Guilherme Rosa: “o hip hop é comunidade”

De Guarulhos/SP, conheceu a dança no tapete improvisado na quadra de basquete

Laio Rocha
corpocasa
6 min readApr 8, 2019

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Foto: Laio Rocha / corpocasa

Um jovem caminha junto com seu amigo pela quebrada em direção à pracinha que sempre vão dar um rolê, a Praça do Marcos Freire, trocando ideia sobre as novidades da área. Quando chegam no pico, veem uma galera dançando em cima de um tapete quadriculado enquanto outros batem bola no basquete.

Os olhos do moleque brilham e o amigo começa a explicar o que está rolando por ali. Seu amigo já dançava um pouco e conhecia a galera, que em pouco tempo o acolheu. De cara não mandou passo nenhum, ficou de olho, mas depois passou a arriscar um wave, aquele da ondinha. Demorou pra conseguir. Logo aprendeu que dançar não é fácil, mas vale o esforço.

Guilherme Rosa, 27 anos, dançarino com foco em danças urbanas, do Pimentas, em Guarulhos, cidade metropolitana de São Paulo, descobriu a dança aos 15 anos dessa forma, como muitos jovens no Brasil e no mundo, através da cultura hip hop que pulsa nas margens das cidades.

A sua quebrada, o Pimentas, é o bairro mais populoso de Guarulhos, são mais de 156 mil habitantes. O distrito recebe esse nome em homenagem aos indígenas que plantavam pimentas em sua origem, no século XIX, na conhecida Aldeia de São Miguel, que se estendia até a capital.

“Desde os campeonatos de basquete, o pessoal dançando de lado, pra mim tudo aquilo é o hip hop, puro e na essência. Até a movimentação do basquete é dança, tudo é dança, tudo se mistura nesse meio. Sempre era o lugar onde eu esquecia qualquer tipo de problema, ficava até altas horas”, relembra.

Foto: Laio Rocha / corpocasa

Seu primeiro professor foi o amigo Robson, com quem integrou o grupo Ritmo Urbano. Juntaram a galera que vinha dançando break aéreo e curtia coreografias do Pimentas e começaram a se apresentar em escolas, eventos beneficentes e festas na quebrada.

Uma apresentação tributo a Michael Jackson com o grupo tornou-se um dos momentos mais marcantes desse período, ao ver sua mãe chorar enquanto dançava thriller e smooth criminal. Até hoje a mãe relembra desse dia com orgulho.

O apoio dos familiares foi fundamental para continuar na dança e se arriscar na profissão, no entanto eles ficam desconfiados. “Eles prezam pelo meu bem na questão financeira e veem que é bem difícil. Eles apoiam, mesmo sabendo como é”, conta.

Ser artista periférico sempre impõe muitas barreiras, desde o momento em que saí de casa e dispõe do transporte público caro, com tarifas que variam de R$ 5,50 a R$ 7,50 reais, até as longas, demoradas e lotadas jornadas em direção aos trabalhos, todos em São Paulo. Para somar, ainda possui pouco tempo para descansar o corpo, seu instrumento de trabalho, devido as extensas horas de deslocamento.

Foto: Laio Rocha / corpocasa

As dificuldades levaram Guilherme a “tentar desistir” algumas vezes. Já trabalhou em mercado, ajudante de caminhoneiro e operador de máquina. A dança, porém, falou mais alto e de alguma forma ele sempre era puxado de volta.

Aos 20 anos, passou em uma audição para dança contemporânea, jazz e balé, em uma escola próxima de casa. Essa foi a primeira formação do dançarino, que passou 3 anos neste processo e não teve mais dúvida sobre o caminho a seguir em sua vida.

A saída dessa escola foi um movimento definitivo em sua carreira. Sentindo que ainda não estava preparado para dar aulas, foi procurar em outros lugares novas experiências e ampliar o seu conhecimento nas danças urbanas.

No Centro de Referência da Dança (CRD), em São Paulo, fez uma oficina com o dançarino Ivo Alcântara, com quem conheceu o locking, dança urbana com origem no funk e soul music dos anos 1980.

O interesse pelo locking o levou à oficina do dançarino Zildo Farias, hoje padrinho de Guilherme nas danças urbanas. “Ele que me incentivou, me levou para São Paulo, falou “tamo junto”, muitas vezes me deu o dinheiro da passagem para ensaiar e treinar com ele. Sou muito grato”.

O trabalho com o mestre o levou a integrar o grupo Percussa Locking, formado por jovens de diversas periferias de São Paulo que unem o locking à percussão corporal.

Junto com Zildo, entrou no curso de dança da ETEC e mergulhou de cabeça nos estudos. Foi um ano e meio de formação, encerrado com a dissertação Corpo de Delito, realizada em parceria com a dançarina e fotógrafa, Sarah Assunção. O trabalho investiga “as relações do nosso corpo negro, suas vivências, relações, estética, meio social, a visão sobre si, assim como, o sentimento de estrangeirismo por muitas vezes não saber sobre a sua própria história”.

“Hip hop, que é uma ferramenta de empoderamento da cultura do negro como um indivíduo que a sociedade está acostumada a expor. Mas, “desprotegendo” esse corpo que carrega várias cargas, tanto históricas quanto vivências, que com o encontro com a dança transparece em uma linha tênue, toda opressão vivida através de improvisos, freestyles, solos, falas e o bounce do hip hop.

Com isso, o fluxo e as pausas dos movimentos são a chave de todo o processo prático. A questão do olhar que atravessa toda essa particularidade e individualidade do dançarino-intérprete, complementa-se com o cuidado com a respiração e o seu deslocamento no espaço”, diz trecho do TCC.

Foto: Laio Rocha / corpocasa

O tempo trouxe novos mestres e a resposta do corpo a tudo isso é bem diferente. Nesse processo, orientado pelo professor Hugo Campos, o dançarino conheceu o House Dance, dança urbana que nasceu nos clubs de disco de Nova York e Chicago nos anos 1980.

“O house parece que desperta mais comunhão, festa e sentimento, vem de dentro pra fora, por isso eu chorei às vezes em batalhas e eventos. É o que eu tenho treinado mais, porém não gosto de me rotular, sou dançarino e vou com o que meu corpo responder”, conta.

Guilherme ainda se sente no início de carreira, apesar da trajetória de 7 anos dedicados integralmente à dança. Ele agradece aos mestres, amigos e familiares a força que teve para se manter nas artes, apesar de todas as dificuldades e que somente com foco no seu objetivo é possível aprender cada vez mais.

“O incentivo de quem está do lado de falar, “mano, eu te ajudo, tamo junto, você consegue, você é capaz”, o apoio do artista, das pessoas que convivem com você, é o mais importante. Hoje eu tento apoiar todos os meus amigos que seguem na arte, porque o que me ajudou foram essas pessoas”, completa.

Ensaio

O ensaio foi realizado na Praça do Marcos Freire, local em que Guilherme deu seus primeiros passos na dança, se aproximou e apaixonou pelo movimento hip hop e foi o principal ponto de encontro com seus camaradas durante a infância e adolescência.

Foto: Laio Rocha / corpocasa
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