STAR WARS E FENÔMENOS MIDIÁTICOS

UMA ANÁLISE SOBRE A FRANQUIA ATRAVÉS DAS TEORIAS DE CULTURA MIDIÁTICA, DE FÃS, PARTICIPATIVA E TRANSMÍDIA

Vinícius Tostes Guedes
DIG&TAL
9 min readAug 20, 2021

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INTRODUZINDO CONCEITOS

Henry Jenkins, autor de “Cultura da Convergência”

Para introduzir a questão a ser abordada neste ensaio, faz-se necessário compreender antes algumas das teorias e fenômenos que guiarão o pensamento a ser desenvolvido.

Primeiramente, é importante dizer que o grande tema presente nesta análise de caso é o da Cultura da Convergência, que trabalha a partir da observação de como a convergência se propaga pelos usuários de diversos tipos de mídia.

Por convergência, têm-se a seguinte definição, segundo Henry Jenkins (2006):

Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas
plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao
comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando.

Será analisado, principalmente, o papel do fã no contexto do objeto de estudo escolhido, a franquia de sucesso Star Wars. Por meio da Cultura de Fãs esse universo será explorado de forma que seja possível compreender a imensidão dos fãs e o grande papel dos mesmos na formação de novos produtos e conteúdo não oficiais que dialogam, direta ou indiretamente, com o que é feito de forma oficial pelos organizadores e detentores dos direitos da franquia.

Para isso, nota-se compreender um pouco da Cultura Participativa, que basicamente resume essa relação entre os fãs e a marca que consumem. Jenkins (2006) traz a Cultura Participativa de forma bem intensa em seu estudo sobre convergência, citando muitos exemplos em franquias de sucesso como Harry Potter e o próprio objeto de estudo desse ensaio.

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. Nem todos os participantes são criados iguais. (JENKINS,2006, p.30)

A partir do que foi mostrado acima, pode-se resumir em poucas palavras tal expressão: o fã já não é mais um simples consumidor irracional e que não vê “defeitos” em seu objeto de adoração, por assim dizer, se tornando agora um espectador seletivo e também crítico das obras que consome e, por vezes, se torna criador de conteúdo com a temática que o interessa, alterando, por exemplo, coisas que o mesmo desejaria que fossem diferentes no seu filme, série, dentre outros produtos preferidos.

Também será possível observar, observando o que será apresentado, a forte interação transmidiática entre os produtos desenvolvido pela saga e pelos fãs.

1. POR QUÊ STAR WARS?

A franquia criada por George Lucas, lançada em 1977, é uma das mais conhecidas em todo o mundo, bem como uma das mais antigas e rentáveis da história do cinema. Sabendo disso, pode-se citar vários fatores que tornam tal marca um objeto de estudo cada vez mais interessante.

A começar pelo tempo, nota-se que, com o passar dos anos, os fãs da saga foram envelhecendo, mas ainda assim ela conseguiu angariar um público jovem em vários momentos, o que ainda ocorre nos dias atuais. Diante desse fator que poderia ser um obstáculo na sedução de novos fãs, questiona-se o que foi feito para que o sucesso se prolongasse por tanto tempo.

Com uma grande receita após o primeiro filme da saga, investiu-se mais ainda na produção dos outros dois filmes da Trilogia Original, como é chamada pelos fãs, que também foram produções bem rentáveis aos realizadores. Assim, sabendo do sucesso comercial da trilogia, apostou-se em produtos como brinquedos, action-figures, quadrinhos, jogos, dentre outros diversos produtos. Os dois últimos citados, não por acaso, foram possíveis graças ao extenso e fértil universo ficcional criado por George Lucas, o que proporcionou (e ainda proporciona), o desenvolvimento de novas narrativas com a mesma temática, mas que não necessariamente deveria interferir nos eventos ocorridos nos filmes. Estava criado o “universo-estendido” de Star Wars.

