O ativismo digital: Um estudo de caso sobre a youtuber Nátaly Neri

Laura Botaro
DIG&TAL
Published in
10 min readAug 27, 2021

O que é o Ativismo Digital?

Ativismo: “Qualquer doutrina ou argumentação que privilegie a prática efetiva de transformação da realidade em detrimento da atividade exclusivamente especulativa, freq. subordinando sua concepção de verdade e de valor ao sucesso ou pelo menos à possibilidade de êxito na ação.”— Oxford Languages

Como uma atividade social, o ativismo se transpôs para os meios digitais logo após sua fundação. Em 1990, temos um dos primeiros casos com a Companhia de Software Lótus, que então pretendia criar e colocar à venda uma base de dados contendo nomes, endereços e hábitos financeiros de mais de 120 milhões de estadunidenses, o que gerou em resposta uma série de e-mails, mais especificamente uma corrente que foi compartilhada mais de trinta mil vezes, alertando ao caráter orwelliano que tanta informação facilmente disponibilizada geraria. Posteriormente a companhia desistiria de lançar seu programa.

Em 1998 viu-se outro exemplo de movimento se apropriando da descentralização propiciada pela revolução digital, no caso do Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN), que através de computadores e celulares criaram conexões internacionais fora do alcance do governo mexicano, e usaram dos novos aliados como plataforma para então lançar a People’s Global Action (PGA), um movimento anti-imperialista mundial em oposição à Organização Mundial do Comércio (OMC).

Abrangendo um grande espectro de atividades e maneiras de organização, Sandor Vegh distingue o ativismo digital em três categorias principais, cada uma aqui com 3 exemplos:

  1. Conscientização/Prática

⦁ Campanhas publicitárias

⦁ Workshops online

⦁ Ambientes de disseminação de informação (fóruns, blogs, jogos)

2. Organização/Mobilização

⦁ Petições online

⦁ Organização de eventos

⦁ Hashtags

3. Ação/Reação

⦁ Ataques DDoS

⦁ Softwares de livre desenvolvimento

⦁ Espelhamento de sites para fugir a bloqueios

Já a partir do surgimento das redes sociais, pautas coletivas tradicionais da esquerda perderam parte do seu alcance, em favor de pautas individuais e identitárias que se associam a diferentes criadores de conteúdo na internet, como o racismo, feminismo e veganismo, mas que não obstante viram enorme adesão social, demonstrada pelos movimentos Black Lives Matter e #MeToo. A esquerda porém não foi a única a se apropriar dos novos meios de comunicação. A direita e especialmente a extrema-direita se viram em posição de influenciar públicos antes apenas acessíveis por contato direto. Agora novas ferramentas estabeleciam a possibilidade de um recrutamento online disperso, em que memes, emojis e personalidades são apropriados para disseminação de mensagens em sites como os Chan’s, o YouTube ou o WhatsApp.

Quem é Natály Neri?

Nátaly Neri é uma ativista, influencer e Youtuber brasileira. Ela é conhecida por abordar e promover debates acerca de assuntos intensos, mas muito importantes, através das redes sociais. Dentre eles, feminismo, sustentabilidade, beleza, empoderamento, estética negra e até mesmo sexualidade.

Em muitos vídeos, Nátaly se diverte enquanto grava seus conteúdos. De forma espontânea, ela não deixa de lado os tutoriais divertidos de maquiagem e cabelo, conquistando todo o público que a acompanha.

Atualmente, a ativista conta com mais de 704 mil seguidores no Instagram e 761 mil inscritos em seu canal no YouTube, plataformas onde ela mais se encontra presente nos dias de hoje.

Além disso, Nátaly é formada em ciências sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e faz pós-graduação em Sustentabilidade. Ainda na faculdade, ela sempre se mostrou interessada em movimentos sociais e participava de coletivos feministas e do movimento negro.

Ela começou na internet há 6 anos através do YouTube com o canal “Afro e Afins”, que agora carrega só o seu nome.

Vegana, bastante sustentável (bastante mesmo, Nátaly possui um guarda-roupas 100% vindo de brechós), amante de óleos essenciais e do autoconhecimento, a youtuber diz que o objetivo do seu trabalho é que ela e seu público tenham uma vida mais plena, consciente e feliz. Nátaly afirma:

“O cerne da nossa conversa na internet é o viver com autonomia. Isso guia todas as outras pautas que incluem sustentabilidade, veganismo, brechó, moda, ativismo ambiental e ferramentas para que as pessoas vivam suas vidas com mais autonomia, tendo mais consciência do que fazem.” — (Entrevista de Nátaly para a Forbes, Maio 2021)

Além de compartilhar suas experiências na web, Nátaly não para por aí. Ela já desenvolveu e protagonizou projetos de destaque como o “Youtube Negro”, realizado em seu canal, em 2016. O projeto contou com a parceria do YouTube Space e YouTube Brasil. Ademais, outros projetos interessantes foram realizados por ela, como o TEDx “A Mulata Que Nunca Chegou” em 2016; TEDx “Afrofuturismo: A Necessidade de Novas Utopias” em 2017; além do documentário “Negritudes Brasileiras”, produzido em seu canal no Youtube, dentro do projeto “Creators For Change”.

