Vingadores: Guerra Infinita e as reflexões filosóficas de um titã onipotente

CRÍTICA

Vincent Sesering
Coquetel Kuleshov
6 min readMay 1, 2018

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Uma das cenas mais bonitas do filme mais recente do universo Marvel acontece logo depois de um estalar de dedos, quando o vilão Thanos se vê num cenário onírico — e até lynchiano, eu diria — e enxerga, no horizonte como se fosse um oásis, uma de suas filhas ainda criança o encarando. Por mais que ela não esteja necessariamente expressando qualquer tipo de julgamento, ao nos depararmos com ela pela perspectiva do titã, conseguimos sentir o peso da culpa sobre seus gigantescos ombros. O momento de respiro se estende por preciosos segundos e se contrapõe ao encadeamento frenético de encontros, conflitos, missões, batalhas e sacrifícios que é Vingadores: Guerra Infinita. Este ápice dramático só se faz possível porque ao longo da enfadonha estrutura de vaivém que norteia o roteiro, a apresentação de quem realmente é Thanos é o que melhor funciona.

Já na primeira sequência, sem rodeios ou introduções, o filme começa logo após um genocídio promovido pelos lacaios do tirano na nave Asgardiana na qual se encontravam Thor, Loki, Hulk e companhia depois de Thor Ragnarok (filme anterior a este na cronologia da Marvel). A eficiência do script se apresenta logo aqui. Em minutos aprendemos que o vilão não é do tipo que faz ameaças vazias, que é extremamente poderoso e que, por meio das Jóias do Infinito, que busca nos confins do universo, ele está a caminho de se tornar detentor de um poder irremissível. As jóias em questão, que já tinham sido apresentadas duas ou três vezes, são novamente explicadas, desta vez por Wong, colega do Doutor Estranho. Aprendemos que elas existem desde o Big Bang e que têm atribuições de controle de mente, alma, realidade, poder, espaço e tempo.

É a partir daí que se revela o esquema do roteiro e o da montagem. Pulando de núcleo em núcleo, o filme nos apresenta dezenas de heróis em pequenos grupos que trabalham paralelamente para impedir os avanços do vilão. Enquanto parte dos Guardiões da Galáxia auxilia Thor, parte se dirige à Terra e, enquanto parte dos Vingadores vai a Wakanda, parte vai ao espaço. Thanos, enquanto isso, atropela qualquer um que se atravesse em seu caminho para atingir seu objetivo final. O script se apoia num tripé bem definido: a interação entre os personagens, que se desdobram em comentários espertinhos e choques de personalidade; o desenvolvimento do vilão, exposto tanto através dos próprios monólogos megalomaníacos quanto por meio da reputação; e os diversos conflitos físicos entre heróis e heróis e heróis e vilões. Os três alicerces desta estrutura apresentam seus altos e baixos, mas o problema que têm em comum é que, assim como a cena de abertura citada, não têm tempo de se recuperar os momentos negativos ou de aproveitar os momentos positivos.

É curioso que, enquanto o titã busca sacrificar a metade dos seres vivos do universo em busca de um equilíbrio absoluto, o próprio roteiro em si acaba se tornando vítima desta “estabilidade” exagerada entre os pilares narrativos e fica enfadonho justamente por fazer a aposta esquemática de não priorizar nenhum deles. Isso faz, por exemplo, com que cenas de sacrifício importantes sejam intercaladas com cenas de trânsito de heróis ou que grandes batalhas como a que acontece em Wakanda sejam interrompidas frequentemente para que o espectador não se perca nos acontecimentos paralelos. Os irmãos Russo, que já haviam dirigido as duas continuações de Capitão América, assumem o papel de dirigir o elenco e trazer alguma coesão para a obra. E se eles conseguem, além de alcançar esta coesão, balancear muito bem o humor e o drama das interações entre personagens, quando o assunto é ação, o resultado se demonstra irregular.