Por fim, com o lançamento de duas novas trilogias nos anos seguintes, de forma bem distribuída e com grande apelo comercial, foi selado o sucesso da franquia em várias gerações diferentes, desde crianças até adultos de meia-idade. Recentemente, a compra dos direitos da marca pela Disney, bem como a produção de uma série animada, contribuiu para expandir ainda mais a gama de possibilidades narrativas, principalmente a partir da chegada dos streamings, que exploram cada vez mais eventos não abordados com muita profundidade nos filmes da franquia, a exemplo da série The Mandalorian, já produzida pela Disney para o seu próprio serviço de streaming, que foi lançado em 2019.

  1. O PAPEL DOS FÃS NESSE CONTEXTO
Fãs posam com produtos da franquia. Reprodução: O Globo.

1.1. O FÃ CONSUMIDOR

Por muito tempo se acreditou que o papel do fã era simplesmente o de consumir produtos de determinada marca e acompanhar e apoiar a mesma, sem nenhum senso de opinião pessoal ou identidade, mas Jenkins mostrou com vários exemplos que tal pensamento era muito equivocado. Um desses exemplos, que o autor de Cultura da Convergência (2006) toma um capítulo inteiro para explorá-lo nesse livro é Star Wars e sua fanbase. Vale ressaltar, porém, que o fã da franquia em questão também evoluiu com o passar dos anos, e nem sempre respondeu aos mesmos estímulos.

Em um primeiro momento com fãs extremamente encantados com as novidades da primeira trilogia da saga, viram os quadrinhos (lançados na mesma época que os primeiros filmes) como uma grande extensão do conteúdo apresentado nas telonas, o que trouxe maior profundidade a algumas tramas já presentes no cinema, conquistando facilmente um público leitor grandioso. Os jogos também não podem ser deixados de lado nessa análise, uma vez que contribuíram de forma diferente, mas não menos importante do que os quadrinhos para a evolução do fã e de suas novas aspirações em relação à Star Wars.

Para situar um pouco os leitores quanto ao conteúdo dos quadrinhos, é possível encontrar nesse tipo de mídia histórias específicas de Darth Vader, que ocorrem em intervalos de tempo entre acontecimentos apresentados nos filmes, mas que não são retratados ou sequer citados nos mesmos, como seus relacionamentos pessoais enquanto um Lorde Sith. Os jogos também apresentam possibilidades múltiplas de acontecimentos diferentes, como por exemplo travar uma batalha entre Luke Skywalker e Qui-Gon Jinn, duelo esse que seria impossível (considerando a trama canônica, ou seja, o universo até então apresentado na saga Skywalker, nos cinemas), uma vez que são personagens que viveram em momentos distantes.

Tais produtos expandiram a capacidade de consumo de novos conteúdos, já que aumentou muito a gama de opções para os fãs escolherem o que adquirir e desenvolverem novos gostos, ainda dentro da mesma temática.

1.2. O FÃ PRODUTOR

Como já explicado no último tópico, o universo muito bem criado e aberto a quaisquer outros tipos de história aflorou a imaginação dos fãs, “famintos” por novas formas de trabalhar dentro das vastas “galáxias” da franquia. Jenkins (2006) destaca a criação de concursos para a apresentação de pequenos filmes produzidos por fãs, com histórias não canônicas, onde se apresentaram diversos tipos de narrativas, sendo a paródia algo bem recorrente, a exemplo disso o autor cita George Lucas In Love (1999), um curta que retrata de forma cômica as inspirações na vida real do diretor e criador da franquia de sucesso para fazê-la. Note que o patamar do fã neste momento já não é mais somente de consumidor, mas também de produtor de conteúdo relacionado ao tema.

Assim, a partir do grande incentivo por parte da marca, mesmo que indiretamente, à criação de novas tramas com a temática de Star Wars, a realização de novos produtos pelos fãs tomou conta do cenário, no que diz respeito ao tema. Relembrando o que Henry Jenkins comenta quando se fala em cultura da convergência, há uma poderosa agente potencializadora desta grande massa de criadores de conteúdo temático: a internet.