Imagem do documentário “Negritudes Brasileiras”
Nátaly dando palestra na TEDx, em São Paulo.

É fato que, através de um espaço público e que envolve milhares de pessoas, o alcance de informações é maior. As redes sociais ainda são vistas, por muitos, como um ambiente de descontração e entretenimento, porém, de alguns anos pra cá, as redes vão muito além disso. A internet contribui para a difusão de ideais e a possibilidade dos usuários manifestarem sobre algo que acreditam. Como foi dito anteriormente, é o que se denomina “ativismo digital”, categoria em que Nátaly se destaca.

Veremos mais aprofundado, nos tópicos a seguir, alguns conceitos importantes para compreendermos melhor a participação desses usuários que compartilham suas crenças através da internet, além de entendermos como esse fenômeno é positivo para o nosso conhecimento.

A Cultura Participativa nas redes de Natály Neri

O desenvolvimento tecnológico, juntamente ao surgimento da era digital, trouxe muitas mudanças para a sociedade, principalmente nas relações entre produtores e consumidores de conteúdo. Hoje em dia, com o uso das redes sociais, a disseminação de informações tem ocorrido cada vez mais rápida e efetiva por esses canais como, o Facebook, Instagram, Twitter e YouTuber, principalmente. Neles, é possível observarmos uma construção do conceito de Cultura Participativa.

A Cultura Participativa, de acordo com os estudos de Henry Jenkins, está baseada no novo relacionamento criado na Internet, onde os consumidores online passam a participar ativamente dentro desse meio de comunicação, não só consumindo conteúdos, mas também os produzindo, compartilhando para outras pessoas, sejam eles um texto, um vídeo, uma música, dentre outros exemplos, que rapidamente são espalhados pelo mundo todo devido a ação desses usuários.

Segundo Jenkins, o público encara a Internet “como um veículo para ações coletivas — soluções de problemas, deliberações públicas e criatividade alternativa”. Toda essa liberdade proporcionada pela Internet, contribuiu para o surgimento de diversos influencers digitais, youtubers, dentre outros produtores de conteúdo, que passaram a trazer diversos assuntos com temáticas sociais e defesas de uma causa, através do ativismo digital, como é o caso da Nátaly Neri, a quem estamos direcionando neste trabalho.

O engajamento dos conteúdos produzidos pela influencer, são feitos de forma equilibrada entre as plataformas que a mesma interage, se comparamos o número de inscritos em seu canal no YouTube e seus seguidores no Instagram, por exemplo, com 761 mil inscritos e 704 mil seguidores, respectivamente, ou seja, um alcance bem considerável, que se deu graças a novidade que ela traz, com assuntos poucos discutidos nas redes sociais, porém necessários, como o consumo consciente, através dos brechós que ela tanto defende em seus vídeos, customização de roupas velhas, óleos essenciais para tratamentos relacionados a beleza e saúde no geral, uso e tratamento de cabelos dreads, dicas de moda e beleza negra, dentre outros.

Canal do Youtube de Nátaly Neri, que hoje passa de 761 mil inscritos.
Instagram de Nátaly Neri, que conta com mais de 704 mil seguidores.

No Twitter, a jovem reforça esses conceitos a partir dos seus posts, divulga o link de seus vídeos no canal do YouTube, faz retweets de conteúdos que se relacionam com as ideias que defende, e assim vai aumentando seu público e os influenciando de maneira positiva, como podemos ver exemplificado nas imagens abaixo. Antes vale ressaltar que, no TikTok, a jovem também produz alguns conteúdos. Com vídeos de pouco duração, ela consegue frisar assuntos relevantes de forma dinâmica e prática, com assuntos sobre veganismo, sustentabilidade e os brechós.

Nátaly divulgando seu Youtube dentro do Twitter.
Exemplo da Cultura Participativa nas redes de Nátaly

Nátaly Neri na Inteligência Coletiva

  • O que é a inteligência Coletiva?

