Tudo passa…
São 3h47 da manhã. Estás cansada,muito cansada. Não sabes que dia é hoje, aliás, há 3 semanas que deixaste de conseguir acompanhar o correr dos dias. Tens agora um calendário particular, só vosso, de dias com mais de 24h.
Atravessas mais uma madrugada solitária, envergando uma camisola de pijama, medalhada com as mais variadas honras: bolsado, café, restos de uma fralda explosiva e outra demais condecorações. No vosso quarto, alguém dorme o sono dos justos, como um bebé, curiosamente, não o bebé, que ao teu mais leve movimento faz por se assegurar que ainda ali estás, segurando-o, velando o seu sono.
Já o devias ter deitado, mas a visão ténue do seu rosto pequenino, iluminado pela luz de presença, impede-te de o deixar ir. Ali nas tuas mãos, jaz a personificação da partícula de Deus, o Big Bang Humano, com uma respiração leve mas compassada, enquanto um fino traço de leite escorre pelo canto da infima boquinha.
Fitas o teu bebé, como se soubesses que por mais avassalador que seja o cansaço, tudo isto um dia vai passar e este pensamemro trás consigo um aperto no peito, que não te deixa sossegar. Chamam-lhes hormonas, baby blues, uma infinidade de definições para explicar aquilo que, por mais distante que isso agora, as 3h47 te pareça, vai acontecer: tudo vai passar.
Um dia o teu bebé de poucas semanas vai olhar para ti a primeira vez, com verdadeira intenção. Os seus olhos vão-se firmar nos teus e longa será a conversa que ali terão. Esse bebé, um dia, dará a sua primeira gargalhada, os primeiros passos, a primeira corrida. O teu bebé, um dia, deixará de ser o teu bebé e será aquela criança suja e feliz que trazes agora pela mão, trauteando o resumo do seu dia.
Um dia, o teu bebé, sera um jovem cada vez mais independente e com um cordão umbilical cada vez mais esticado e repuxado mas que, se a vida assim to permitir, nunca se romperá como aconteceu com o primeiro elo que vos alimentou mutuamente.
Um dia, verás no teu bebe um homem ou uma mulher a ti semelhantes ou distintos, fruto do teu trabalho de Hércules. Nesse dia, vais ter que te sentar à mesa com o que de mais duro a maternidade te trás: a tua finitude. Se até saberes da sua existência, tu aceitavas bem a morte, a tua morte, a partir do momento em que o teu peito se rasga para acomodar o teu novo bater de coração, a morte vigora no pior dos teus medos, tudo o que tu não queres, tudo o que não podes, é morrer.
Mas até tu, um dia, passarás. Deste mundo para outro, de um formato físico e compacto, para as leves brisas de verão, para as nuvens fofas e branquinhas, para as primeiras gostas de chuva. E o que levas tu? O colo que deste, o choro que amparaste, as lágrimas que secaste. Levas os sorrisos, as gargalhadas, as histórias que contaste, os pensos que colaste nos pequenos joelhos.
Tudo passa, mesmo que agora, às 3h47, coberta de nódoas e com o teu bebé pequenino no colo, tu não acredites nisso. Tudo passa, até tu. Faz por deixar algo para quem fica.