Pessoas não são recursos, bater meta não é competência.
A tensão criativa entre objetivos de negócio e aspirações pessoais
As pessoas estão infelizes e adoecendo com a dinâmica do universo do trabalho. Segundo a pesquisa global da AON (empresa global de serviços profissionais que fornece soluções em aposentadoria, saúde e risco), menos de 24% das pessoas são engajadas com o que fazem, e esse número vem caindo. Isso sem falar nas várias histórias de depressão e ansiedade causadas por modelos de gestão com metas agressivas e sistemas de avaliação baseados em competitividade.
Edgar Morin escreveu em seu livro A via para o futuro da humanidade: “Mesmo para quem está fora das fábricas, esse arquétipo da era industrial ainda nos persegue. Permanecemos como mais um elemento produtivo. Imbecis autômatos especialistas em bater metas, sem tempo e espaço para desenvolver potencialidades e criar sentido sobre o próprio trabalho.” Morin ressalta que o trabalho é a maior vítima da hiperespecialização do século XX. Porque pessoas abrem mão de seus sonhos e aspirações para cumpir metas e passar uma parte significativa de suas vidas em movimentos horizontais e verticais definidos por planos de cargos e salários de uma empresa. Uma cadência de assujeitamento coletivo que considera que pessoas são recursos.
Será?
É claro que o ambiente de trabalho mudou. Hoje temos escritórios mais coloridos, cheios de post-its, espaços lúdicos, videogames, piscinas de bolinhas e cerveja liberada. A hierarquia vem cedendo espaço a formatos mais horizontais. Mas a questão é: a lógica de carreiras em que pessoas são recursos, alocados para se movimentarem horizontalmente e verticalmente na pirâmide hierárquica, continua a mesma.
Ou seja, não importa se a empresa é uma startup ou uma multinacional. Se possui um chef de cozinha, mesa de pingue-pongue ou tem um discurso estetizado sobre propósito. Ainda se pensa em padronizar as jornadas individuais para que os alvos e as metas da empresa sejam alcançados e, idealmente, superados. E pronto! A permanência insistente de uma lógica sutil e perversa de enquadramento das pessoas, que garante a capa da revista, o passeio de iate e os voos de primeira classe para C-Levels e/ou pessoas fundadoras da empresa. Parece familiar?
E daí? Daí que não funciona mais.
Que as pessoas não cabem mais dentro das antigas salas. De aula, reunião ou estar.
E, sim, outro caminho possível já existe.
Push&Pull
Uma das características de empresas que se propõem a inovar e se manter relevantes para o mundo é a diversidade — a combinação e o encontro de diferentes competências, habilidades, trajetórias, vivências e estilos de trabalho e de pensamento que as pessoas trazem para o grupo.
Nesse contexto, é importante situarmos “diversidade” não apenas como mais uma palavra da moda. Estamos falando mais do que de um grupo de pessoas diferentes que trabalham juntas, mas sobre a riqueza da dinâmica que acontece entre elas, e essa abordagem está em total sintonia com mudanças comportamentais importantes pelas quais todos os segmentos de mercado e da sociedade têm passado.
Criar um contexto estimulante para o desenvolvimento das pessoas passa a ser exercício constante e permanente de empatia, e é somente por meio dessa projeção que conseguimos ter conversas de valor, entendendo “valor” como o que é importante e faz sentido não apenas sob a ótica da organização, mas para as várias stakeholders que compõem o seu cenário.
E é aí que há uma dificuldade grande de entender como essas variáveis de aspirações individuais e de negócio precisam conversar e o quão desafiadora é a missão de promover o desenvolvimento de pessoas considerando um cenário que prima pela diversidade.
Temos, então, o Push&Pull, uma tensão criativa entre objetivos de negócio (push) e aspirações pessoais (pull), para que cada pessoa possa trilhar o seu próprio caminho. Nela a empresa e as pessoas crescem juntas, vivenciando um propósito genuinamente coletivo e construído de forma colaborativa.
