O Despertar Precede a Transformação

Casal.s Macaubeiro
Corporate Hackers Brasil
6 min readApr 17, 2018

Autor: Pedro Gama

No dia 07 de março o Instituto Nova Liderança, em parceria com os Corporate Hackers, organizou um bate papo transmitido via WebEx com Breno Strussmann (atualmente Diretor-facilitador da Mercur S/A). Este encontro, cujo tema principal foi a transformação realizada em toda a organização, gerou grandes reflexões que gostaria de compartilhar com você:

A biologia e as organizações

Ao pesquisar no Google o significado da palavra organização, obtive como resposta os dois conceitos abaixo:

1. ato ou efeito de organizar(-se).

2. composição, estrutura regular das partes que constituem um ser vivo.

Considerando o segundo conceito de que uma organização se refere à estrutura regular das partes que constituem um ser vivo, não há dúvidas de que uma empresa pode ser comparada a um organismo. Partindo da menor para a maior unidade, podemos ilustrar a comparação com o quadro abaixo:

Comparação de um ser vivo com uma empresa: do micro ao macro.

Ambos são constituídos de uma unidade micro (células e colaboradores) que juntas se organizam e desempenham funções semelhantes (tecidos e equipes de trabalho). Estas por sua vez se organizam e formam estruturas mais complexas (órgãos e departamentos) que se integram em suas diferentes funções para desempenhar um papel maior. A associação destas estruturas mais complexas forma um conjunto ainda mais complexo com papéis distintos, mas complementares e responsáveis pela manutenção da vida (sistemas e diretorias). Este conjunto compõe a unidade macro: “o corpo” (organismo e organização). É possível dar continuidade à classificação, mas pararei no nível organizacional para facilitar a compreensão do que vem a seguir.

De agora em diante as reflexões são aplicáveis tanto para um ser humano quanto para uma empresa.

O despertar

Realizar uma transformação internamente não é nada fácil, mas também não é impossível. Para isto existem diversas metodologias que podem ser utilizadas, mas eu acredito que este processo se torna muito mais autêntico e genuíno a partir do momento em que naturalmente a “ficha cai” e de forma espontânea se descobre um método próprio para romper com tudo aquilo que já não faz sentido.

A ficha cair significa reconhecer que algo não está legal e precisa mudar. Em geral, há dois caminhos possíveis para que este despertar aconteça: o amor ou a dor. É aí que entra o poder de escolha entre permanecer inerte mesmo após despertar ou abrir o coração, se dispor a fazer diferente e ter coragem para enfrentar as consequências desta escolha.

Talvez o meio mais poderoso para se descobrir um mundo de outras possibilidades sejam as perguntas. Questionamentos potencializam um estado de profunda reflexão colocando em xeque crenças, paradigmas, o status quo, modelos mentais e nossa visão de mundo. A partir daí é impossível permanecer na zona de conforto já que esta inquietude mental impulsiona uma movimentação em busca de respostas que talvez nem existam, mas o que realmente importa é tudo o que se faz conhecido ao longo desta jornada.

As perguntas mais poderosas são aquelas que transcendem a si mesmo, ou seja, vão muito além da casca, do próprio umbigo ou das quatro paredes. Estas perguntas nos retiram de uma dimensão totalmente centrada na primeira pessoa do singular (eu) para nos inserir em uma realidade onde a primeira pessoa do plural impera (nós). Em seu livro “Não Se Desespere! Provocações Filosóficas” o professor e filósofo Mário Sérgio Cortella diz que quando a água é colocada no copo ela se conforma ao copo, isto é, ela fica aprisionada pela forma do copo e água parada fede, água parada se perde. A única maneira de não apodrecer é transbordando, indo para além da borda, se inconformar com as amarras que nos contêm, aprisionam e nos tornam infelizes.

Listei algumas questões interessantes que também podem ajudar a transbordar:

Enquanto ser humano:

  • Quem sou eu?
  • Se não existisse currículo, quem realmente é a pessoa que vive aqui dentro?
  • Levo a vida que quero ou deixo a vida me levar?
  • Faço o que faço apenas por fazer ou sei que o que faço, o faço por algo muito maior?
  • Quando não existir que falta farei ou como serei lembrado?

