O Jeito do Corporate Hacker e o Jeitinho Brasileiro no trabalho contemporâneo

Corporate hackers
Corporate Hackers Brasil
9 min readJul 25, 2017

por Fernanda Carlos Borges e Carlos Alberto Sousa #corporatehackers

Definindo o jeito hacker…

De tempos em tempos chegam até nós notícias sobre uma figura que beira o mito: o tal do hacker e suas ações mirabolantes no âmbito da tecnologia e das redes. “Fulano de tal foi hackeado, os hackers entraram e saquearam várias contas bancárias, a empresa tal foi hackeada, os hackers entraram nos sistemas de informação e roubaram dados importantes; o site tal foi hackeado, os hackers tiraram ele do ar…”. Notícias que desenham uma figura audaciosa que vive à margem da lei, realizando que quase sempre prejudicam ou lesam alguém ou alguma organização. A conotação dada à figura que chamamos de hacker é normalmente negativa, só que na verdade nem todo hacker é o bandido cibernético que a mídia insiste em divulgar. Na maior parte das vezes ele é o mocinho que atua anonimamente dando um “jeito” nas coisas e, surpresa, no brasil há muito mais hackers do que se possa imaginar. Esse texto é uma tentativa de associar a figura do hacker com um velho conhecido nosso o Jeito Brasileiro de resolver as coisas.

O hacker é um indivíduo curioso, observador e criativo que pega os sistemas, compreende suas falhas e faz modificações para que ele funcione melhor ou atenda a uma funcionalidade para qual ele não foi desenvolvido, muitas vezes ele entende também esse sistema que consegue identificar as falhas que os próprios desenvolvedores não notaram e por isso consegue corrigi-las, ou para expô-las para que alguém o faça. Um hacker é aquele, sobretudo, capaz de expor a falha de qualquer sistema.

Infelizmente, o hacker é, habitualmente, visto como uma figura do mal o que é uma visão é equivocada, o hacker é um cara que age dentro dos sistemas e como qualquer ofício ou atividade exercida pelo homem, há aqueles que usam suas capacidades para o bem e outros para outros fins, ou seja, há os que estão preocupados em melhorar os sistemas por meio dos seus hacks e os que só se preocupam em usar os seus conhecimentos para fins pouco dignos. Geralmente, o cara que quebra (crackeia) os sistemas com objetivos pouco nobres é chamado de cracker ou um hacker do chapéu preto (Blackhat Hacker). Outro equívoco é entender que o hacker atua apenas em sistemas de tecnologia e informação, como disse Burell Smith, citado por Pekka Himanen no livro La ética del hacker y el espiritu de la era de la información: “Hackers se puede hacer casi de todo y ser un hacker. Se puede ser un carpintero hacker. No es preciso disponer de elevada tecnología, pienso, que tiene que ver con artesanía y con el hecho de dar importancia lo que uno hace”, ou seja, a prática do hacker está associada à figura de artífice faz algo que para ele faz muito sentido.

Quando o hacker corporativo ajeita os sistemas

Entre os diversos tipos de hackers que podem existir por aí, a que nos interessa nessa proposta de discussão é o chamado Corporate Hacker, ou hacker corporativo. Em junho de 2016 a revista Harvard Business Review publicou o artigo “What It Takes to Innovate Within Large Corporations” em Simone Ahuja chama aquele trabalhador que atua nas fronteiras da organização para resolver problemas que foram gerados pelos sistemas e que prejudicam aos outros trabalhadores e aos clientes da empresa.

