Cool Talks — Charles Watson

Filipe Mendonça
CoolHow Creative Lab
7 min readMar 8, 2016

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Quem vê Charles Watson dando aula na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, guiando excursões em museus e viajando pelo Brasil com seus cursos, não imagina que ele já foi lutador de boxe amador, servente de pedreiro, trabalhou em um pesqueiro de arrastão e até como coveiro. “Nada anormal para um escocês”, diz ele. Ah, para quem não sabe, Charles nasceu na Escócia, mas escolheu o Brasil como casa há mais de três décadas.

Em julho do ano passado, convidamos Charles e seu workshop “O Processo Criativo” para vir a BH. Inédito na cidade, o curso foi um sucesso e agora volta com novo nome — Creativity MasterClass: Módulo Sol na Barriga, entre os dias 11 e 13 de março. Quer ter uma ideia de como vai ser? Então sente-se (e segure-se) na cadeira, pois hoje tem Cool Talks com Charles Watson. Olha como foi o papo:

Charles, explique o nome do primeiro módulo do Creativity Masterclass. Sol na barriga? Como assim?

“Sol na barriga com um milhão de raios” foi a expressão que Pablo Picasso usou para descrever Matisse e a diferença entre um gênio como ele e um artista mediano. Ele estava insinuando que quando você ama o que faz, você faz mais, faz melhor, aceita os sacrifícios que qualquer processo criativo demanda e se torna mais capaz de perceber as nuances que fazem a diferença na sua área de atuação. A chamada genialidade acaba sendo o acúmulo de sua produção no dia-a-dia, ou como ele fala em outro momento “genialidade é personalidade com um tiquinho de talento.”

Na verdade, tudo depende de você mesmo. É o sol na barriga com um milhão de raios. O resto não é nada. É só por esse motivo que Matisse é Matisse — porque ele leva o sol na barriga. E é também o motivo por que, de tempos em tempos, algo acontece. A obra que se cria é uma espécie de diário. (Pablo Picasso — Tériade, 1932)

Qual é o maior obstáculo para se tornar mais criativo?

O maior obstáculo para a criatividade talvez seja estar enfiado num trabalho ou atividade que não traz real significado para sua vida. Mas existem muitos outros, como preguiça, medo de errar, intolerância à ambiguidade, dificuldade de pensar de forma divergente, meio impróprio (uma sociedade ou ambiente que não valoriza sua atividade), grupos cuja energia está mais investida em batalhas hierárquicas do que em interconectividade, e fluxo cognitivo.

Quais são os maiores mitos do processo criativo ou do ser criativo?

Criatividade não se trata de pílula mágica ou de “baixar o santo”. Ao contrário do que o senso comum sugere, a criatividade não é uma qualidade livre e autônoma que pode ser dissociada do envolvimento verticalizado com uma atividade ou linguagem específica. Quem não investe não lucra ou, como diz o escritor Robert Heinlein, “não há boca livre no universo”. Assim sendo, “estratégias” ou “técnicas” criativas só se tornam eficazes na presença de forte comprometimento ao longo de um tempo mínimo necessário para internalizar as regras do jogo.

Alcançar o desempenho criativo em seu nível máximo requer paixão, tempo de investimento, curiosidade, persistência, tolerância a ambiguidades e coragem para aceitar que muitos erros virão pela frente — erros não são apenas permitidos, são uma pré-condição para criação.

E talentosas não? Qual é a importância de talento?

Se com talento você quer dizer uma habilidade inata, então não confio neste termo.

Uma pessoa nasce com habilidade para tocar piano, escrever uma poesia ou desmontar um carburador? Acho que não. As regras que definem essas atividades precisam ser aprendidas e os circuitos neurais que as possibilitam são criados ao longo dos processos de aprendizagem.

Pesquisas conduzidas ao longo das ultimas décadas sugerem que, se é que o talento existe, ele não seria suficiente para garantir uma vida criativa. Nós sabemos que existem crianças bem dotadas, mas, curiosamente, é raro que se transformem em adultos que fazem a diferença dentro das suas respectivas áreas de atuação.

Tendemos a achar que produtos incomuns são fruto de processos incomuns. Na minha experiência, produtos incomuns são frutos de processos comuns. Se uma pessoa é talentosa mas preguiçosa e não faz nada, então quais são os fatos que vamos avaliar para discutir o seu talento? E se não existem fatos — textos, obras, estratégias — então o que estamos discutindo?

“Se as pessoas soubessem quanto tive de trabalhar duro para conseguir minhas coisas, não pareceria nada tão espantosa o que faço” (Michelangelo)

Você menciona uma regra de 10.000 horas. Por que 10.000 horas?

