Sara Guia de Abreu
cordão
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3 min readJan 24, 2022

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Hoje ela faz 14 anos. Dez anos desde que a conheci, nem consigo acreditar bem como é que o tempo voou até aqui. Quando me apaixonei desmedidamente pelo pai dela, abri-lhe as portas do meu coração mas foi, até hoje, o maior desafio da minha vida. Tinha então 27 anos e ser mãe não estava nos meus planos. É claro que eu não sou a mãe dela e também nunca pretendi substituí-la (até porque a mãe dela é do caraças e longe de mim chegar-lhe aos calcanhares). Mas eu ainda queria curtir a vida livremente: depois de várias tentativas falhadas tinha finalmente encontrado o homem com quem queria viver tudo (sem horários, por favor). Mas amá-lo a ele era amá-la a ela também. E era sobretudo (achava eu naquela época), estar a par dos horários do karaté, tratar das roupas que iam e vinham entre a nossa e a casa da mãe, planear férias com outra pessoa que não fazia parte do meu agregado, ir levar, ir buscar, ter sempre sopa feita, garantir que dorme a horas e o suficiente, garantir que come os legumes e a fruta, que o gelado não é grande demais e que ajuda a pôr a mesa. E as birras para tomar banho. E os trabalhos de casa. E os planos cancelados por causa da febre. E ainda que só a tempo parcial, senti-me muitas vezes sozinha, senti-me muitas vezes exausta, senti-me muitas vezes a confrontar os meus traumas da minha relação com a minha mãe, senti-me muitas vezes como todas as mães que ouço hoje em dia queixar-se desse baque da personalidade individual que desaparece sabemos bem lá para onde, para se concentrar em absoluto no modo-mãe.

Nove anos depois de a conhecer engravidei e ela passou a ser irmã mais velha. E esse choque, esse baque, esse cansaço, essa exaustão, esse confronto, nunca chegaram. Apercebi-me então que, sem a sociedade querer, sem eu me aperceber, sem ninguém nomear, eu já era mãe, eu sempre tinha sido mãe. Desde o primeiro dia em que nos conhecemos e fomos os 3 fazer um piquenique e até plantámos uma árvore. Sem sabermos, plantávamos nesse dia a semente da nossa família.

Foi ela que fez de mim mãe, foi ela que me trouxe os desafios da maternidade, foi ela que me ensinou o amor sem condições, foi ela que me transformou para sempre. Ser madrasta, quando se quer – e se pode – estar presente na vida dos nossos entes, também é uma forma de maternar, ainda que a sociedade não nos reconheça esse papel, ainda que a conotação com essa palavra ainda seja tão negativa. (Obrigada, Disney.)

Ela hoje faz 14 anos e eu tenho tanto orgulho na miúda em que se transformou e nas histórias todas que já vivemos. As viagens que já fizemos, as canções que cantámos no carro. As conversas profundas, o dia em que lhe contámos que ia deixar de ser filha única. As suas conquistas. O seu sentido de humor.

Se hoje sou uma mãe tranquila e que está a viver esta experiência de ter um bebé de uma forma muito positiva, é definitivamente por causa dela. E da equipa que sempre fiz com o seu pai.

Sou madrasta, sou mãe.

(Parabéns, miúda.)

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