Steam: Muito mais que uma plataforma de distribuição de games

Ana Paula Oliveira
DIG&TAL
Published in
7 min readNov 23, 2020

Resumo:

O objetivo deste ensaio é discorrer sobre a evolução do software “Steam” no que diz respeito às suas funcionalidades e como elas foram se expandido com o tempo, passando de uma simples distribuidora e gestora de direitos autorais de jogos eletrônicos para se tornar uma espécie de rede social com suas próprias dinâmicas e rede de usuários.

Palavras chave: Steam. Redes Sociais. Cibersocialidade. Cultura participativa.

Introdução: De distribuidora a rede social

Em 1996, os ex-funcionários da Microsoft Mike Harrington e Gabe Newell fundaram a Valve Corporation, uma empresa de distribuição e desenvolvimento de jogos eletrônicos conhecida principalmente pelos títulos como Half-Life, Team Fortress, Left 4 Dead, Dota 2, Portal e seu principal e mais rentável título Counter-Strike. Uma característica marcante do desenvolvimento da Valve é a atualização contínua e perpetuação de seus títulos mais antigos. E dessa característica veio a necessidade de dar a seus usuários uma ferramenta que automatizasse o processo de distribuição das atualizações de seus títulos online, essa ferramenta veio a público apenas no ano de 2002, a Steam em seus primordiais anos já visava a distribuição integral de seus jogos pela plataforma e o abandono das mídias físicas.

Já no ano de 2003, a Valve executava a transformação de seu domínio em uma loja online de seus próprios títulos, o sucesso atrairia mais tarde outras empresas independentes em busca de vender e distribuir seus softwares e jogos pela plataforma. Aos poucos grandes empresas da indústria dos games passaram a negociar espaço para seus títulos no catálogo da Steam, afinal a plataforma se expandia exponencialmente como um produto único no mercado, uma plataforma que oferecia mídias digitais com facilidade, controle de versões e pacotes de recursos de maneira automatizada e sistema antipirataria e trapaça em seu software.

Então, em 2007 a empresa passa a tomar forma de uma rede social, investindo na interação entre os players.Começando pela Comunidade Steam, um espaço em que os usuários da plataforma teriam espaço para criar um perfil atrelado às suas bibliotecas, podendo demonstrar um pouco da sua individualidade na plataforma, compartilhando screenshots, vídeos, artes e feedback sobre os jogos, adicionando outros perfis com gostos semelhantes e participando de fóruns de diversas temáticas.

A Steamworks veio logo em seguida, no ano de 2008 a ferramenta passaria a possibilitar aos desenvolvedores a criação de ambientes multiplayer e servidores diretamente da própria plataforma como launcher, além disso, seria possível criar um mercado interno do próprio game sem grandes complicações. E em 2010, o Steam Workshop, a mais interessante ferramenta lançada pela Valve aos olhos da cultura digital, essa permite aos usuários que criem mods e skins para alguns jogos da plataforma, os itens de personalização dos usuários poderiam ser compartilhados e utilizados pelos outros usuários, expandindo ainda mais as possibilidades dos jogos ao limite da criatividade dos próprios jogadores.

Comunidade Steam: O caráter de rede social

Por definição, sites de rede social são aqueles que permitem (1) a construção de um perfil público ou semi-público em uma determinada ferramenta; (2) a articulação de uma lista de conexões e (3) a possibilidade de ver e navegar nessas conexões disponibilizadas na mesma ferramenta (Boyd & Ellison, 2007). Dessa maneira, é possível identificar a Steam como uma rede social, apesar de em sua essência a plataforma não ter essa finalidade, vemos como os usuários se apropriam das ferramentas e geram diferentes usos para elas, até que as próprias ferramentas se adaptem às necessidades de seus usuários.

A criação de um perfil na Steam segue as mesmas diretrizes da maioria das redes sociais, no entanto algumas nomenclaturas e funcionalidades se diferenciam, exatamente pelo espaço não ter como finalidade “ser um site de rede social”.Por exemplo, temos espaço para colocar um avatar (ao em vez de uma foto de perfil), um nickname (ao em vez de um nome), screenshots (ao em vez de fotos) e as reviews e atividades em jogos (ao em vez de postagens); o que nós destacamos em nosso perfil é como construímos a informação que diz “quem se é”, não apenas há a marcação da presença nessas ferramentas, mas igualmente a disponibilidade para a interação naquele espaço (Recuero, 2012).

Assim como podemos associar as ideias do capital social em rede, relacionadas por Recuero ao investimento de cada usuário na plataforma, considerando a própria Comunidade Steam como parâmetro, o ato de criação e manutenção de um perfil e conexões sociais e compartilhamento de recursos na plataforma, geram diversos benefícios para o próprio usuário, na plataforma em questão acredito que principalmente a legitimação das opiniões do usuário sobre os jogos, demonstrador pelas insígnias, nível, tempo de jogo e número de títulos em sua biblioteca, todos esses atrelados ao investimento de tempo e dinheiro que o usuário coloca na plataforma.