De acordo com o filósofo Pierre Lévy, a inteligência coletiva é uma forma de valorização das capacidades individuais, que coloca em contribuição os indivíduos por meio da tecnologia e permite que eles compartilhem o que a humanidade possui de mais poderoso: o conhecimento.

Estimular a inteligência coletiva em seu local de trabalho é uma ótima forma de construir um acervo de informações úteis para serem aplicadas e compartilhadas no dia a dia. Esse estudo consiste na capacidade de indivíduos intervirem e potencializarem um conteúdo, com habilidades e ideias compartilhadas, ou seja, é toda forma de pensar e compartilhar os seus conhecimentos por meio de recursos mecânicos como a internet. A inteligência coletiva, então, é um princípio em que as inteligências individuais são somadas e compartilhadas por um grupo de pessoas ou pela sociedade como um todo. Trata-se de um conceito que foi potencializado e que ganhou muita força a partir do desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação. Podemos usar como exemplo disso as redes sociais, dentre elas o Twitter ou as plataformas de conteúdos como o Youtube, onde se pode discutir opiniões, juntamente com vivências e entendimentos sobre os assuntos discutidos, assim como o site Wikipédia, onde todos têm direito de compartilharem seus conhecimentos.

  • A Divisão na Inteligência Coletiva:

Podemos dizer que a inteligência coletiva pode ser subdividida em três áreas: a inteligência técnica, a inteligência conceitual e a inteligência emocional.

A inteligência técnica consiste na compreensão dos objetos e do mundo concreto, ou seja, tudo aquilo que precisa ser planejado, projetado, construído e que contribui para a reconstrução do mundo. A inteligência conceitual, por sua vez, corresponde à compreensão de conceitos abstratos, mas que também impactam a vida, como por exemplo as artes. Já a inteligência emocional, abrange a compreensão e a administração dos sentimentos. Tudo aquilo que permite que relações humanas sejam construídas com base na confiança, no direito, na moral e na ética.

  • A inteligência coletiva aplicada nas redes sociais de Nátaly Neri:

Como vimos no decorrer do trabalho, Nátaly Neri com suas redes sociais e suas causas, também se encaixa na inteligência coletiva.

Como toda influencer da atualidade, Nátaly é bem ativa em todas as suas redes sociais, onde de maneiras diferentes, consegue falar sobre vários assuntos com cada público alvo e predominante em suas contas.

Citando primeiramente seu canal no Youtube, onde Nátaly produz conteúdos desde 2015, ela prioriza assuntos sociais, como lutas de gêneros, etnias e raças, tendo para cada um desses tópicos, convidados representantes para dividir suas vivências. Justamente por compartilharem conhecimentos e opiniões, seu canal no Youtube é um ótimo meio de reproduzir a inteligência coletiva.

Vídeo de Natály Neri feat Katu Mirim sobre Identidades Negras e Indígenas
Vídeo de Nátaly Neri feat Mandy Candy sobre LGBTQIA+

Assim como em suas outras redes sociais, dentre elas as mais conhecidas: Instagram e Twitter, onde ela modifica o foco de seus assuntos. Em seu Instagram, Nátaly prioriza o marketing, fazendo propagandas de produtos e alimentos veganos, incentivando e compartilhando seus conhecimentos sobre o assunto com seus seguidores. Diferentemente do Twitter, onde Nátaly usa de seu engajamento e de suas entrevistas para compartilhar com seus seguidores como outros famosos e influenciadores pensam e agem ao seguir todos os seus ensinamentos.

Considerações Finais

Por meio deste trabalho, tivemos a intenção de ressaltar como a cultura digital funciona e como conseguimos identificá-la por trás das redes sociais e meios de comunicação que utilizamos constantemente em nosso cotidiano. Nosso objetivo é mostrar também como podemos utilizar os conceitos midiáticos para compartilharmos nossos conhecimentos e experiências com outras pessoas por meio da internet. É mais fácil identificarmos os conceitos de cultura digital em influenciadores por conta do engajamento e múltiplas redes sociais em constante uso, mas todos nós somos praticantes dos conceitos midiáticos.

Referências Bibliográficas

Lotus Marketplace: http://cpsr.org/prevsite/conferences/cfp91/culnan.html/

Classificando ativismo online — Vegh, S. (2003). Classifying Forms of Online Activism: The Case of Cyberprotests against the World Bank.

Twitter and Tear Gas. Tüfekçi, Z. 2017

https://forbes.com.br/listas/2021/05/heart-billions-nataly-neri/

Artigo: “O FEMINISMO E O NEGRO NO CANAL AFROS & AFINS DE NÁTALY NERI” por NATHÁLIA DE MEDEIROS LAZZARIN — 2018

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