Os impactos do álbum BEYONCÉ na indústria fonográfica e sua influência para música na Era Digital.

Samuellacerda
DIG&TAL
Published in
11 min readAug 23, 2021

Introdução

Lançado em 13 de dezembro de 2013 completamente de surpresa, o álbum: “BEYONCÉ” da cantora de mesmo nome foi um divisor de águas não apenas para a carreira da artista, como também uma obra marco na história da indústria musical americana. No texto a seguir analisaremos o impacto que a criação teve dentro da indústria, e como sua forma inovadora de lançar e consumir música abriu precedentes e criou uma tendência de mercado que perdura até hoje.

Ademais, será feita uma análise de como a repercussão da obra se relaciona com vários aspectos pertinentes num contexto de cultura digital e seus impactos dentro da indústria musical americana pós-moderna.

Teaser BEYONCÉ

A menina prodígio/ O destaque do grupo/ A aposta da indústria / A Hitmaker

Para entendermos melhor como a obra “BEYONCÉ” nasceu é preciso primeiro que tenhamos um breve panorama da vida e obra da cantora antes de lançá-lo, a fim de compreender melhor os contextos e propósitos por trás do corpo de trabalho.

Beyoncé Giselle Knowles Carter nasceu em 4 de Setembro de 1981 na capital do Texas, Houston. Filha de uma família de classe média, seus pais abandonaram suas respectivas carreiras quando Beyoncé era ainda uma criança para se dedicar ao sonho da filha: virar uma cantora de sucesso. Desde seus 6 anos ela já demonstrava um exímio talento para canto e dança e aos 8 seu pai (também agente e empresário na época) criou um grupo com sua primogênita e mais 5 meninas, o Girls Tyme.

Girls Tyme

Entre rotinas exaustivas de ensaios, gravações, tentativas de contratos com gravadoras, apresentações em Talent Shows e programas locais o grupo não obteve muito sucesso comercial e em 1996 o grupo foi reformulado e renomeado para Destinys Child. Nos anos seguintes a nova formação foi pouco a pouco construindo sua trajetória e aos se tornou um fenômeno de escala mundial sendo até hoje um dos maiores girl groups de todos os tempos tendo vendido mais de 60 milhões de cópias ao redor do mundo, ganhado 9 Grammys e emplacando músicas que alcançaram o topo da Billboard como: Bills, Bills, Bills, Independent Woman, Bootylicious e Say My Name.

Say my name, Destinys Child.

Em 2002 com o hiato no Destinys Child Beyoncé seguiu por uma carreira de cantora e atriz e em 2003 lançou seu primeiro álbum solo, o Dangerously in Love que foi um sucesso estrondoso tendo hits memoráveis até hoje como Crazy in Love e Baby Boy. Em 2006 lançou o B´day, seu segundo álbum que foi acompanhado do lançamento do musical “Dreamgirls” a qual Beyoncé interpretava uma das protagonistas. O filme foi um sucesso de bilheterias tendo sido indicado a 8 Óscares e ganho 2. O álbum B’day manteve o sucesso e contou com os Irreplaceable e Check on It, ambos hits que atingiram o topo dos chats.

Em 2008 Beyoncé lançou o I am Sasha Fierce o álbum que a estabeleceu de fato para além de uma hitmaker, uma cantora de renome e contou com os hits Halo e Single Ladies. 2011 Beyoncé lançou o “4” seu álbum emancipatório, onde finalmente seu pai deixou de ser seu empresário para ela mesma tomar as rédeas da própria carreira. Foi de fato a partir daí que Beyoncé passou a ter o controle de tudo que produzia (tendo inclusive nessa fase aberto sua própria gravadora, a “Parkwood Entertainment”).

Os primeiros anos de Beyoncé na Indústria.

Ou seja, o Destinys Child (como a própria Beyoncé descreve no documentário: Homecoming) foi como uma “escola” para ela e os seus primeiros 8 anos de carreira solo serviram para estabelecê-la como uma das maiores artistas da indústria americana dos anos 2000, sua próxima obra no entanto seria o que a transformaria no status de Lenda

Contexto do mundo da na época

Antes de falar da obra em si e de seu impacto na indústria é preciso uma breve contextualização de qual era o contexto da indústria musical e da carreira de Beyoncé na época.

O ano de 2013 no mercado fonográfico americano foi marcado pelo alarmista fenômeno midiático da “Crise da indústria da música”, vários veículos da época consideravam que a indústria estava passando por sua pior fase, visto que a medida que a Era Digital tomava conta do cenário, a vendas de álbuns e singles caia abruptamente e as grandes gravadoras lucravam cada vez menos.

Em decorrência disso, podia se observar um fenômeno frequente de produções POP cada vez mais perenes e fabricadas, com intenção de gerar maior valor de mercado, mas sem muito requinte artístico, tendo enfoque em vender singles e não mais obras completas como os álbuns, pois já não eram substancialmente interessantes como negócios para gerarem lucro. Inclusive essa é uma observação feita pela própria Beyoncé no documentário de 2012 “Life is but a Dream” (esse trecho fará mais sentido à frente).

