O cordão Diário Comunitário
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2 min readJul 29, 2021

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Ainda se lembram de como era antes? Antes dos filhos. Antes da parentalidade e das escolhas de adulto que fizemos.

Antes organizávamos jantares e as discussões separatistas ficavam entre o verde fresquinho ou a cerveja gelada. Conversávamos abertamente sobre tudo. A bola, o álbum novo do não sei quê, o restaurante fascinante naquele sítio isolado, o vestido dos saldos, até sobre as eleições presidenciais. No fundo falávamos de tudo o que era irrelevante nas nossas vidas. Estava tudo ok. Estávamos ok na forma como partilhávamos a vida de cada um. Comentávamos a rotina do outro sem receio: ‘Tu só bebes um café de manhã? Epa não, tens de comer alguma coisa. Experimenta papas. Ah lembrei-me agora, vou comprar aquele bilhete, queres vir também?’

Esta receita funcionava: tema 1, desacordo, conselho, tema seguinte: ok

Agora não.

A era da comparação chegou. Veio cheia de longas conversas sobre como é que cortas ou não as etiquetas da roupa do teu filho. E agora os pequenos temas são grandes debates de opiniões: ‘Ah não. Para nós é sempre sem parabenos, devias ver isso.’ — e entra o silêncio constrangedor.

Queremos mostrar que fazemos as melhores escolhas. As mais informadas. As que receberam mais aplausos de… ninguém. Porque somos diferentes e mais meticulosos na escolha de cada pedaço de ar que damos a cheirar ao nosso filho.

No fundo, andamos todos ao mesmo: criar gente feliz e saudável. Só que uns vão de bolacha maria outros a pão garantidamente sem sal.

Tenho saudades do antes. Juro que tenho. Para mim o mais difícil não tem sido criar o meu filho. Eu conheço-o. Ele diz-me se estou a ir bem ou não (mesmo que um parabeno ou outro lhe caia na pele).

Para mim, o mais difícil, tem sido tudo o que mudou à minha volta. As relações que mudaram.

Sinto falta de como estávamos antes. Tenho saudades de discutir entre frango assado ou grelhada mista para o jantar.

Há uma pandemia e um filho atrás, os nossos encontros eram todos mais leves. Era tudo diferente. Falávamos de tudo e menos de filhos. Éramos jovens com manias e passámos a adultos entediantes.

Lembram-se daquela coisa que se dizia quando alguém iniciava uma relação, ‘vê lá se te lembras dos amigos, não é só namoro’. A lógica era manter as amizades para o caso do romance acabar.

Com os filhos podia ser igual. Mantínhamos a leveza dos relacionamentos antigos, e quando os nossos filhos romperem connosco (voarem, vejamos), lá estão as relações bonitas do passado. Gostava que depois deste mede-pilismo da parentalidade, voltássemos aos abraços de copo cheio. Porque não? É que eu sinto falta disso.

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