No mínimo, que seja um amor ensaiado

Andrea Guerreiro
cordão
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2 min readSep 11, 2021

Há muita resistência à ideia de criar os filhos com apego, pela dificuldade que implica cuidar sem reciprocidade. Damos amor, sim, somos o porto seguro dos nossos filhos, ótimo para eles. Mas eles não significam o mesmo para nós. É aos companheiros e companheiras, amigos e familiares adultos, que recorremos para nos enchermos do amor e da segurança que nos sustenta.

As crianças, em particular os bebés, estão constantemente a precisar de apego (cuidado, amor, segurança). É esgotante. Principalmente se virmos que o adulto é muito mais auto-suficiente e recorre às suas fontes de apego apenas quando está particularmente cansado, triste ou doente. E nesses momentos, não são os nossos filhos que nos escutam, acolhem e cuidam.

Passamos uma vida inteira vivenciando relações recíprocas de amor e amizade, terminando casamentos quando há desiquilíbrios, afastando-nos dos amigos quando há desinvestimento. Perseguindo um grau de reciprocidade praticamente impossível de alcançar, gerindo, a cada dia, feridas de quem dá demais e recebe de menos e, por esse motivo, se sente infeliz. Altura em que seguimos para outra.

Para depois nos tornarmos pais e nos dizerem "dá amor e não esperes receber". Entrega tudo e recebe choro, frustração, recusa em dormir ou comer, birras, insatisfação permanente. E não podes seguir para outra.

Ninguém nos prepara para isto.

Mas sabem quem não tem culpa nenhuma do nosso despreparo? Os nossos filhos. Não podemos forçar uma vinculação que não sentimos, mas podemos, pelo menos, escolher dar-lhes um amor ensaiado. Fazer bem, por conhecermos as necessidades e fragilidades deles, mesmo que não tenhamos vontade de estar ali. Ao invés de optar pela autoridade, pela gestão das suas vidas com o propósito de obter obediência (uma forma deturpada de reciprocidade, manifestada na concordância forçada e numa anormal quietude).

Acredito piamente que esse é o nosso dever social para com as nossos filhos. Amar, amar, amar, mesmo sem retorno. Até que cheguem sorrisos, palavras expressas de carinho, beijos, abraços, noites de sono ininterruptas, conquistas escolares que nos encham de orgulho e nos façam sentir que damos... e recebemos. É nesses dias que é mais fácil, não é? Porque é recíproco. E é isso que precisamos desesperadamente que seja.

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