Adotando a linguagem neutra de gênero
por Paula Ribas
Somos uma empresa de tecnologia. Até aí, você já sabe. Em 2015, passamos a usar "desenvolvedoras/es" em todos os anúncios de vagas, como uma tentativa de deixar o texto mais inclusivo. A mudança teve um impacto imediato: recebemos muitas manifestações positivas, principalmente de mulheres desenvolvedoras, que se sentiram mais incluídas e representadas do que geralmente se sentem quando se deparam com vagas para "desenvolvedor".
Paralelamente, um email sobre linguagem neutra de gênero deu início a uma discussão interna sobre qual seria a melhor ou mais inclusiva forma de se referir a um grupo de pessoas ou até mesmo a uma pessoa só, sem para isso precisar enquadrá-la em um gênero específico. E como resultado dessa discussão, mudamos novamente o texto das nossas vagas: "procuramos pessoas desenvolvedoras de software".
Também recebemos muitas manifestações positivas depois dessa segunda mudança. E o impacto da discussão não foi somente no texto das vagas. Internamente, a discussão que se iniciou por email cresceu, ganhando momentos para debates nos escritórios e dando origem a um guia para uso da linguagem neutra.
O que afinal é linguagem neutra de gênero e por que ela é importante
A linguagem neutra de gênero é uma forma de comunicação que procura superar a binaridade entre feminino e masculino, usando para isso a neutralidade para se referir às pessoas. A linguagem binária de gênero — mesmo quando usamos a forma feminina e a masculina juntas — não é representativa para todas as pessoas, porque existem pessoas que não se identificam com os gêneros feminino e masculino.
Na língua portuguesa, além de não existirem alternativas neutras, por exemplo quando usamos pronomes pessoais na terceira pessoa (eles, elas), o gênero masculino é dominante em relação ao feminino. Por padrão, quando nos referimos a grupos de pessoas que incluem homens e mulheres, usamos a forma masculina.
Usamos por padrão também formas masculinas para nos referirmos a pessoas de gênero desconhecido. Quando nos dirigimos a quem está lendo um texto, por exemplo, é comum usar "leitor", "se você ficou interessado", etc. Em geral, só usamos formas femininas para nos dirigirmos a públicos-alvo especificamente femininos, reforçando estereótipos de gênero, como pode-se observar nos exemplos abaixo.
Resultados de busca no Google para: revista + “você está pronto”:
Resultados de busca no Google para: revista + “você está pronta”:
Como adotar a linguagem neutra de gênero?
Não existe um guia definitivo ou um manual a ser seguido para a adoção da linguagem neutra. É um exercício de buscar formas alternativas para formular frases que nos acostumamos a usar, quase sempre, no masculino.
No entanto, algumas dicas práticas podem ajudar.
Para substantivos usados da mesma forma no masculino e no feminino, evite usar artigos ou pronomes que determinem gênero.
Nossos clientes » Clientes da empresa
Os líderes da empresa » Líderes da empresa (ou as lideranças da empresa)
Os participantes do evento » Participantes do evento (ou as pessoas participantes / que participaram do evento)
Para substantivos que variam de acordo com o gênero, use “pessoas”.
Desenvolvedores » Pessoas desenvolvedoras / que desenvolvem
Funcionários » Pessoas que trabalham na empresa
Executivos » Pessoas executivas / em posições executivas
Para se referir a grupos de pessoas, procure por formas alternativas de representar o grupo.
Os diretores » A diretoria
Os coordenadores » A coordenação
Os deputados » O Congresso / A Câmara
Para se dirigir a quem está lendo um texto, pense em alternativas que não definam gênero.
Você está pronto? » Você é uma pessoa pronta / preparada?
Ficou interessado » Tem interesse? / Interessou-se?
Mantenha-se atualizado » Continue se atualizando
Mas por que não usar x ou @?
O “x” e o “@” na grafia das palavras não são pronunciáveis, o que limita seu uso à linguagem escrita e os torna não-acessíveis para pessoas com deficiência visual. Além disso, o fato de não terem impacto na linguagem oral não promove uma real transformação na forma de nos comunicarmos.
E se o texto soar estranho?
Por sermos pessoas tão acostumadas a usar os padrões da linguagem binária predominantemente masculina, é comum que as alternativas apresentadas para o uso da linguagem neutra soem “estranhas”. Mas não é estranho também o fato de usarmos formas masculinas para nos referirmos a pessoas que não se identificam com o gênero masculino? O que é mais estranho? Talvez seja necessário repensar nossos padrões e mudar nossa forma de olhar para a língua e para a linguagem.
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