O cordão Diário Comunitário
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4 min readSep 1, 2021

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Hoje oiço o deglutir da minha bebé enquanto mama e parece-me ser o motivo feliz que leva o meu dia. Ela está a mamar! Mas nem sempre foi assim.
Foi há muito pouco tempo, pois contamos perto de dois meses apenas neste percurso de vida abençoada. Foi há pouco tempo que eu a tinha na mama, para lhe dar a sua melhor refeição, e ela adormecia. Foi há pouco tempo que eu fazia mil e uma ginásticas para a manter interessada em comer, e não dormir, mexendo-lhe por todo o corpo… Ao mesmo tempo tocar a minha ansiedade com o pensamento de que não ia desistir, e que íamos conseguir. E para tudo é preciso tempo… E tempo para o tempo, quando as coisas não se resolvem. Foi há pouco tempo que eu espremia as mamas pois era dessa forma que me parecia que conseguia ajudá-la a beber leite. Mas não estava a ser suficiente. Sentia-me estafada, emocionalmente. Não encontrava, nos momentos em que amamentava, regojizo, tal como senti outrora. Era isso que eu procurava sentir…. Isso, entre todas as certezas que também era o melhor para a minha bebé e para a família. O desejo de sentir alegria e paz num momento só nosso, era um motor. Foi há pouco tempo que via os meus dias entre a ginástica de tentar dar mama e espetar-lhe biberões logo a seguir. Pensar, como se fosse a mais difícil equação do momento, quantos ml de leite fazer: 30, 60, 90 ml… Mas a minha bebé parecia sempre ter fome, fizesse a quantidade que fizesse, ela mamava, e quase sempre não dormia, chorava, e eu pensava que ela queria beber mais biberão. Juro, de todas essas vezes, não corri a fazer mais leite por todas as informações e calma que procurava ter e a mais sonante ideia era a de não lhe dilatar o estômago… “Caramba, ela não Mamou nada na mama, para querer tanto tanto leite no biberão”, pensava eu vezes sem conta, triste. Mas não desisti. Não desisti contra as vozes que também te amam mas não sabem “ser”, nestes momentos; não desisti contra os profissionais de saúde que diziam que estava tudo bem, “pega excelente, tudo excelente”, mas ela não se estava a alimentar devidamente. Não desisti quando estes não me sabiam dizer o porquê porque estava tudo bem… e era tipo, “deixa-te de m***, dá mas é biberão á tua filha!”, como se a questão fosse eu não querer dar biberão! Eu só queria era poder dar mama!!! Por mim, por ela, por nós, porque esse era o meu desejo e eu não estava a conseguir, nós não estávamos a conseguir… Por algum motivo, na minha cabeça acalmava a ideia de que era uma bebé nascida por indução, e isso ajudava a justificar(-me).
Não queria que a minha filha passasse fome e entendi que o momento que estávamos a viver, de tanta perda de peso, exigia que eu calasse todos os meus desejos e motivações, e fosse um bocado além dessas vozes… Sim, que lhe desse leite adaptado e sim, estava tudo bem. Mas não era assim que eu via a nossa continuação. Pus na minha cabeça que seria uma fase, necessário para um up! E não desisti de nos sentir num momento sem intermediários.
Procurei ajuda: tive aqui em casa uma presença que se tornou querida e estivemos num momento de partilhas, focado ali, em nós mas não nos fez transpor o obstáculo. Acabei por ir a uma consulta de osteopatia pediátrica. Só sei que a minha bebé nem cócó fazia e fez logo três vezes, depois de virmos de lá. Uns exercícios certos e uma explicação sobre o real motivo de estarmos a viver esta dificuldade, tornou tudo mais leve e eu mais certa de que estávamos quase a conseguir.
Tomou duas latas; acabando a segunda não compramos mais nenhuma. Na balança do centro de saúde assistimos aos seus ricos 3,570kg! Sim, de maminha. Porque o up do leite adaptado tinha nos levado, felizes, aos 3 kg e depois, o resto do percurso, fizemos nós, com dor mas no amor, que não desiste do que sente. Claro, no meio disto, convém-nos procurar melhores vozes, vozes que sejam verdadeiras e que não nos espetem a solução vai fácil acima! E acima de tudo, ouvir a nossa voz!! A nossa!
Tudo isto para dizer que o caminho daquilo que é o nosso desejo nem sempre é fácil. Esta minha bebé é o meu segundo filho, e dei de mamar ao primeiro, três anos. Tudo isto para dizer que nós nada sabemos mesmo quando sabemos… Porque cada filho é um filho! Tudo isto para dizer que quando o percurso nos leva a cantos que não pensávamos, está tudo bem, onde quer que estejamos, está tudo bem. Só não devemos perder, em canto algum, a força motriz que habita o nosso coração, o forte desejo que temos em fazer algo, em dar algo, em ser algo. E se porventura não der mesmo, aceitar mas não desistir até ao último momento em que tudo em nós proclama outras alternativas; e no meio disto, pode acontecer que tudo aquilo em que acreditamos, acontece.

Texto anónimo

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