Cool Talks — Ana Holanda

Filipe Mendonça
CoolHow Creative Lab
6 min readFeb 2, 2016

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A gente não poderia apresentar a Ana Holanda daquele jeito clichê, falando que ela já ganhou diversos prêmios de jornalismo, que há cinco anos é editora-chefe da revista Vida Simples e que também toca seu projeto pessoal, o Minha Mãe Fazia. Nada de Ctrl+C e Ctrl+V no perfil do LinkedIn ou descrições prontas para falar da nossa nova parceira de cursos, que chega em março para falar de escrita afetuosa.

Conversamos com a Ana sobre os conhecimentos que ela está trazendo para o CoolHow, sua carreira, livros e filmes favoritos e até guilty pleasures. Olha como foi:

O que significa escrita afetuosa para você?

A escrita, que eu chamo de afetuosa, é aquela em que a pessoa conta uma história, a partir da própria perspectiva e do outro também. Costumo dizer que é cada vez maior o número de pessoas (que trabalham ou não com comunicação) que escrevem apenas para si mesmas, partindo apenas do seu olhar. E isso pode acontecer de muitas formas. Quando você utiliza palavras muito rebuscadas, tempos verbais muito longos, você está dificultando a leitura. Da mesma maneira, se você não se coloca como parte integrante do texto, se não se coloca no lugar do outro, também não consegue estabelecer uma conexão. Então, peca-se no que é a função primordial da escrita: estabelecer uma comunicação, um diálogo.

Pode parecer óbvio, mas o óbvio está sendo esquecido, especialmente hoje com a preocupação excessiva de estar presente em diversas mídias. Daí, a gente esquece do que é simples: qual a melhor maneira de se contar aquela história? Quando você para de se preocupar tanto — ou apenas — com a forma e se envolve com a essência do texto, consegue tocar o outro.

O que estamos vivendo hoje na escrita não é muito diferente do que experimentamos no dia a dia. Estamos tragados pelo excesso e esquecendo do que é, de fato, essencial.

Quando você começou a desenvolver esse conceito? Foi por alguma necessidade ou foi uma oportunidade que você enxergou?

Desenvolvi isso ao longo dos meus 20 anos de jornalismo, conversando, ouvindo, lendo. Quando saí da faculdade, eu estava com todas as fórmulas na cabeça: lead, narrativa, jornalismo científico, literário… tudo tinha a sua “caixinha”. Mas aí você vai pro mundo e percebe que as pessoas não podem ser colocadas em “caixinhas”. E a comunicação nada mais é do que interagir, perceber, entender, se relacionar com as pessoas. Isso é sútil. É como perceber as linhas finas da vida. Me dei conta que eu só conseguiria antigir o outro, fazer meu texto reverberar, se eu olhasse verdadeiramente para o outro. Conseguimos isso não apenas conversando, mas observando, percebendo o entorno. Quando estou entrevistando alguém, fico atenta às pausas, aos suspiros, ou quando o olho brilha. Isso diz muito e ajuda a construir a história, a alinhavar o que nem sempre as palavras conseguem dizer. Mas se você não está atento, simplesmente não se dá conta de que tudo isso está acontecendo diante dos seus olhos.

Você é editora-chefe da revista Vida Simples há cinco anos. Aconteceram mudanças na forma de se comunicar com o público?

Trabalhar na revista Vida Simples é um aprendizado diário. Não existem fórmulas prontas. A linha editorial da publicação permite que o jornalista seja parte integrante do texto. Ele pode contar ou não sua própria história, fazer uso da primeira pessoa (eu) e, muitas vezes, do nós. Pode parecer bobo, mas quando você utiliza o “nós” pressupõe que você faz parte daquilo também.

Em Vida Simples o jornalista não é apenas alguém que relata, ele está inserido na história, como dizemos na revista, na “nossa história”. E isso é acolhedor e não poderia ser diferente. Uma revista que se propõe a ajudar as pessoas a encontrarem um sentido na vida, que mergulha nas angústias e nos dilemas cotidianos, que aponta caminhos e instiga a reflexão precisa acolher — sem apontar direções ou soluções como se fosse o dono da verdade. E só conseguimos realmente fazer isso quando olhamos para o outro do mesmo patamar.

É claro que a revista ao longo dos seus 13 anos de existência já passou por algumas mudanças gráficas e editoriais. Mas nunca abandonou a sua essência, que é ajudar o leitor a ter uma vida com mais sentido.

Qual é, na sua opinião, o erro mais comum na hora de se comunicar com o público?

É não olhar verdadeiramente para o outro. Gosto muito daquelas imagens, que se propagam aos monte nas redes sociais, de cenas em que todos olham fixamente para a tela do celular e não percebem a vida acontecer ao redor. Estamos fazendo exatamente isso quando nos comunicamos: acreditamos que a nossa verdade, o nosso olhar é também o do outro. Daí, os equívocos acontecem aos montes. Gasta-se tempo e dinheiro com uma ideia que não dá certo, que não tem empatia.

O que as pessoas podem esperar do seu primeiro curso no CoolHow?

Um mergulho dentro da gente mesmo. Porque é preciso se despir dos nossos pré conceitos para então treinar o olhar em relação ao outro. Vamos falar sobre o que é simples e das obviedades que estão tão esquecidas. Para isso, pretendo conversar muito, contar muitas histórias, trazer referências (de livros, autores), revelar o processo de criação de Vida Simples — das escolhas da pauta às escolhas das imagens — , dar exemplos de bons textos, propor alguns treinos de edição e de uso da linguagem. E como contextualizar tudo isso em outros formatos de mídia. E espero que, ao final, todo mundo fique com gostinho de quero mais.

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Algo que gosta, mas tem vergonha…

Gosto de comer manga me lambuzando. Meu pai em ensinou a comer assim. ele colhia do pé e eu e meus irmãos descascávamos com a boca, puxando a casca com os dentes. E isso faz um tremenda sujeira. O caldo escorre pelos braços. Não tem jeito mais gostoso de comer, mas não dá para fazer em público. É um prazer solitário ou para dividir com poucos e íntimos. Em público, como com garfo e faca mesmo.

Se pudesse ser alguém, seria…

Gosto bastante de ser quem sou.

Se nascesse em outra época, nasceria em…

Talvez daqui a 100 anos. Sou uma pessoa bastante esperançosa em relação à humanidade. E espero que as próximas gerações sabiam viver com mais liberdade e respeito em relação ao próximo e às suas escolhas.

Melhor filme do mundo…

Aquele que conversa com a gente. E isso varia tanto, né? Depende muito do momento em que estamos vivendo. Gostei bastante, por exemplo, de A Vida Secreta de Walter Mitty. Assisti novamente dias desse. Fala muito sobre o atual momento que estamos passando no jornalismo e, de certa maneira, na vida.

Melhor livro do mundo…

Os livros também variam demais de momento de vida, né? Teve uma época em que mergulhei de cabeça nos livros de Gabriel Garcia Marques. Adorei Cem Anos de Solidão. E li muitos, muitos livros dele. Me encantava com seu realismo mágico. Recentemente, fiquei profundamente tocada com o livro A Menina Quebrada, da ótima jornalista Eliane Brum; e também com a delicadeza descrita no livro Kyoto (de 1962), do autor japonês Yasunari Kawabata.

Se só pudesse comer uma comida para o resto da vida, seria…

A da minha mãe, cozinheira de mão cheia e quem me ensinou que a comida alimenta não só o corpo, mas a alma e nos ajuda a tecer nossas histórias e nossas relações.

Ana Holanda, chegando hoje ao nosso Medium e em breve ao nosso Quintal

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