Elisa Felix
Corações fragmentados
2 min readApr 6, 2023

--

Sempre em frente

(reprodução da internet)

Está chovendo, eu sei que está porque vejo poças se formando no chão a medida que meus pés batem de forma ritmada, não reduzo o ritmo.
Continuo, sempre em frente.
Não sinto a chuva que molha meu rosto e gruda meus cabelos em minha nuca. Não sinto meus cabelos ou qualquer outra coisa.
Não sinto nada.
Faz meses desde a última vez que senti algo e foi devastador, decidi não sentir mais.
Mas eu sinto falta as vezes, de sentir o vento no meu rosto, a areia sob meus pés, o sol aquecendo a minha pele.
Isso me lembra ele e eu sinto novamente aquela dor agonizante, que me quebra e me paralisa.
Por isso eu não me permito mais, a liberdade de sentir é a minha eterna e dolorosa prisão.
Então eu continuo, sempre em frente.
Corro até que meus pulmões estejam em chamas e continuo, sempre em frente.
Até minhas pernas fraquejarem e minha garganta secar.
Ainda assim, continuo, sempre em frente.
Eu forço meus pés a se mexerem. Um, dois, um, dois.
Isso é algo que eu posso aguentar, a dor e o desgaste físico que esse exercício me causa.
Mas se eu parar, nem que seja por um segundo, o meu coração em frangalhos vai ser exposto e é aí que está o risco.
Se eu parar, se eu permitir que os sentimentos voltem, eu vou desabar.
Eu já desabei, não sei de onde tirei forças para me reerguer, mas aqui estou eu.
Seguindo, sempre em frente.

Perdê-lo foi como morrer, mas sem a parte fácil.
Ele ficou com a parte fácil, ele foi embora.
Ele partiu!
Me abandonou aqui nesta terra seca e sem vida, sem cor, sem brilho.
Eu não posso mais admirar a lua ou o céu ou os pássaros.
Nada mais faz sentido, porque ele não está aqui.
Ele não está aqui.

E eu continuo, sempre em frente.
A minha visão está embaçada, não sei se são lágrimas ou é a chuva, não sinto, não sei a diferença.
Sugo o ar com força para continuar a corrida até que…

Splash

Um carro parou
Em uma poça
Na minha frente

Menos de 30 centímetros nos separam.

Eu senti a água da chuva me encharcar.
Sinto o calor que emana do motor do carro.
Sinto as lágrimas que caem desenfreadas pelo meu rosto.

Eu voltei a sentir tudo.

Voltei a sentir e dói.
Porque a primeira coisa que veio em meus pensamentos foi “Por que ele parou?”
Percebo que ainda estou tão destruída como antes.
Não me reergui e essa percepção é dolorosa.
Então faço a única coisa que ainda sei fazer.

Eu continuo, sempre em frente.

--

--

Elisa Felix
Corações fragmentados

Sem início, sem fim… Um eterno e talvez aconchegante MEIO.