Um (sur)real e um sobrenatural

Lançado exclusivamente pra PS3 em 2013, Beyond: Two Souls proporciona uma das maiores experiências imersivas dentro do mundo dos games.

Rafael Costa
O Costaverso
5 min readFeb 16, 2020

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A primeira vez que Beyond cruzou o meu caminho foi numa espécie de feira de videogames que teve no Barra ShoppingSul, em Porto Alegre. Isso foi lá em meados de 2014 se eu não estiver enganado e… O evento pequeno, só mesmo pra dizer que a cidade teve um, sabe? O PlayStation 3 estava chegando na cidade aos poucos pra delírio da gurizada, então qualquer jogo do console era motivo pra despertar a curiosidade do público em questão. Nesse evento, 3 estandes mostravam o poderio do último supremo da Sony, cada um com um jogo diferente: no primeiro, uma TV exibia Nathan Drake, que impressionava com seus gráficos maravilhosos e ação desenfreada com trocas de tiros em meio a uma mata fechada. “Parece Tomb Raider”, apontavam alguns mais saudosos. Ao fundo, não muito distante, um telão mostrava a pontuação de Rockband: Beatles com todos os instrumentos. Esse tinha fila pra jogar e público pra vibrar no fim de cada música. E no meio, recebendo menos atenção que os outros colegas, mas ainda assim alguma: Beyond: Two Souls.

O pouco que vi do jogo naquela oportunidade, foi algo bem entendiante. Eu controlava uma menina dentro de um quarto. Ela só andava pelo cômodo, que era divido com uma espécie de sala mista com cozinha. O máximo que eu consegui fazer no jogo ali foi fazer ela sentar no sofá. Mais nada. Larguei e fui jogar o Nathan Drake.

Mas aí veio o ano de 2020 e eu esperava renovar os jogos de PlayStation 3 que eu tinha ganho 1 ano antes. Numa ida até São Leopoldo, numa troca misturada com uma compra, Beyond: Two Souls veio comigo pra casa. Eu nem me lembrava mais do jogo, mas a capa já tinha visto algumas vezes, e claro que o nome de Ellen Page na capa me chamou a atenção.

Assim que coloquei o jogo no console, passei por vários estágios de emoção. Parti do tédio à comoção, medo, angústia, felicidade, pena… Beyond: Two Souls não é um jogo, é uma vida.

Ellen Page dá vida à protagonista de Beyond: Two Souls (Imagem: Best HD Wallpapers)

Jodie Holmes vai de menina à mulher nesse jogo, uma vez que tu controla a personagem durante um período de 15 anos (dentro do jogo, óbvio!). Por todo esse tempo, o jogador controla a personagem desde criança até sua escolha entre a vida e a morte. Jodie nasceu com algo especial que o julgamento pode ser livre… Como dom ou maldição. Uma entidade sobrenatural chamada de Aiden acompanha a protagonista por toda a sua trajetória. Desde criança, Jodie vive num laboratório de pesquisas paranormais, monitorada por dois pesquisadores, Nathan Dawkins (vivido pelo ator Williem Dafoe) e Cole Freeman (interpretado pelo ator Kadeem Hardison). Realizando testes e observando resultados, eles estudam Jodie e sua habilidade para com Aiden.

Por mais que esse seja o início, o desenrolar da história rompe barreiras do imaginável. O seu quarto no laboratório de pesquisas de atividade paranormal é apenas a ponta do iceberg do que o jogo oferece. É perfeitamente válido salientar que a narrativa do game é o que podemos classificar como destaque.

A evolução de Jodie Holmes (Imagem: Pinterest)

Após pressionar start na tela título, não partimos de uma Jodie criança, mas sim de uma Jodie nos seus quase 20 anos, caminhando desorientada à beira de uma estrada até ser achada por um policial. O jogo é narrado através de capítulos que parecem estar desencontrados no início, mas que se encaixam perfeitamente no final, todos respeitando uma linha do tempo que vai se completando ao longo do jogo. É sempre uma surpresa ver o quanto a personagem muda a cada virada de página (esteja ela no início ou próximo ao final). E o jogador convive com tudo, desde a inocência doce da Jodie Holmes criança, passando pela rebeldia da adolescência até responsabilidade da idade adulta.

A imersão que Beyond: Two Souls proporciona ao jogador é um diamante lapidado e isso parte do seu enredo além de ser reforçado pela jogabilidade. O game é movido principalmente pelas tomadas de decisões que o jogador escolhe e que podem mudar o destino de Joldie. Diante de pergunta sobre o passado, o jogador pode escolher entre contar uma mentira, uma verdade ou mostrar uma resposta movida na emoção, seja ela carregada de mistério ou dúvida. Algumas decisões precisam ser tomadas de forma rápida, senão o próprio jogo escolhe uma das alternativas por padrão. Além de Joldie, é possível controlar Aiden em alguns momentos. A entidade que acompanha a garota é capaz de mover objetos, resgatar memórias através de pessoas ou reconstruir um acontecimento através de rastros deixados.

A construção gráfica do game é impressionante! A maestria com o tratamento de efeitos de luz, som e texturas é realmente magnífico. O molhado de chuva em tecidos e objetos, as lágrimas que correm pelo rosto, o ar condensado saindo em forma de fumacinha da boca nos dias de inverno… Tá tudo lá! É seria um pecado meu se não trouxesse a questão da captura de movimentos para a construção do game. Os personagens são naturais e seus traços seguem uma linha estreita entre a ficção e realidade. As curvas e dobras nos rostos dos personagens é impecável. Dependendo da emoção de Joldie demonstra, seus movimentos em andar pelo ambiente refletem isso. Num ataque de raiva, seu andar é acompanhado de fúria e socos no ar, enquanto medo são passos curtos e olhares assustados.

Bastidores da captura de movimentos de Beyond: Two Souls

Se já nos sentimos empáticos com personagens de filmes, Beyond: Two Souls consegue ir além disso. Praticamente não existe um “game over” no jogo, as coisas precisam acontecer de um jeito ou de outro — e quem decide isso é o jogador. Desenvolvido pela Sony numa parceria com a francesa Quantic Dream, o game se expressa através de uma construção sólida, objetiva e materializada, ou seja, faz com que o jogador passe a acompanhar, crie um vínculo, tomando um caminho que julga o que seria o mais correto, mas questionando-se o que aconteceria se tomasse um atitude diferente.

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Rafael Costa
O Costaverso

Acadêmico de Jornalismo da Unipampa, redator do Blogando, comunicador, fotógrafo, leitor e criador de memes.