Sara Guia de Abreu
cordão
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2 min readNov 12, 2021

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Ser mãe fez-me deixar de existir como Sara para o mundo. Se não fosse o meu marido a lembrar-me diariamente de quem sou, já me teria perdido há muito. Será, porventura, a única pessoa para quem continuo a mesma pessoa, apesar do novo papel na minha vida. Para ele, esta é apenas mais uma dimensão naquilo que sou. Uma dimensão que faz questão de enaltecer e admirar todos os dias mas sempre, sempre fazendo-me sentir que ainda cá estou. Que não fui a lado nenhum.

“Como estás?” — gostava que me perguntassem mais vezes. Não como está o meu bebé. Eu. Como é que eu estou de verdade. Bastaria um “estás bem?” de vez em quando. Até pode vir alinhavado por entre as naturais conversas em torno do desenvolvimento do meu bebé. Eu também gosto de falar sobre isso. Mas, lá pelo meio, um simples “como estás tu?” far-me-ia sentir menos sozinha. Que aquilo que me une às minhas pessoas ainda é o mesmo. Que apesar do filho maravilho que tenho, e cujo amor que por ele nutrem é lindo de observar, eu ainda existo.

Nas últimas semanas a minha ansiedade atingiu recordes nunca antes vistos. Tenho um bebé que dorme razoavelmente bem mas eu não consigo descansar, tenho insónias intermináveis e que, ao fim de algumas semanas, me fizeram chegar ao limite do cansaço, ao limite da fadiga física e mental. Levanto-me de manhã e só consigo chorar de frustração por mais uma noite mal dormida. Choro pela falta de paciência e pela falta de força anímica para dar atenção ao meu bebé. Choro pela incapacidade total de trabalhar e funcionar nos mínimos olímpicos.

Sinto-me a pior mãe, a pior colega de trabalho, a pior mulher. Não estou a dar conta de nenhum recado, sinto-me um concorrente daqueles programas de sobrevivência no meio selvagem no 12° dia de desafio, quando o objectivo é só sobreviver a próxima hora.

Preciso das minhas pessoas. Preciso de mim com as minhas pessoas.

Nota de rodapé:

Vivo fora de Portugal num país cinzento e sem sol, onde neste momento fica de noite às 5 da tarde. Saudade é o meu nome do meio, um estado constante a que, ao fim de 6 anos, ainda não me habituei. As minhas pessoas estão todas longe, não dá para ir ali “beber só um cafézinho”, e os avós não estão aqui ao lado para aliviar a carga. Tenho bons amigos por perto mas não é o mesmo que poder expressar-me na minha língua materna. Há sempre qualquer coisa que fica por sentir noutra língua.

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