o PAI da criança

Agata Xavier
cordão
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2 min readJun 7, 2021

A Sara escreveu um texto muito bonito sobre a culpa que às vezes sente por estar feliz com o apoio que tem e por não se sentir exausta num mundo de mães cansadas. Mas, caramba, não deveria ser sempre assim? Vou aproveitar e apanhar esta boleia, porque já andava para escrever um texto sobre o PAI há algum tempo e ainda não me tinha atrevido.

Sou a MÃE que fica calada enquanto as amigas se queixam dos monos que têm em casa e que, se abre a boca para dizer que está um bocadinho cansada, ouve logo um “não te queixes porque o teu é diferente”. De facto, tenho um marido que não ajuda nada, nadinha. Tenho um marido que faz. Por isso é normal que seja um PAI que faz, também.

Não sei se foi sorte, se foi karma, se o mercúrio não estava retrógrado. Sei o que foi estar do outro lado e de já não querer mais visitas do Peter Pan. Tive um namorado que, numa certa ida às compras para a casa, voltou do supermercado com uma grade de minis e um pacote de gillettes — não bebo cerveja, não faço depilação com lâmina e nunca vivi numa camarata.

Voltando ao PAI: estes pais-que-fazem, que são uma minoria, dificilmente encontram outros pais com quem possam falar sobre os desafios da parentalidade, o amor desmedido, a pressão diária, a gestão de uma casa.

São homens que também se sentem isolados na sua vivência da paternidade, que têm de enfrentar observações sobre ficarem em casa com os filhos, numa licença alargada ou por doença, sobre terem de faltar ou sair mais cedo do trabalho para levar as crianças ao médico, que sofrem muito por não estarem presentes nas consultas, nas ecografias, no parto. Sentem que lhes roubaram direitos fundamentais e momentos irrepetíveis no último ano.

São homens que são autónomos e que, como tal, sabem fazer a lida da casa, a gestão das compras, cozinhar, mexer nas máquinas da roupa e da loiça, ver se há fraldas suficientes, comprar roupa para os filhos, dar banho, confortar o bebé a meio da noite, comprar pensos higiénicos sem vergonha (ou ter de perguntar quais são), coser um buraco nas meias e até desencantar uma tablete de chocolate porque andamos desanimadas.

São homens que dizem “deixa estar que eu faço isso quando chegar a casa, aproveita para descansar um bocado”.

São homens que ouvem de outros homens “Dificultas-me a vida, seu sacana” e ficam tristes com isso; ou que ficam chocados quando ouvem os amigos a dizer às mulheres “O menino tem fome” — e é vê-las a ir resolver o assunto.

São homens que até gostavam de escrever sobre isso (e o cordão é aberto a todes) mas que não se sentem bem em partilhar a sua felicidade, angústia, sensação de isolamento, queixas ou culpa quando o mundo sobrecarrega tanto as mulheres.

Estes homens vêem-nos, sentem-nos e estão connosco, lado a lado. E têm de ser cada vez mais.

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