A Farsa da ideia americana de José Martí e a solução de José Bonifácio

Uma homenagem aos 251 anos de José Bonifácio de Andrada e Silva

Rafael Nogueira
Convite à Filosofia

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O cubano José Martí escreveu, em seu livro “Nuestra America”, que devíamos nos livrar da influência europeia e norte-americana por meio do estudo da “nossa Grécia”, antes do estudo sobre a Grécia Clássica. Isso tudo emerge de uma mentalidade que via nos EUA os substitutos dos antigos colonizadores da América Latina.

E o que seria a “nossa Grécia”? As civilizações indígenas que aqui havia antes da chegada dos europeus.

A meu ver, ele foi bem infeliz na analogia. Pensou nos fundadores da Civilização Ocidental e buscou os fundadores de uma Civilização Latina. Isso não funciona porque não nos ajuda.

As civilizações pré-colombianas da América são muito mais semelhantes àquelas da Antiguidade Oriental que à Grécia Clássica. Ou nossa influência deverá ser próxima à cultura oriental (sempre tendo poder centralizado, e governantes inspirados por divindades, quando não são as próprias), ou nossa influência é grega, ou seja, é inspirada no exemplo do homem trágico, que se vê jogado no meio universo tendo que entendê-lo por si só, tendo que criar seus modelos políticos, tendo que pensar, tendo que dialogar. TERTIUM NON DATUR.

A quem tiver a ideia de me dizer que na cultura indígena da América Latina de ontem havia desenvolvimentos incríveis do ponto de vista técnico, saiba que isso não altera em quase nada o meu ponto. Só altera na medida em que devemos incorporar essas conquistas e esses valores, mas eles não podem ser “a raiz”. Desenvolvimentos técnicos extraordinários na China Antiga também havia (pólvora?), na Índia também havia (número zero?), no Egito também havia (embalsamento? camisinhas?), etc.

A experiência grega é a do homem comum que se lança na tarefa de pensar o Ser, e na tarefa do “construir junto”. Eles não inventaram todas as coisas úteis, é claro. Mas eles nos trouxeram o pensar, o modo de aproveitar essas descobertas e acumular esse conhecimento, a forma de observar a realidade e tentar entendê-la e explicá-la, sem precisar recorrer a iluminações de cunho místico ou religioso.

José Martí é o homem reverenciado pela Revolução Cubana (9 a cada 10 prédios cubanos recebem o nome dele), e por grande parte dos latino-americanos que querem “se livrar” da influência do irmão do Norte.

De minha parte, acho que pensar, dialogar, produzir e, enfim, parar de tanto blablablá e de tanta brincadeira, dá mais certo que inventar fontes de influência que servem mais para ilustrar discursos persuasivos que propriamente para ensinar a viver e a edificar uma cultura independente. Dirão que isso nos coloca numa condição de dependentes da cultura norte-americana e europeia, mas vejamos.

O nosso fundador, José Bonifácio de Andrada e Silva, era versado tanto na cultura clássica, quanto na ilustração europeia de sua época, o final século XVIII. Seu sonho para o Brasil era o de um “novo assento para as ciências”. Era o de um país onde todos os segmentos sociais, raciais e culturais seriam incorporados à cidadania. Era o da pátria dos que, vivendo alegre e indisciplinadamente, conseguiriam, ainda assim, produzir, entender, pensar, racionar. Era o de um local com um povo escolarizado, e consciente dos últimos avanços da tecnologia, da economia, da filosofia. Era o de um povo harmonizado com a natureza, precursor que era da ecologia.

Bonifácio escreveu suas ideias confiante que os brasileiros, se não fossem esmagados pelo despotismo, seriam “os atenienses da América”. Calculou essa raiz cultural para o Brasil crendo que, dela, surgiria um tronco forte onde qualquer enxerto seria bem-vindo, como uma riqueza a mais, uma vez que ele foi um dos primeiros a conceber a ideia um país onde todos os habitantes do mundo seriam bem-vindos. Essa é nossa história. Esse é o nosso sonho original. Isso sim é realizável. Que a Grécia Clássica seja bem-vinda e que, um dia, consigamos ser os atenienses da América!

Hoje, José Bonifácio completaria 251 anos! Viva, grande Andrada!

Há brasileiros que ainda não esqueceram seu pensamento, suas lutas, suas conquistas, suas amargas derrotas, e que se nutrem disso para repensar o Brasil, ao invés de buscar conselhos em cubanos equivocados.

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Rafael Nogueira
Convite à Filosofia

Estudioso pangnoseológico inspirado pelo exemplo da noz: cérebro bem nutrido protegido por uma casca grossa.