ouvidas. Sobre o ativismo transmídia a professora Gregolin (2012) leciona que:

Trata-se de pensar o ativismo no sistema midiático atual com estrutura multiplataforma em que a produção/compartilhamento do conteúdo acontece em uma sociedade com pessoas conectadas por uma causa, abrindo caminhos para o diálogo e instigando o engajamento no compromisso para a ação

As pessoas hoje compartilham suas experiências por meio de diferentes mídias, sejam elas celulares, computadores, tabblets … Pessoas que tem interesse em comum estão em constante troca de informação o que traz à convergência o conceito chamado de inteligência coletiva. Como a autora mesmo diz é uma experiência muito mais radical do que os ideários de Pierre Lévy (2004) sobre a construção de conhecimentos. Hoje o consumo é um processo coletivo.

Para exemplificar Gregolin (2012) brilhantemente fala sobre a guerra do Vietnã: Foi a primeira guerra televisionada e as imagens fortes mostradas ali suscitaram uma grande discussão sobre as crueldades que estavam acontecendo, as imagens divulgadas na televisão tiveram inclusive o poder de mudar a opinião pública que era a favor da guerra. Mesmo assim, a voz daqueles que estavam inseridos dentro da guerra não era ouvida, seja o soldado batalhando no front, seja o camponês que estava tendo suas terras atacadas e não tinha nada a ver com aquilo. Essas pessoas não possuíam um celular que pudesse gravar o que estava acontecendo em suas vidas, não tinham voz. Eram dependentes das corporações que eram detentoras de pesados equipamentos e necessitavam estar com sua equipe no local aonde o fato aconteceu.

Hoje todos podem utilizar seu celular para gravar e compartilhar conteúdos com o mundo, a internet se torna assim um ambiente de desterritorialização, vozes nômades (termo que é inclusive título de estudo de Gregolin) surgem. Denunciando e expondo suas ideias, mais do que isso, resistindo, como por exemplo no caso da Síria que tomamos como exemplo, que em 2011 sob um governo ditatorial, teve grandes grupos de resistência que por meio do ativismo virtual denunciaram as atrocidades que aconteciam naquele regime.

A ativista Leila Nachawati na Campus Party 2012 levantou o apelo “Mandem celulares para a Síria!”, o que poderia parecer um apelo em vão na verdade tinha um conteúdo muito sério. A guerra na Síria começou a ser vista com outros olhos pela comunidade internacional, haja vista, o numero de vozes nômades que divulgavam na rede as atrocidades que o governo de Bashir Al-Assadi fazia com a população.

Gregolin (2012) explica como se deu o contexto de vozes nômades e como as atividades foram organizadas:

O telefone celular conecta diferentes pontos do espaço físico independentemente da mobilidade dos manifestantes e espectadores ou da distância que os separa. Dessa maneira, o espaço público é transformado radicalmente pelo ciberespaço em função de acessos nômades à internet pelos telefones celulares aliados a estratégias de uso das redes sociais e plataformas opensource. Nos protestos contra o governo sírio, os ativistas organizaram-se em redes sociais como Facebook pela internet a partir do acesso por telefones celulares. A comunicação entre os ativistas se estabeleceu por meio de mensagens de texto enviadas de um aparelho para outro. O microblog Twitter assumiu a função de compartilhar direcionamentos e alertas para situações extremas. Os vídeos gravados pelos celulares registraram ações do governo e eram distribuídos pelo Bambuser.com2 ou pelo Youtube. Um grupo de entusiastas coordenava uma central de mí-dia para que se conseguisse disseminar aqueles conteúdos.

Hackativistas do mundo inteiro se uniram em uma rede de informações para divulgar tudo o que estava acontecendo na guerra civil do país. Como retaliação o governo Sírio editou uma lei banindo o uso de Iphone no país e ainda investiu dinheiro em uma rede de desinformação divulgando notícias falsas sobre a guerra que estava acontecendo. Fato que não fez os ativistas pararem, muito pelo contrário, outras redes foram criadas para divulgar informação, com estratégias para provocar o usuário a se envolver com outras mídias.

O PODER DA FALA.

Como Lina Srivastava assevera em seu TEDx Talk é necessário que todos os ativistas sociais e todos os defensores dos direitos humanos tenham em mente o poder da transmidiação, simples celulares hoje podem ser considerados armas poderosas para a denúncia de atendados, bem como para a propagação dos mais diversos tipos de informação. A ativista fala sobre a criação de muitas avenidas de fala, pois os problemas sociais existem nos mais diversos lugares do mundo. O combate aos atentados aos direitos humanos ganha um aliado quando damos voz a vítimas que antes estavam silenciadas.

A mobilidade breve e humildemente abordada nesse ensaio deve ser vista como algo sem barreiras. As tecnologias de hoje nos deram a possibilidade de uma troca de informações como jamais foi vista, e essa troca de informações ganha força política no universo real quando usada junto a conceitos, tais quais, literacia midiática e inteligência coletiva.

As inovações tecnológicas devem ser vistas como um instrumento a ser utilizado. A mensagem dentro da realidade virtual pode ser forte e tem o condão de alterar o mundo real. O ativismo transmidiático vem ratificando sua força dentro de passagens históricas. O ser humano, como um animal naturalmente social, ganha uma ferramenta.

BIBLIOGRAFIA:

LEMOS, A. (2009). Cultura da Mobilidade. Revista FAMECOS, 16(40), 28–35. https://doi.org/10.15448/1980-3729.2009.40.6314

LEVY, P. A inteligência Coletiva: Por uma antropologia do ciberespaço. 10. ed. Rio de Janeiro: Edições Loyola. 1998.

SRIVASTAVA , Lina. Transmedia Activism: Telling Your Story Across Media Platforms to Create Effective Social Change, 2009. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6GO_bXpckDM

TOFFLER, A. A terceira onda. 15 ed. Rio de Janeiro: Record. 1980.

VALENCISE GREGOLIN, M. Vozes nômades: ativismo transmídia e mobilizações sociais. Revista GEMInIS, v. 3, n. 1, p. 6–24, 6 ago. 2012.

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Helom Paulino
DIG&TAL
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Advogado, cineasta, ator, Rádio Tv e Internet, JiuJitero e gamer. Apaixonado por artes visuais, marciais e me comunicar com outras pessoas.