Trecho documentário: Life is But a Dream

Para Beyoncé o ano de 2013 vinha sendo frutífero, logo em janeiro ela havia cantado na posse da reeleição de Obana, em fevereiro ela se apresentou no maior show televisionado da TV americana (o Superbowl) e ao longo de boa parte do permaneceu fazendo a promoção da Turnê: “Mrs. Carter Tour”. A essa altura Beyoncé já não era mais uma revelação dentro da indústria, muito pelo contrário, já era uma artista consagrada e seu último álbum (o “4” de 2011) apesar de ter sido um álbum que atingiu o topo das paradas, havia sido seu trabalho com menor números de vendas desde o início de sua carreira solo.

Seria muito especulativo tentar definir com certeza quais outros rumos sua carreira tomaria a partir dali caso as coisas tivessem sido diferentes, mas considerando que dentro da indústria fonográfica (americana principalmente) a maioria das mulheres tem um “prazo de validade para o sucesso” que termina aos trinta e poucos (vide Madonna, Mariah Carey, Britney Spears). Não seria muito absurdo inferir que caso naquele momento Beyoncé não tivesse se reinventado, sua carreira continuaria com status de uma veterana consolidada e respeitada dentro da indústria, porém, dali para frente com menor apelo de vendas.

BEYONCÉ

Foi então em 13 de dezembro de 2013, que o mundo da música parou para prestar atenção em BEYONCÉ, a cantora e o álbum homônimo. Lançado exclusivamente em formato digital pela Apple Music (algo bastante incomum para época), a obra contava com 14 faixas e 17 videoclipes, o que o batizou como “álbum visual”. Falando em números, o álbum vendeu 80 mil cópias apenas nas primeiras 3 horas. Foi também o álbum que mais vendeu em menor tempo da Itunes Store debutando com 670 mil cópias vendidas na principal parada da Billboard (em apenas 3 dias de contagem, já que foi lançado na sexta e as contagens fecham na terça). Por fim, se tornou o álbum feminino mais vendido de 2013 (mesmo tendo sido lançado em 13 de dezembro) e o segundo mais vendido do ano seguinte.

Mini documentário BEYONCÉ

Sem dúvidas foi um álbum comercialmente muito bem sucedido e serviu para elevar a carreira da Beyoncé a outro nível artístico, mas mais que isso, foi um baque na indústria da música. Naquela época, o digital já era uma tendência consolidada, em 2013 a iTunes Stores bateu recorde com bilhões de músicas vendidas, o que representava 60% do consumo de música no mercado. No entanto, boa parte dos artistas da época continuavam a focar mais em vendas físicas usando campanhas, estratégias de marketing, investimento em rádio e promoção em programas de TV para impulsionar as vendas. Os singles e álbuns eram geralmente anunciados com semanas, às vezes meses de antecedência para criar certa expectativa nos fãs, preparar o terreno com divulgação e para que o máximo possível de pessoas estivesse sabendo e esperando para o dia do lançamento.

Beyoncé, no entanto, quebrou todo esse padrão lançando um álbum completamente de surpresa, sem um anúncio sequer a obra apareceu exclusivamente no iTunes. Repito, para que fique muito claro, uma das maiores artistas do mundo, estava lançando DE SURPRESA seu novo CD, mas não tinha CD! Hoje em dia isso pode parecer muito comum, que os lançamentos não tenham mídia física e possam ser lançados sem grandes anúncios prévios (e como falaremos a frente esse álbum teve importante influência nisso), mas naquela época era uma prática muito inovadora, que a própria equipe de Beyoncé foi avessa e tentou impedi-la por considerar uma loucura.

Ademais, nasceu ali o termo “álbum visual” que posteriormente se popularizou e se tornou uma prática comum, mas que até então era inédita. Naquela época a enorme maioria dos artistas gravavam videoclipes para seu single de trabalho do momento, e caso estivesse divulgando um álbum seriam retirados 2 ou 3 singles daquela obra aos quais receberiam clipes que não necessariamente tinham uma estética ligada à música e ao álbum. Beyoncé, no entanto, criou uma obra onde a música era indissociável do imagético, um dependia do outro para funcionar plenamente, e a obra toda se amarrava não só através do sonoro, mas também através do visual. Então, todas as músicas possuíam seu devido clipe e todo clipe conversava com todo o contexto da obra, formando uma unidade.

Como a obra mudou o game.

Justamente por serem intangíveis os impactos de uma obra de arte muitas vezes são imensuráveis, porém o principal fator que vai determinar a importância e impacto de uma obra é o tempo. A quinta sinfonia de Beethoven ou Thriller de Michael Jackson não nasceram icônicas, o tempo mostrou sua relevância e impacto e os quase 8 anos do álbum BEYONCÉ são suficientes para mensurar alguns dos principais impactos que esta obra causou no mercado musical mundial.