O Hacker Corporativo é um agente de mudança, é uma pessoa auto motivada que conhece as deficiências dos sistemas corporativos e sabe que não é possível mudar tudo de uma vez, por isso ele atua de forma inteligente utilizando da sua rede e criando conexões que o permitam fazer as coisas acontecerem. Ele provoca mudanças BOTTOM UP articulando com outros indivíduos recortes (hacks) para melhorar e dar sentido às coisas. Quando faz isso ele acaba por humanizar os sistemas corporativos cada vez são mais estéreis. Hackear uma empresa é mudar as relações de trabalho, dando sentido e recolocando o humano no centro das organizações, é uma reação ao modelo que prega que as relações no trabalho devem se pautar pela impessoalidade, frieza e falta de preocupação com o semelhante. Em um ambiente que é cada vez mais volátil, incerto, ambíguo e complexo, valorizar o ser humano, as relações sociais e a formação de redes de colaboração é primordial resolver os problemas decorrentes deste contexto VUCA. E é neste ambiente que o hacker corporativo surge, talvez como uma reação do sistema imunológico

O hacker corporativo, o jeito brasileiro e a inteligência nos sistemas abertos

A postura brasileira observada no jeito que se dá para as coisas é similar à do hacker corporativo em relação aos sistemas que não fazem sentido ou que restringem a criatividade e a inovação para resolver problemas. Isso pode ser uma reação humana natural para contornar estas restrições em busca de um resultado mais efetivo.

Em terras brasileiras fala-se que quando um empregado consegue fazer as coisas andarem independente da burocracia e outras travas internas — ou externas — ele “dá um jeito”. Por aqui é comum ouvir que “o fulano de tal é o cara, ele sempre dá um jeito”, ou de alguém dizer: “chame ciclano ou pergunte para beltrano que ele saberá como dar um jeito nisso. ” Nada disso tem haver com descumprir a lei e sim com usar a criatividade e engenhosidade para criar redes e soluções práticas para as coisas acontecerem.

Em uma organização alguns acidentes podem acontecer, e quando ocorrem é preciso se dar jeito… A palavra organização vem do Francês organisme que significa um conjunto de órgãos que interagem entre si formando um sistema para gerar resultados, ou seja, em um organismo saudável, todos “órgãos” trabalham com um mesmo fim.

Como em todo organismo, às vezes, ocorrem algumas disfunções que podem levá-lo a sofrer infecções, inflamações e até levá-lo à falência múltipla dos órgãos. Quando se força um sistema que não está devidamente preparado a se submeter a uma rotina padronizada para a qual ele não foi devidamente preparado ele pode render durante algum tempo, mas depois pode sofrer de morte súbita. Por exemplo padronizações forçadas realizadas sem o devido entendimento, participação e preparação dos “órgãos” que compõem aquele sistema podem gerar uma melhoria rápida, mas que pode levar ao fracasso em médio e longo prazo.

Infelizmente também existe a visão de alguns gerentes (que não são líderes) que agem como uma versão contemporânea dos feitores de fazendas no período colonial escravocrata brasileiro. Para quem não sabe, os feitores eram os administradores que ocupavam o segundo nível na hierarquia do clã feudal das fazendas do Brasil colonial. Neste período, ficou famoso o dito “em quando se descansa, se carrega pedras”, ou seja, o escravo não podia ficar parado, seja produzindo ou não. Em algumas empresas ainda é assim o gerente está mais preocupado com quantas pessoas ele tem sob a sua “tutela” e em mantê-los ocupados fazendo algo para que não fiquem ociosos do que se produzem o melhor para a empresa e se aquilo que fazem, faz sentido para eles. É como se estivessem administrando as empresas como as fazendas do período colonial. São organizações em que a base vê os “de cima” pensando pelos “de baixo” sem saber o que de fato ocorre na base, nesse ambiente, manda quem pode e obedece quem tem juízo pois “os homi lá de cima é quem manda”.

Felizmente algumas organizações estão adotando uma nova atitude em relação ao trabalho, liberando-se de estruturas muito hierarquizadas, dando sentido e propósito para os trabalhadores e provocando seus empregados a adotar uma postura mais ativa com relação ao seu papel na saúde e desempenho da empresa. Estas empresas estão considerando que essa pode ser uma forma de transformar uma organização hierarquizada e travada em uma empresa liberada, o que é um outro assunto…

A postura adotada pelo brasileiro quando dá um jeito nas coisas é parecida com a ação do hacker corporativo que hackeia sistemas que não fazem sentido ou que restringem a sua criatividade e consequentes inovações podem ser reações humanas para contornar restrições que surgem e bloqueiam a busca humana por um resultado mais efetivo, afinal de contas, como escreveu Betânia Barros e Sumantra Ghoshal, o estilo brasileiro inclui uma grande capacidade de lidar com a incerteza que é ancorada pelo seu jeitinho, que reúne flexibilidade, adaptabilidade e criatividade, características que também podem ser atribuídas ao hacker corporativo.

