Um sonho de verão alemão

Pedro Umberto
Coração de Roma
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4 min readAug 4, 2020

Aqui vai um aviso para os despercebidos que se restringem ao título: esse texto não se refere a nenhum filme. Sim, eu sei, parece nome de filme ruim que é reprisado de dois em dois meses na Sessão da Tarde. Mas não é disso que falaremos aqui. Na verdade ele resume toda a ilusão que moverá milhões de pessoas ao redor do mundo nesse mês de agosto.

Para o romanista a temporada 2019–2020 foi bastante decepcionante. Afinal, finalizada mais uma Serie A, a Roma se vê fora da Liga dos Campeões pelo segundo ano consecutivo, conseguindo dessa vez ficar atrás até do seu maior rival. Quis o destino, porém, que o romanista tivesse mais uma oportunidade de sonhar ainda nessa temporada. E se alguém se acostumou a sonhar no futebol italiano nos últimos anos, esse alguém é o romanista.

Sem comemorar um título desde 2008, os últimos anos para o torcedor da Roma foram marcados pelo sonho de voltar a gritar siamo campioni! Mas se as coisas não deram muito certo dentro dos gramados, fora deles a situação foi ainda mais desesperadora. Nesse tempo, o romanista viu seus dois maiores ídolos serem praticamente chutados do clube por um dono americano que ninguém sabe quando esteve na Itália pela última vez. Viu times competitivos serem desmontados da noite para o dia. Viu seus principais jogadores serem vendidos à preço de banana e se consagrarem longe de Roma. No entanto, apesar de tudo isso o romanista nunca abriu mão de sua fidelidade à camisa.

Todos anos estivemos aqui. Alguns presencialmente lotando as tribunas do Estádio Olímpico. Outros de longe, seja escrevendo em blogs, seja arranjando links piratas na internet para acompanhar aos jogos da equipe de semana em semana. A troco de quê? Acho que nenhum romanista sabe responder à essa pergunta.

Talvez seja essa a segunda grande coisa em comum que todo romanista tem. Se a primeira característica que une a todos é, obviamente, o fato de torcerem pela Roma, a segunda é o gosto pelo sofrimento. Ninguém em sã consciência decide torcer pela Roma esperando ver muitos títulos. Então por que, cargas d’águas, alguém, que não tenha nascido na capital italiana, torce pela Roma? De novo, acho que nenhum romanista sabe responder à essa pergunta.

Talvez tudo isso seja questões para a psicologia. Afinal, torcer para Roma é um ato extremamente impiedoso e praticamente de autoflagelação. Mas sabe qual o pior disso? É que apesar de tudo o que foi enumerado anteriormente o romanista continua criando expectativa (deve ser por isso que sempre sofremos tanto e nos desapontamos tanto com a Roma).

E lá vamos nós de novo!

Devido à pandemia da Covid-19, que paralisou o futebol europeu por volta de quatro meses, a Uefa decidiu que as competições internacionais seriam jogadas em agosto. A Roma, viva na Europa League — que será jogada na Alemanha — , volta totalmente as suas atenções para o inédito título. Mas é bem verdade que são nessas situações que o tombo é mais alto.

Quem não lembra do confronto contra o Panathinaikos em 2010 com direito a três gols dos gregos em três minutos? Ou da partida de volta contra a Fiorentina, em 2015, quando, depois de empatar em 1 a 1 em Florença, tomamos também três gols nos primeiros 21 minutos de jogo em Roma? Ou do confronto contra o Lyon, dois anos depois, quando vencíamos fora de casa por 2 a 1, mas tomamos três gols e fomos eliminados em casa porque nos faltou um golzinho apesar do domínio avassalador?

O romanista experiente já sabe muito bem que não se deve criar nenhuma expectativa para a partida contra o Sevilla. Mas, até mesmo o mais calejado dos romanista se permite sonhar. Talvez fosse melhor a Roma terminar a temporada em baixa, jogando mal e sem ganhar os últimos jogos. Mas é justamente pela razão contrária que o romanista parece se iludir novamente…

Depois de muito esforço, Paulo Fonseca parece que finalmente encontrou o seu time e seu esquema tático ideal. É bem verdade que Smalling fará uma tremenda falta, mas Ibañez caiu como uma luva na zaga. Bruno Peres e Spinazzola, como alas, mudaram da água para o vinho. E o principal, Zaniolo voltou a ser Zaniolo, depois da lesão que o tirou dos gramados por seis meses (disparada a melhor notícia desse final de temporada para o romanista).

Nos esportes americanos, quando uma zebra desanda a eliminar os favoritos e avança nas competições mata a mata, é comum chamá-la de Cinderela. E se a Roma quiser ser campeã europeia vai precisar se inspirar na princesa, afinal, os romanos tiveram a “sorte” (já tradicional nos sorteios europeus) de caírem no lado mais difícil da competição. Caso consiga passar pelo Sevilla, a Roma provavelmente enfrentará o Wolverhampton e depois, muito provavelmente, o Manchester United, se quiser chegar na final. Parece impossível que a Roma consiga passar por todos esses confrontos. E de fato é. Mas quem vai nos negar o direito a sonhar?

Seja como for, na quinta-feira, a Roma embarca em mais uma incógnita europeia. Só o tempo (que esperamos que não sejam apenas 90 minutos) nos dirá ser um outro fiasco ou uma epopeia. Como nos filmes ruins da Sessão da Tarde, nós romanistas esperamos que o final seja feliz.

Que o espírito da Cinderela possa nos permitir sermos chamados assim na mesma Alemanha em que os Irmãos Grimm popularizaram a fábula. Que possamos viver algo bom e novo no agosto alemão. Forza Roma!

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Pedro Umberto
Coração de Roma

Jornalista latino-americano pela UFRJ, mas queria mesmo ser o Cartola.