Sara Guia de Abreu
cordão
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3 min readMay 15, 2021

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Bullying às mães.

Parto vaginal é que é um parto a sério. É animal, instintivo, sagrado e transcendental. O teu corpo sabe o que fazer, confia que vai dar certo.Se fizeres esta meditação e acreditares no teu poder ancestral, garanto-te que vais ter um parto orgásmico. De preferência dentro de água. Não te esqueças dos óleos essenciais e recusa qualquer medicação.

Ah fizeste cesariana? Lamento, não temos nada para te dizer.

Não deixes que lavem o teu bebé ao nascer. Não deixes que te levem o bebé ao nascer. Não te esqueças de atrasar o corte do cordão umbilical. – Se não o fizeres o teu bebé vai ficar doente mais vezes, garantidamente, e a culpa é tua.

Vais sentir um amor avassalador quando vires o teu bebé pela primeira vez. Não sentiste? Também não temos nada para te dizer.

Não uses biberão, olha que vai estragar a pega. Não lhe dês chucha, estraga os dentes. Livre demanda: lembra-te que desististe de horários quando decidiste engravidar. Agora aguenta. Se ele precisar de estar 3 horas na mama, dá-lhe 3 horas na mama. Não importa se estás exausta, se são 4 da manhã ou se tens os mamilos em carne-viva. A culpa é tua. Nem penses em dar-lhe fórmula, esse veneno. O quê, não amamentas?…

Não lhe calces esses sapatos, têm de ser uns especiais, que respeitam a tração ao chão, a forma do pé, o caminhar. E que sejam vegan.

Não lhe digas que não, não o contraries. Se passar por mal educado, não ligues, estás a criar uma criança em liberdade.

Já leste este livro? E aquele? TENS de seguir esta página do Instagram.

Não lhe dês papas nem sopas, deixa-o explorar a comida livremente. Na creche dão papas e na casa da avó sopas? Mas ele tem é de aprender a comer brócolos e cenouras à mão senão vai ter alergias alimentares no futuro e a culpa é tua. Já ouviste falar em BLW? TENS de fazer. É infalível!

Não lhe compres roupa nova, não contribuas para a poluição e o capitalismo. Tem de ser tudo em segunda-mão, de fibras orgânicas, vegan e fair-trade.

Fraldas descartáveis são um crime. Mesmo que às vezes ele precise de mudá-las 3 vezes no espaço de 10 minutos. O ambiente agradece. E a tua máquina de lavar roupa também, que vai estar sempre ao serviço.

Brinquedos de plástico? Nem aceites, a pessoa que os comprou tem certamente um talão de troca.

Não o ponhas a ver desenhos animados, se ele não vir, não sabe o que são. A televisão é o ópio do povo, faz mal aos olhos e cria adição. Tal como o açúcar: por isso se fores a casa da avó não a deixes dar-lhe nem um mini pedaço do bolo que acabou de sair do forno. Melhor mesmo é nem a deixares tomar conta do teu bebé, corta-se já o mal pela raíz.

Aguenta sozinha, não precisas de ajuda. You got this, mama!

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É bonito assistir a um movimento crescente de mães e pais mais despertos para a parentalidade positiva, para as questões ambientais e sobretudo para a melhoria das condições para um parto respeitado. Informação é, de facto, poder.

Mas no meio de tudo isto, instala-se uma pressão social sobre todos os aspectos da maternidade, um fundamentalismo que inadvertidamente rotula de “incompetente” e até de “antiquada” qualquer mãe que faça escolhas diferentes. Nem falo das opiniões não solicitadas dos familiares e amigos: hoje falo mais das páginas de Instagram e das várias plataformas online que ao invés de servirem como ponto de partilha e apoio, fazem precisamente o oposto, numa imposição cega da sua perspectiva (única).

Como a minha “doula”, que ao saber que o parto do meu filho ia ser induzido se recusou a acompanhar-nos no hospital porque ia contra a sua perspectiva. Hoje agradeço este acontecimento, tenho a certeza de que esta era a última pessoa que eu precisava comigo naquele momento.

É que isto de criar humanos é para ser feito em tribo e aquilo de que precisamos mesmo é de nos apoiar uns aos outros, mesmo que não façamos as mesmas escolhas.

Não há soluções infalíveis nem técnicas milagrosas que garantam adultos saudáveis, empáticos e independentes. Aquilo que resulta, é aquilo que resulta para ti e para a tua família. Mesmo que isso seja não amamentar, dizer que não de vez em quando, dar papas ou usar fraldas descartáveis.

O bebé está bem quando a mãe está bem.

Vamos lá deixar-nos de fundamentalismos?

A culpa NÃO é tua e tu ÉS a melhor mãe do mundo para o teu bebé.

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