A Teoria dos sistemas que se auto organizam mostra que os sistemas muito hierarquizados e fechados têm menos capacidade para sobreviver, porque são menos adaptáveis às mudanças. Isto serve para todo e qualquer sistema. Ao sistema que quer sobreviver é necessário o equilíbrio entre a redundância (repetição) e a auto-organização, que é a capacidade de ser afetado pelo inesperado e de se refazer a partir desta novidade. Isso cria maior complexidade e recursos ao sistema. O corpo humano é um exemplo de sistema aberto capaz de se auto organizar continuamente a partir da novidade e o maior exemplo disso são as diversas culturas criadas nos mais diferentes ambientes do planeta. Outro exemplo é o modo como a criança, pelo convívio social e educação, forma no seu corpo plástico os hábitos do seu meio e assume uma posição específica determinada pelo jogo das relações sociais. A padronização da percepção e da ação é importante para estabilizar o sistema homem, mas é preciso tomar cuidado para não que não fechem o sistema humano, reduzindo suas capacidades criativas. Portanto, não conformidades aos subordinados!

No Brasil, a Revolução Industrial e o modelo organizacional dela decorrente chegaram apenas nos anos 50 do século XX. Com ela, vieram as relações de trabalho pautadas na ética da impessoalidade e na subserviência às normas e procedimentos universais. No entanto, a sociedade brasileira vivia, até então, regida pelas relações pessoais. Embora sejamos uma sociedade historicamente definida por fortes relações de dominação e subordinação colonial e escravista, os fluxos sociais também foram determinados por relações de família, de amizade e de afetividade. Sempre fomos muito “pessoas” e apenas nos tornamos “indivíduos” com a chegada tardia da modernização. Mas a reversão das “pessoas” em “indivíduos” não se deu por completo e criamos o que nas terras brasileiras é chamado o jeitinho brasileiro. O jeitinho brasileiro é uma prática comum nas instituições modernas brasileiras, onde a norma impessoal é desprezada a favor de soluções não previstas pelo sistema formal. O que caracteriza a situação específica do jeitinho é a simpatia despertada por um apelo emocional de alguém que se vê prejudicado pelas regras numa situação imprevista. Neste caso, a pessoa é valorizada em detrimento do indivíduo e descumpre-se a regra para criar uma solução nova em seu favor. Ou seja, o jeitinho é uma prática cultural que cultiva uma percepção das circunstâncias, não apenas à submissão à universalidade normativa que, muitas vezes, impede o exercício da inteligência situada e criativa.

Assim, é possível acreditar que a cultura do jeitinho pode ser aproveitada a favor de modelos menos hierarquizados e mais flexíveis e criativos nos meios corporativos. Embora o jeitinho se caracterize pelo uso de soluções novas motivadas pela solidariedade pessoal, a percepção situada que ele cultiva deve ser extrapolada para outro campo, que é o campo dos processos organizacionais, visando a percepção das falhas nos sistemas e a competência quanto às soluções inesperadas. Ou seja, a sabedoria inerente ao jeitinho é aquela que favorece a flexibilidade no sistema e a sua sobrevivência adaptativa. E é assim que o jeitinho se aproxima do hacker.

“Never doubt that a small group of thoughtful, committed citizens can change the world; indeed, it’s the only thing that ever has.” — Margaret Mead

--

--

Corporate hackers
Corporate Hackers Brasil

An #opencommunity for gathering, connecting, developing and helping those who want to change their organization from within - France, Canada, Spain, Brazil