Do outro lado temos os benefícios para a própria Steam, que tendo uma comunidade ativa em seus fóruns, gerando conteúdo de graça, se posicionando e se relacionando, a plataforma passa a se beneficiar do fenômeno da clusterização entre seus usuários e ao responder demandas direta ou indiretamente, passa o efeito cooperação e confiança a seus usuários.

Além disso, os fóruns e galerias do Steam são um exemplo concreto de cultura participativa proposta por Jenkins, galerias são criadas com screenshots, artes digitais, cosplays, vídeos sobre determinado título ou assunto específico. A todo momento a criação de conteúdo pelos próprios usuários é feita e incentivada, criando uma relação de retroalimentação entre plataforma, usuários e jogos.

Steamworks e Steam Workshop: O espaço virtual e a cibersocialidade

Ao pensar a Comunidade Steam a desenvolvedora buscava uma interação entre os seus usuários que criaria um engajamento maior entre a sua comunidade e a sua plataforma. Mas o próximo nível dessa interação, seria alcançado pela ferramenta Steamworks, que permitiu aos desenvolvedores lançarem servidores internos para seus títulos, permitindo aos jogadores uma experiência multiplayer, além de um mercado interno proposto pela própria franquia, onde jogadores poderiam comprar os itens do próprio jogo.

(Disponível em: <https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?l=portuguese&id=1440169011>

A criação de um espaço virtual de interação síncrona reflete como a “cibercultura toma a simulação como a via de apropriação do real” (LEMOS, André), refletindo um momento ápice do que vimos autores como Michel Maffesoli descreverem como uma ciber-socialidade.

Mais além, a SteamWorkshop (oficina) daria a possibilidade aos jogadores a moldarem esses espaços da maneira que quisessem e disponibilizassem a outros usuários, novamente dando espaço para a apropriação dos usuários sobre os softwares, a criação de mods, níveis, mapas se tornou uma febre na plataforma e vimos em ação o fenômeno dos “prosumers”, termo levantado por Ritzer, Dean e Jurgenson na obra “The Coming age of prosumer”, aqueles consumidores/usuários que se tornam produtores, não apenas de conteúdo, mas da própria obra.

Conclusões:

Apesar de ser um segmento claramente tribalizado e com dinâmicas próprias, a plataforma Steam se assemelha e possui as mesmas diretrizes básicas de um site rede social comum, seus usuários adquirem capital social e são reconhecidos ao investirem seu tempo, esforço e dinheiro na plataforma. É possível distinguir elementos claros de um espaço de cibersocialidade, propício para a cultura participativa e para a apropriação dos usuários sobre os títulos.

Acima de tudo, é possível concluir com a pesquisa que as ferramentas se adaptam com a necessidade dos usuários de interação e imersão naquela plataforma, é possível observar essa realidade se expandindo para os dias atuais com as ferramentas que não foram mencionadas nesse artigo, mas que são o atual foco do funcionamento da plataforma, o Steam Greenlight e o Steam VR, que focam ainda mais na imersão e simulação da realidade e na transformação do usuário em um produtor, agora recebendo lucros por seus esforços.

Referências bibliográficas:

Grasiel, Felipe. A história da Steam. Oficina da Net, 2016.Disponível em: <https://www.oficinadanet.com.br/post/17519-a-historia-da-steam>. Acesso em: 19/11/2020

https://store.steampowered.com/about/ Acesso em: 19/11/2020

https://www.valvesoftware.com/pt-br/about Acesso em:19/11/2020

O Steam e a produção de conteúdo pelos próprios jogadores (SOARES, Nilson, 2013) Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Nilson_Soares2/publication/328792508_O_Steam_e_a_Producao_de_Conteudo_pelos_Jogadores/links/5be36eae4585150b2ba6c5eb/O-Steam-e-a-Producao-de-Conteudo-pelos-Jogadores.pdf>. Acesso em: 20/11/2020

Fan culture e mods: a dimensão do multiverso cultural dos games na internet (SANTOS, André; AZEVEDO, José, 2016) Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/90842/2/174862.pdf> Acesso em: 20/11/2020

O capital social em rede: como as redes sociais na internet estão gerando novas formas de capital social (RECUERO, Raquel, 2012) Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/6295/4671> Acesso em: 20/11/2020

Cultura e Cibercultura: princípios para uma reflexão crítica (RUDIGER, Francisco , 2011) Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/logos/article/view/1502/1595> Acesso em: 20/11/2020

O jogo não acabou: relações entre apropriação lúdica e produção de sentido nos videogames (FERREIRA, Emmanoel, 2020) Disponível em: <https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistafamecos/article/view/33957/26093> Acesso em:22/11/2020

Fans, Blogger and Gamers (JENKINS, Henry)

(Essa postagem se refere ao ENSAIO FINAL da matéria de ESTUDOS DA CULTURA DIGITAL ministrado pela professora Gabriela Borges)

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Ana Paula Oliveira
DIG&TAL
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Estudante de Comunicação, apaixonada pelo conteúdo infanto-juvenil e educativo.