Laura Ayko: “fui atrás do meu estilo”
Dança foi resposta à depressão e virou meio de vida
Tranças loiras à altura do ombro, sorriso fácil, óculos grandes de armação fina e redonda, brincos de argola longos, Laura Ayko, 18 anos, dançarina do bairro de Campo Limpo, no extremo sul de São Paulo, chama atenção onde passa por seu estilo repleto de referências afro e da cultura hip hop, fazendo coro à geração tombamento de jovens negros e periféricos.
Mas nem sempre foi assim. Desde muito jovem era obrigada a alisar o cabelo e não tinha a opção de usar as roupas que mais a agradavam. “Eu fico até com vergonha de falar. Usava chapinha, tinha cabelo de branco. É muito engraçado, porque eu me via antigamente e não me identificava com aquilo que eu fazia, era imposto pra mim”, conta Laura.
A trajetória de enfrentamento ao racismo a levou à episódios de depressão, em que o encontro com a arte e a cultura, através do teatro e dança, foram refúgio para se recuperar da doença. Deu tão certo que tornou-se profissão e modo de vida.
“Fui me transformando assim, aos pouquinhos, foi bem devagar mesmo, não vou negar não”, comenta Ayko. “O teatro me ajudou a ver que a gente não é só nosso mundinho, me ensinou a ver outras cabeças, a entender outros lados, tanto que agora meu sonho é ser psicóloga”.
Desde os 12 anos faz aulas de diferentes danças, entre elas afro, urbanas, break e pop, ela iniciou a sua carreira no Espaço Cultural CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes), casa de fomento cultural e residência de diversos coletivos, com destaque para o teatro.
“Fui para o CITA procurando fazer aulas de violão, mas não deu certo, aí fui para o teatro, no início só para matar o tempo mesmo”, relembra sorrindo. “Ali eu aprendi que a gente tem que levar a cultura a sério, ainda mais na periferia. Se não souber centralizar as coisas, se perde”.
Foram cinco anos de aulas de teatro no CITA, finalizadas após o encerramento do curso. Esse momento marcou o início da profissionalização de Laura, que passou a integrar pela primeira vez uma companhia de dança, a Cia Corpo Molde, em que manteve as aulas de teatro, agora somado às danças africanas e circo.
A Cia Corpo Molde nasceu no Campo Limpo no bojo das formações em dança promovidas pelo coreógrafo Renan Marangoni com jovens dançarinos da região. Nascido em 2013, o projeto deu oportunidade para centenas deles iniciarem as suas carreiras e desenvolverem as suas habilidades, além de conhecimento crítico e social.
A experiência com o grupo ampliou o seu contato com a história e política, através das pesquisas e imersões nos espetáculos. “Morar na periferia é complicado, porque a gente aborda muitas coisas políticas e às vezes isso é bem tóxico, ainda mais pra quem vive na cultura. Estar nessa luta diária é difícil”, explica.
O processo de imersão que mais marcou a sua vivência no Corpo Molde foi o espetáculo Dito Linha Dura, em que exploravam a temática da ditadura militar e a violência de estado. Isso mudou a sua forma de enxergar as questões sociais do seu bairro e gerou uma série de conflitos com amigos e familiares, que rejeitaram a transformação de seu estilo e a intensidade da forma como expunha seu pensamento.
“As pessoas estão tão perdidas na ilusão, deixam de ver a realidade como uma coisa que está ali, na porta delas. Eu vou e meto a carona, digo: não é assim, você tem que ver outras realidades”.
Apesar disso, com o acirramento da polarização política no país, as coisas tornaram-se pesadas demais para ela, que hoje prefere evitar o “caos em que estamos vivendo”. “É importante a gente sempre reafirmar aquilo que acredita, só que precisamos reafirmar para nós mesmos para continuar acreditando. É importante mudarmos outras cabeças, mas também é bom você cuidar da sua cabeça”.
Essa caminhada no mundo das artes é dívida com o estudo. Atualmente no 3º ano do colegial, Laura mantêm sua atuação política mobilizando eventos como saraus e debates voltados para questões da juventude periférica. “Eu tento estar meio dentro meio fora da política. Por ser preta e pobre na favela, a gente aprende a lidar com essas coisas”.
Ensaio
O ensaio foi realizado no bosque do Espaço Cultural CITA, em que Laura guarda muitas memórias afetivas e também ancestrais. Os movimentos compõem uma dança livre, em que a dançarina expressou as suas emoções pelo local.