O álbum foi lançado na íntegra numa sexta-feira, algo bastante incomum para os moldes da época, visto que as contagens de vendas da Billboard (principal órgão de contabilização de consumo de música nos EUA) geralmente começavam às terças feiras e fechavam às segundas. No entanto, o estrondoso número de vendas do BEYONCÉ que bateu todos os recordes de vendas digitais fez o órgão IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica) postular um padrão de lançamentos de singles e álbuns às sextas feiras.

Na verdade a decisão de criar um data padrão foi discutida internamente pelo órgão por alguns meses na tentativa de frear a pirataria, mas o lançamento e tremendo sucesso do autointitulado foi uma confirmação para que o IFPI instituísse e oficializasse a data para padronizar mundialmente o lançamento de álbuns e singles. Posteriormente a Billboard também alterou de terça para sexta a abertura da contagem de vendas de álbuns e singles e assim instituiu-se um padrão no mercado que vem sendo cumprido até os dias atuais.

Ademais, BEYONCÉ foi responsável por mudar os rumos do mercado de audiovisual dali pra frente. Tecnicamente a obra não foi o primeiro álbum que contava uma história audiovisual, clássicos como “The Wall” do Pink Floyd ou “Tommy” do The Who já haviam inaugurado a categoria décadas antes, no entanto dentro dessa categoria Beyoncé foi responsável por inaugurar um formato, o álbum visual. Os já citados The Wall, Tommy e tantas outras obras criam um álbum que narra uma história através de atos linearmente, tal qual uma ópera em um formato bastante clássico de contar história, e que posteriormente foram adaptadas a uma linguagem cinematográfica, ou televisiva.

Logo, são obras onde o visual ajuda a contar a história do fonográfico. Já no BEYONCÉ a artista promove uma nova experiência, onde a história não é uma narrativa necessariamente correlacionada do inicio ao fim e o imagético e o auditivo não são complementares, mas parte de um mesmo conjunto. A obra não é um amontoado de imagens que estão a serviço de um álbum, mas uma obra onde a expressão artística está justamente na complementaridade do áudio com o visual.

A indústria da música americana vivia uma valorização dos clipes desde os anos 80 quando a influência de Thriller de Michael Jackson mudou os rumos do mercado. Em 2013, no entanto, o impacto de BEYONCÉ foi diferente, os videoclipes já eram um veículo de mídia consolidado, no entanto, após o lançamento do álbum ficou muito mais claro a necessidade quase indissociável entre som e imagem na era digital. Obviamente, parte de um fenômeno muito maior o aumento no consumo de audiovisual nos últimos anos. Existem uma série de fatores que podem ser apontados para supor os motivos da crescente produção de videoclipes.

No entanto, não é exagero afirmar que um dos fatores que determinou essa crescente foi o sucesso apresentado pelo álbum da cantora texana e sua quebra de precedentes no que era feito até então. Desde que o álbum foi lançado em 2013 é possível listar dezenas de outros artistas que lançaram álbuns visuais (seja aos mesmo moldes de Beyoncé, seja nos seus próprios moldes) e também é possível afirmar que a produção audiovisual passou a ser muito mais valorizada desde então.

Por último, mas não menos importante, outro crédito que poder ser dado à obra é sua influência em criar um padrão mais rápido de lançamento, onde os prazos entre anúncio e lançamento são menores, ou às vezes inexistentes. Novamente, o BEYONCÉ não é o único fator possível para isso, mas o lançamento súbito do álbum e seu enorme sucesso passaram uma mensagem direta para a indústria: “as pessoas gostam de novidade!”. Obviamente é uma estratégia arriscada, visto que o lançamento surpresa pode ter o efeito contrário do esperado e o público simplesmente não se importar, ou nem ficar sabendo do lançamento, fatores esses que poderiam ser contornados com uma extensa campanha de divulgação prévia.

Mas o lançamento surpresa ou diminuição do tempo entre anúncio e lançamento criam um padrão de consumo muito mais imediato, onde a empolgação se torna o melhor fator de divulgação. A empolgação de um fã em saber que seu artista favorito vai lançar uma obra amanhã cria muito mais expectativa do que saber que ele vai lançar daqui a 2 meses. Todo esse tempo retira completamente o fator surpresa e a excitação que a novidade trás.

Por isso é cada vez mais comum que os singles e álbuns sejam anunciados com 1 semana, às vezes 1 dia de antecedência. Diferentemente do que as gravadoras faziam nas décadas anteriores onde um álbum era anunciado com meses de antecedência, às vezes antes mesmo de a obra estar pronta, tudo isso para criar uma grande agenda de divulgação e expectativa.

Conclusão

Dentre as diversas contribuições de Beyoncé para a música, seu álbum homônimo de 2013 foi uma importante obra para estabelecer padrões dentro da indústria e criar uma série de precedentes para a venda e consumo de música dentro da era digital.

BEYONCÉ foi um vanguardista que reformulou as práticas mercadológicas e estabeleceu um marco definitivo entre a era física e digital da indústria fonográfica mundial, sua influência e impacto são imensuráveis e o fazem sem dúvidas entrar para a história com um dos álbuns de maior influência na história da música.

EXPERIENCIE O ÁLBUM COMPLETO:

Playlist álbum BEYONCÉ

Referências

--

--