Os diretores se superam visualmente em relação à cinzenta e horrorosa cena da batalha no aeroporto em Capitão América — Guerra Civil. Utilizando toda sorte de cenários e situações, eles trazem a luta para luas devastadas, ruas nova-iorquinas, campos africanos, ruelas escocesas e naves espaciais. Já na direção e coreografia das cenas de ação, contudo, os diretores ainda não conseguem ser completamente inventivos sobre como lidar com a miscelânea de habilidades dos heróis. Às vezes funciona, como quando em determinada cena Doutor Estranho, Homem de Ferro, Homem-Aranha e o Senhor das Estrelas conseguem brevemente subjugar o vilão. Mas no cerco a Wakanda, por outro lado, a escaramuça entre os exércitos liderados pelo Pantera Negra mais vingadores de segunda linha contra um exército de criaturas animalescas genéricas, a ação é repetitiva e não consegue disfarçar o fato de que só existe para criar uma situação que vá atrasar a trama enquanto o vilão principal se ocupa dos outros heróis.

Apesar de tudo isso, o antagonista acaba se demonstrando o grande acerto do filme, superando expectativas tanto de quem já o conhecia nas histórias em quadrinhos, como de quem já o estava esperando desde 2012, quando deu as caras pela primeira vez na cena pós-créditos do filme de estreia do supergrupo. Para além de se mostrar um desafio à altura de todos os personagens já apresentados, a construção filosófica das ideologias que o movem é o que faz com que os poucos momentos de respiro da trama valham a pena. Mesmo sem poder ousar muito dentro das rédeas impostas pelo roteiro ao personagem, Josh Brolin traz um peso emocional na atuação de captura de movimentos e na entonação de voz durante os discursos, diálogos e monólogos de Thanos. Ele transparece, no fim de tudo, um niilismo resultante das experiências literalmente milenares do personagem. E ainda que a lógica do plano não faça total sentido (por que eliminar metade dos seres vivos do universo?), não há como não nos compadecermos com o que ele sente — o que é um feito verdadeiramente impressionante para um ser tão absurdamente poderoso e distante de nós mortais.

No filme, a destruição de parte do universo é a maior ameaça, mas na vida real, aqui, onde o universo cinemático Marvel nada mais é que uma aposta bilionária na maior franquia da história do cinema norte-americano, o fantasma que mais assombrava o lançamento de Guerra Infinita era o da expectativa. Por mais que não seja o fim da chamada “fase 3” do universo, que ainda carece de O Homem Formiga 2 e Vingadores 4 para se resolver, este filme representa o fim de um ciclo de dez anos que, para o bem ou para o mal, revolucionou a indústria. Mesmo que as expectativas financeiras tenham sido atendidas, porém, será que cinematograficamente o filme entrega tudo o que promete?

Os encontros entre heróis funcionam tão bem quanto era possível e o vilão não decepciona (pelo contrário!), mas o resultado do filme enquanto obra cinematográfica sofre de um problema que vários dos outros 18 filmes anteriores: uma carência de resolução. É claro que isso já era esperado, já que, até outro dia, o título oficial era “Guerra Infinita: parte 1”, mas o roteiro não parece se esforçar para tentar disfarçar. É só contar quantas das pequenas, médias e grandes missões dos diferentes grupos de heróis dão em alguma coisa e quantas só atrasam os planos do vilão (e dos roteiristas). E mesmo que encadeando os eventos e tentando encaixá-los numa estrutura básica de início, meio e fim, consigamos compreender os atos do filme, a impressão geral ao longo das duas horas e meia é a de um vai e vem um tanto desordenado de núcleos espalhados pelo universo.

Mas como é graças a um dos melhores vilões da Marvel (quiçá do cinema de heróis como um todo) que o filme nos segura até o seu desfecho, é também graças a ele que a expectativa para Vingadores 4 (que ainda não tem título oficial) está ainda maior. É claro que o filme deixa um gancho aterrador ao seu fim e um gancho um pouco mais esperançoso na cena pós-créditos — o que já é suficiente para gerar curiosidade — mas o que mais me interessa nesta grande resolução do ano que vem não é tanto a pergunta que todos fazem “e agora?” mas sim algo que o próprio Thanos deve questionar: “valeu a pena?”

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