Elisa Felix
Corações fragmentados
3 min readApr 11, 2023

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Um farol

(reprodução da internet)

Tive medo de perder tudo que batalhei tanto para reconquistar, tive medo de não conseguir aproveitar a vida da forma correta e sinto as lágrimas de pavor que molham meu rosto enquanto encaro o capô daquele carro, que parece estranhamente familiar.



Minha amiga está ao meu lado, me perguntando se estou bem. Não consigo responder.

Estou em pânico.



A porta do carro se abre, um homem desce com a preocupação estampada em seus olhos claros, verdes ou azuis?

Não consigo determinar.

Ele parece em pânico.



Seu olhar percorre todo meu corpo, procurando por algum arranhão, então sua expressão muda.

É um olhar de reconhecimento.

Seus olhos encontram os meus novamente e ele sorri.

Um sorriso tão lindo, tão genuíno.



Mesmo não lembrando dele, tenho vontade de sorrir também, só para retribuir.

Mas não consigo.



- Eu me lembro de você, ele diz, nem acredito que nos encontramos assim novamente.

A dúvida deve ter ficado evidente nos meus olhos, pois ele logo acrescenta "já faz mais de dois anos, mas acho que foi bem nessa rua, eu quase atropelei você"

A lembrança retorna e eu me vejo novamente naquele dia chuvoso em que eu quase morri, o dia que me fez reviver.

O motorista do carro está me observando com tanta atenção, como se lesse todas as emoções que estão passando por mim nesse momento, como se realmente entendesse.

Ele se aproxima, me encarando com uma intensidade desestabilizante, percorrendo meu rosto com seus olhos castanhos (tão claros) que me pergunto o que ele está vendo de tão interessante. Ele estende uma mão e tira o cabelo grudado na minha bochecha, é um carinho tão inesperado que me faz estremecer.

Então, me pegando totalmente de surpresa, me abraça.



"Fico muito feliz em te ver bem, fiquei tão preocupado da última vez, vê-la hoje renovou esperança." Ele diz "naquele dia você parecia decepcionada por eu ter parado, hoje você estava apavorada. Deu para ver o seu alívio."



Enquanto me afasta, ainda sorrindo, o seu cabelo já está encharcado e grudado na testa, mas ele parece não se importar.



"Seja lá o que tenha acontecido, antes e agora, você recuperou sua vontade de viver e posso ver nos seus olhos. Espero que paremos de nos encontrar dessa forma, não sei se meu coração aguenta tanta emoção."

Nós três rimos dessa tentativa de humor num momento tão tenso, minha amiga agradece por ele ser tão bom motorista. E eles riem de mais uma piada ruim que dessa vez eu não consigo entender.

Ainda não consegui dizer uma palavra.

Continuo encarando o homem estranho que, por duas vezes, salvou a minha vida. De formas que ele nem imagina.

Ele já está se despedindo, voltando para o carro, quando finalmente consigo encontrar as palavras que eu já deveria ter dito, talvez dois anos atrás.



"Obrigada, naquele dia... você mudou tudo."

"Eu não fiz nada, só pisei no freio, foi você quem mudou tudo."

Com o seu sorriso que mais parece um farol iluminando aquela manhã nublada, ele acena mais uma vez e volta para o carro, pede mais uma vez que eu preste atenção ao correr por ali e vai embora.



"Uau, que momento intenso, quem é aquele homem?"

Eu solto o ar que nem sabia estar prendendo quando percebo a verdade que estou prestes a dizer, com um sabor amargo arrependimento e curiosidade se misturando à sensação de alívio que percorre meu corpo.



"Eu não faço a mínima ideia".

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Elisa Felix
Corações fragmentados

Sem início, sem fim… Um eterno e talvez aconchegante MEIO.