O cordão Diário Comunitário
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2 min readJul 1, 2021

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Custa-me escrever que este verão sou só eu, sem um minúsculo ser a crescer dentro de mim com todo aquele nervoso miudinho e segredos bons de partilhar. Os últimos 3 verões começaram assim, com uma feliz e esperada gravidez mas que terminava passado algumas semanas ou meses em aborto. Foram verões de tanta alegria mas mais tristeza, e de consultas, sustos, sangue, hospitais, mais consultas, imenso sangue, comprimidos, toneladas de sangue, e ainda mais tristeza. Três verões a ter todos os cuidados e três verões que nunca pareciam dar certo. Ponho a mão na barriga e sei que não está lá nada, nem vai estar, já decidimos, mas tenho de repetir para não me esquecer. Não suporto mais um aborto, não suporto ouvir de novo o médico, a cada ecografia, dizer “hmm” seguido de um silêncio demorado. De passar 12 horas com contrações e desmaios sucessivos, de ir para o hospital onde nos enfiam medicamentos e utensílios por nós acima sem explicações e sem nunca ouvir “como é que se sente?”, de sair da praia a correr com um mar de sangue e coisas variadas a escorrer por mim abaixo até à areia, de ouvir “eu já tive 10 abortos, isso passa, tens de continuar a tentar vais ver que consegues”. “Tens”?! Chegou-me bem a vez no hospital em que esvaziaram o que havia dentro de mim para um balde, ou quando o meu filho de 3 anos acordou assustado a meio da noite com o som da ambulância a levar-me sabia lá ele para onde, ou quando cheguei no 1º dia após confinamento ao escritório e senti tudo a fugir pernas abaixo. até ao chão. do escritório. em frente ao chefe. Já não quero mais este carrossel na nossa vida, nem no meu corpo. Posso decidir? Posso? Obrigada.

Maria

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