Enquanto organização:

  • Quem somos nós?
  • Mais do que um produto ou um serviço, quais adjetivos estamos entregando aos outros?
  • Visamos a venda do meu produto/serviço apenas como um fim ou este é apenas um meio para se alcançar algo muito maior?
  • O que de fato estamos entregando ao mundo como organização?
  • Os envolvidos em todo o processo percebem o impacto do que fazem na sociedade e no planeta?

Missão míope

A alguns anos atrás trabalhei em uma instituição que em poucas linhas é responsável por gerenciar recursos públicos destinados a projetos provenientes da academia. Para qualquer pessoa que se perguntasse qual era a “missão” da instituição a resposta estava na ponta da língua: gerenciar financeira e administrativamente os recursos destinados aos projetos acadêmicos. No entanto ao despertar, descobrimos que esta era uma visão míope do real motivo daquela instituição existir. Para iniciar a mudança de mindset sobre o que fazíamos foi necessário ir muito além das quatro paredes. Uma das perguntas decisivas foi: o que estamos, de fato, entregando para a sociedade e para o mundo? A partir daquele momento começamos a enxergar quantas vidas foram impactadas por meio destes projetos qual o nosso papel (mesmo que indiretamente) ao contribuir com o crescimento científico e tecnológico do Brasil e do mundo.

O olhar mais crítico não apenas para questões pontuais, mas para o todo começa a sensibilizar para a necessidade de rever toda a programação mental já que descortina uma realidade antes turva ou ocultada.

Sobre propósito

Ter clareza e entender sobre o real motivo de sua existência exige mergulhar conscientemente para dentro de si e explorar profundamente seus valores, suas limitações, hábitos, padrões, habilidades, condutas, etc. Com cada uma destas peças nas mãos inicia-se um trabalho de higienização que elimina as impurezas e as toxinas incrustadas que foram se acumulando durante anos. Pode ser dolorido, mas o resultado é o renascimento de uma nova versão de si.

Esta nova versão já sabe muito bem qual o seu papel: o que pode, o que não pode, o que deve, o que não deve, até onde é capaz de ir, com quem deve se relacionar, o que ainda precisa melhorar, dentre outras ações. Se conhecer e se construir é um processo que possui apenas uma linha de corte: há um marco que representa o início de tudo, mas nunca haverá um fim muito bem definido. O resultado desta evolução são decisões muito mais conscientes e que priorizam a convergência entre propósitos.

Um exemplo disto são os processos seletivos: para um indivíduo que sabe muito bem sobre si, a escolha entre aceitar ou não uma proposta para estar em um local cujas condutas conflitam com seus valores pessoais está em suas mãos. Assim como para uma organização que sabe muito bem sobre si, selecionar pessoas cujos valores estão muito bem alinhados com a sua cultura se torna uma tarefa muito mais orgânica. Vale a pena ressaltar que este alinhamento não significa selecionar apenas pessoas semelhantes e sim considerar toda a riqueza da diversidade optando por quem se conecta em alguns pontos em comum.

Por essa semelhança entre empresas e pessoas vem à tona o motivo pelo qual empresas são chamadas de organizações. Ela é um organismo vivo que pensa, que comunica, que age e que também é constituída por organismos vivos que pensam, que comunicam e que agem. Novamente parafraseando Mário Sérgio Cortella: qual é a tua obra? Qual é a tua obra enquanto pessoa? Qual é a tua obra enquanto organização? Para quê e por quê você existe? E no dia que não existir mais, pelo que você será lembrada/o?

Certa vez conversando com alguém que não me recordo bem, aprendi uma lição importante sobre o valor das pessoas. Em geral, há uma tendência nas organizações em desvalorizar o “cargo” de quem é responsável pela limpeza, tornando esta posição quase que apagada. No entanto o “cargo” de faxineira e tão importante quanto o “cargo” de um CEO. Ambos possuem a mesma importância independente da instrução que receberam, do status que possuem, do poder que concentram… Isto tudo são detalhes. As pessoas responsáveis pela limpeza são aquelas que deixarão o ambiente muito mais agradável para quem trabalha e para quem o visita. Já imaginou se os lixos não fossem recolhidos, se os móveis ficassem sujos, se os banheiros permanecessem imundos, se os copos continuassem amontoados nos coletores ou se os mouses e teclados continuassem infestados de fungos e bactérias? Não podemos desvalorizar a ninguém, pois cada profissão tem sua importância. Cabe a nós a mudança de olhar e reconhecer que não há mais ou menos importante, pois no fim das contas dividimos o mesmo planeta e teremos o mesmo fim.

--

--