Com a internet, o compartilhamento de conteúdo se tornou muito fácil e. com isso, o número de produções como curtas e vídeos temáticos de Star Wars disparou nas grandes redes sociais. Embora Jenkins (2006) cite vários exemplos de fan fictions e filmes sobre o tema, ainda no início dos anos 2000, nos dias atuais já não são mais necessários eventos para divulgação de tais realizações, bastando um clique para postá-las no Youtube, Instagram, Vimeo, dentre outras plataformas.

Um dos desdobramentos mais interessantes desse fenômeno do fã produtor de conteúdo é a criação de novos grupos de fãs, que consomem essas novas versões, que exploram cenários não apresentados ou explorados na saga oficial, atendendo aos anseios de muitos fãs de Star Wars.

Star Wars Theory: canal conta com cerca de 3 milhões de inscritos no Youtube

Como exemplo, trago aqui o canal do Youtube Star Wars Theory, onde um fã produz e apresenta teorias sobre os filmes e quadrinhos da franquia, bem como produções independentes feitas pelo criador do canal. É interessante notar que o realizador de tal canal não atende somente um tipo de público, uma vez que também produz conteúdo de podcasts, apresentados no Spotify.

É muito notável a recriação do fenômeno ligado à franquia original e seus fãs, mas dessa vez pelos próprios consumidores de Star Wars que, além de tomar o lugar de produtor e criar novos nichos e redes de fãs, utilizam de estratégias transmidiáticas para entregar um conteúdo diverso e que atenda mais variedades de novos interessados no tema.

2. O FUTURO DA FRANQUIA STAR WARS

Diante de todas as alterações observadas nos anseios dos fãs da saga, que passaram a consumir novas narrativas não oficiais, a Disney, atual detentora dos direitos da marca Star Wars, já lançou uma série que explora eventos menores ligados à saga Skywalker (The Mandalorian), como já citado no tópico introdutório), e uma nova série animada (The Bad Batch), que já está no catálogo de seu serviço de streaming exclusivo. Além disso, já divulgou também a produção de mais de uma série, a serem lançadas no futuro, trazendo personagens conhecidos e queridos pelos fãs vivendo histórias não contadas nos filmes, como Obi-Wan Kenobi e seu exílio em Tatooine e a história de Ahsoka Tano, uma personagem que só foi apresentada e, live-action na série The Mandalorian (foi uma personagem introduzida na já encerrada animação seriada A Guerra dos Clones, e ganhou grande simpatia do público). Também foi divulgado recentemente a produção de uma série de episódios com histórias dentro do universo de Star Wars em formato de animações japonesas, como o anime.

Assim, pode-se dizer que a franquia analisada busca cada vez mais diversificar o seu conteúdo, entendendo que os fãs estão em constante mudança e irão cada vez mais requisitar produções que explorem o grande universo fictício criado por George Lucas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, acredito que os fenômenos destacados nesse ensaio estejam cada vez mais evidentes ao público geral, e o consumo de produção de fãs é cada vez mais uma tendência, uma vez que se compreende o mundo digital, altamente transmidiático e versátil.

Pessoalmente, posso até mesmo dizer que faço parte desses grupos que consomem produções de outros fãs, pois assisto às vezes vídeos de teorias e curtas não oficiais, que por sinal são de alta qualidade, não se resumindo somente a paródias. Além disso, ainda participo de jogos como “RPG”, onde é possível criar um personagem e jogar com o mesmo dentro do universo de Star Wars, podendo assim me considerar uma “prova viva” de como funcionam os conceitos trazidos nesse texto.

REFERÊNCIAS

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Aleph, 2006.

Canal Star Wars Theory no Youtube:

https://www.youtube.com/c/StarWarsTheory/featured

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