O meu bebé morreu

O cordão Diário Comunitário
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2 min readJul 1, 2021

O meu bebé morreu. Morreu na minha barriga. Fiquei com ele morto dentro de mim umas 3 semanas, até que acabei por ter de o abortar. O meu bebé não queria sair e eu não queria que ele saísse.

O meu bebé não teve um funeral, não foi cremado, nem enterrado. O meu bebé acabou por ser deitado no esgoto depois de eu estar horas sentada numa poça de sangue que não parava de crescer.

O meu bebé tinha um coração que piscava muito nas ecografias, nadava de um lado para o outro e tinha muito amor, muitos sonhos e muitos planos. O meu bebé existiu como qualquer outro bebé que tenha acabado nos braços dos pais em vez de ter acabado no esgoto.

Ai que horror! Escrever que o meu bebé morreu e acabou no esgoto, o aceitável é ser objectivo, é ser científico, é fazer de conta que o meu bebé não era um bebé, que o meu aborto não foi um parto que deitar o meu bebé na sanita numa poça de sangue não foi o funeral mais triste a que já assisti.

“Pois, mas olha, é normal. Não fiques assim, eram só umas células, o termo correcto até é embrião nem era um bebé”.

Como se ser normal fizesse a morte de alguém doer menos, afinal toda a gente morre e isso, também, é normal… O meu bebé não deixou de ser o meu bebé por ser pequenino, ser um embrião e ser “só células”. E afinal, algum ser vivo é mais do que células? A objectividade acaba onde começa o desconforto de quem lida com uma mãe de braços vazios.

“Então e quando vais ter filhos?” a pergunta que me fazem há anos, como se fosse a coisa mais banal do mundo.

Não, ter filhos não é uma coisa que se quer, é uma coisa que às vezes se pode e às vezes não se pode e às vezes se quer e não pode e outras vezes não se quer e tem-se na mesma. E sorrio e digo “talvez um dia”…

Ter um bebé é duro e solitário. Não ter um bebé é duro e solitário na mesma, especialmente quando o nosso bebé morreu e toda a gente nos diz que é normal, que o nosso bebé não era um bebé, não era nada, era só células, que nós também não somos pais, não somos nada e não dá para amar só umas células.

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