A chamada “regra de 10.000 horas” vem do trabalho de pesquisadores como K. Anders Ericsson, Michael J. Howe, Jane W. Davidson, John A. Sluboda e outros, que descobriram que é muito raro alguém fazer uma contribuição significativa na sua área de atuação sem ter passado aproximadamente 10 anos ou 10.000 horas envolvido com o seu assunto. Isso é uma estimativa do tempo, em média, que uma pessoa leva para internalizar informações suficientes do seu ramo para poder formular perguntas cruciais e criar o que é chamado de conhecimento tácito.

Existem pessoas que conseguem tal feito ainda muito jovens, mas se analisarmos a grande maioria delas, como Mozart, Tiger Woods, Picasso, Jaqueline DuPré, Ayrton Senna, Michelangelo, Masaccio, veremos que elas começaram a estudar seus respectivos assuntos ainda muito jovens, e por isso atingiram os 10 anos de familiaridade bem cedo, com 14, 15 ou 16 anos de idade.

Não é que isso em si seja suficiente. Existem outras considerações, como a chamada “prática deliberada”, que é procurar trabalhar justamente as questões que apresentam maior dificuldade. Em meu livro “Um Leão Por Dia”, digo que essa seria a tendência de procurar problemas ao em vez de evitá-los — sem as conotações negativas que aparecem na cultura popular.

A educação formal compromete a criatividade?

Educação formal, na maioria dos casos, é caracterizada pelo que chamamos de pensamento convergente: respostas certas para problemas bem delineados, penalizando sistematicamente o erro, ensinando o que pensar ao invés de como pensar. Pensamento convergente é importante, porem não suficiente para a dinâmica criativa.

A única coisa que a ausência de erro comprova é que a pessoa nunca experimentou algo novo. Todo sistema que penaliza o erro é destinado ao fracasso mais cedo ou mais tarde por estar eliminando possíveis respostas para futuros problemas.

Pensamento convergente é associado aos chamados sistemas robustos. Um sistema robusto é um sistema desenhado para ser forte e resistir abalos. O problema é que, quando ele falha, a falha é catastrófica. Um sistema resiliente, por outro lado, considera a possibilidade de abalo e tende a ser mais flexível.

Bate bola, jogo (não tão) rápido

Se pudesse trocar uma ideia com qualquer criativo da história, quem seria e o que perguntaria?

Não acho que os mecanismos que determinam a criatividade mudaram muito ao longo dos anos, já as circunstâncias e o que é considerado criativo, sim. Eu perguntaria o que acham sobre coisas de agora. De vez em quando, voando em icy altitudes, eu imagino conversas com Leonardo da Vinci, tentando explicar sobre o funcionamento da asa enquanto muda seu perfil em pouso e decolagem, depois o funcionamento da turbina etc., penso sobre as perguntas que ele faria.

O melhor livro do mundo é…?

Eu não tenho a menor ideia de como responder. Li muitos bons livros que gostei, bons livros que não gostei, além de livros ruins que me deixaram com coisas muito importantes. Mas se eu tivesse que escolher, eu diria todas as peças de Shakespeare, que acompanharam o meu amadurecimento emocional.

O melhor filme do mundo é…?

A mesma resposta da anterior. Mas se eu tivesse que escolher, eu diria talvez “La Jetée” dirigido por Chris Marker. E se eu puder incluir seriado de televisão, sem dúvida, seria Breaking Bad, que tem aspectos fortemente Shakespearianos e que foi brilhantemente dirigido.

O que o Charles de hoje diria ao Charles de 30 anos atrás?

Eu diria que envelhecer é bom (desde que a saúde acompanhe). Diria para criar um bom nome, que sua reputação será a sua própria moeda. Diria para não ser abalado pela opinião da maioria, que vamos concordar, sempre foi equivocada.

Trabalhe muito:

Trabalho em si pode ser transformador, desde que associado a uma atividade significante.

Concessions:

Não faça concessões por conta de medo de como vai ser visto. Se estiver trabalhando numa área que ama e se tiver feito o trabalho necessário (e além do necessário) então confie na energia que só isso é capaz de liberar. Aqueles cujas vidas lemos nos livros de história, não são aqueles que seguiram os caminhos mais fáceis.

Erros:

Aceite que se for investigar terrenos novos, você vai errar, e muito; então vá se acostumando. A grande maioria das suas ideias simplesmente não vão ser muito boas. Pense bem. Se só 5% das suas ideias têm valor e você só tem 3 ideias por ano, não vai muito longe. Se tiver 60 ideias, então vai ter 3, e perante 3 ideias boas, ninguém lembra dos erros.

Teria muitas outras coisas a dizer mas não caberia aqui. Talvez eu digo coisas nas minhas palestras que eu sei que são importantes de lembrar. Tenho um amigo chamado Cadu que sempre fala para os seus alunos que ele dá aula e palestras para ouvir a sua própria voz dizendo as coisas que ele sabe que não pode correr o risco de esquecer. Ele dá aula para lembrar como viver a sua vida na maneira mais repleta possível.

Então, diria para mim 30 anos atrás: “tente viver a sua vida de acordo com o que você ensina, e faça com ética e o máximo de rigor possível”.

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