Se por um lado a empresa precisa ser mais responsiva à necessidade de transparência e confiança para que as pessoas saibam o que ela defende, aonde ela quer chegar e como ela pretendem cumprir sua promessa nas diferentes dimensões organizacionais (projeto, área, setor, região e mercado em geral), por outro, as pessoas precisam desenvolver autonomia, autoconhecimento, buscar feedbacks para não seguirem apenas um caminho pré-definido.
E os momentos de Push&Pull servem como uma ferramenta para ajudar as lideranças da empresa a compartilhar os desafios emergentes e, ao mesmo tempo, contribuir para que cada pessoa entenda o seu papel e tenha seus objetivos contemplados para um futuro melhor para todo mundo, e não apenas para quem está no topo da pirâmide hierárquica. Essa perspectiva sistêmica nos permite compreender melhor a complexidade dos momentos que compõem as jornadas individuais (entrada na empresa, onboarding de projeto, mudança de papel, mudança de função), que, em integração com outras frentes (lideranças diretas, times de trabalho, executivas da empresa) criam a tensão criativa para a definição de expectativas compartilhadas.
E quando compreendemos os momentos e as ferramentas dos processos de Push&Pull (feedbacks, 1:1s, avaliações de jornada, revisão salarial), temos mais possibilidades de pensar e discutir ações e movimentos que conduzam à emergência de propósitos, seja individualmente ou em grupo, mais flexíveis, evolutivos e que fazem sentido.
O Push&Pull convida você a refletir e a criar novas perguntas sobre a sua jornada o tempo todo. Em vez de voltar o foco para o trabalho do futuro, concentre-se em entender o que é progresso e sucesso para você hoje. Entenda o que é valor para o negócio (seja ele qual for). E cocrie expectativas que façam sentido. Essa dinâmica tem impacto direto na vida das pessoas e no sucesso das empresas.
Inovar é cada vez mais a condição básica de sobrevivência
Inovar é cada vez mais a condição básica de sobrevivência para as empresas. Parar de tratar as pessoas apenas como recursos e considerar a criação de um contexto estimulante para que elas possam conviver, aprender e se tornar a melhor versão delas mesmas é um caminho que conduz à inovação colaborativa. A melhor versão de cada pessoa faz da empresa uma empresa melhor.
Para serem bem-sucedidas na próxima década, as pessoas precisarão se conhecer cada vez mais, ter a habilidade de gerenciar a própria trajetória profissional e não delegar isso para ninguém, muito menos para um CNPJ. A construção do Pull vai apoiar você no desenvolvimento de competências adaptáveis para navegar em um cenário em constante mudança.
E acredite: “Daqui a um ano você vai desejar ter começado hoje!” (Karen Lumb). Então, comece agora mesmo a cocriar o seu futuro possível.
Push&Pull na prática
// Você precisa ser a pessoa mais interessada no seu sucesso. Seja protagonista e não delegue isso a ninguém. Ninguém sabe mais do que você o que é melhor para você.
// Não aceite enquadramentos. Não aceite trilhar caminhos definidos por outras pessoas.
// Não sabe exatamente o que projetar para o futuro? Tudo bem! Ninguém sabe, em maior ou menor grau.
// Esteja no fluxo dos acontecimentos. Conecte-se. Esteja em movimento, preste atenção, converse com as pessoas, crie as oportunidades.
// Você deve construir as oportunidades que permitam que você seja você mesma. Mas seja uma versão de você melhor a cada dia.
// Você pode ser o que projetar ser, independentemente de gênero, classe social, raça ou outros fatores que podem gerar preconceitos e vieses. Eles existem, mas precisamos lutar contra eles. Diversidade não pode justificar desigualdade de oportunidades.
// Não desista fácil, mas saiba abrir mão quando perceber que algo não faz mais sentido para você, seja um emprego, um empreendimento, uma aposta ou um projeto. Não desista sem tentar, mas não deixe que as novas oportunidades encontrem você ancorada.
// Aprenda. De novo e novamente.
Aprenda sempre.
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