Cidadania e Urbanismo

A desabitação de Porto Alegre

IBGE indica diminuição do número de habitantes de Porto Alegre. Entenda como isso afeta os moradores

Nicole Baldisserotto
Cotidiano Incomum

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Melnick tem mais de 1,5 milhão de metros quadrados construídos e 10 mil unidades entregues | Divulgação: Melnick

Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, o número de habitantes em Porto Alegre diminuiu 5,4% em comparação a 2010, caindo de 1.409.351 para 1.332.570 moradores. Em contrapartida, a pesquisa aponta um aumento no número de residências na cidade, com um crescimento de 111.583 domicílios desde 2010.

O professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fabian Domingues acredita que a diminuição habitacional de Porto Alegre seja resultado do aumento do preço dos aluguéis e da venda de imóveis, que obriga muitos moradores a migrarem para regiões metropolitanas. De acordo com Domingues, nos últimos 20 anos, a terra no Brasil valorizou. “Cada vez mais a terra passa a ser usada como uma garantia financeira, como reserva de valor”, diz ele. Isso impulsionou a expansão do mercado imobiliário de luxo e a supervalorização de certos bairros, causando, segundo ele, concentração de “ilhas de alta renda” na cidade. “Se tu pegares o Censo e olhares a população por bairro, tu vês que aqueles que tiveram a maior quantidade de construção de imóveis de luxo são justamente aqueles que perderam população, devido ao processo inflacionário”, afirma.

“De um lado, um excesso de imóveis vagos e, do outro, um monte de gente sem casa”, Fabian Domingues, professor de economia da UFRGS

O Censo também divulgou o aumento da quantidade de imóveis vagos na cidade, subindo de 48.934 para 101.013. O professor explica a tendência em investimentos nesse nicho pelo baixo risco financeiro, o que também contribui para o aumento da inflação e diminuição de habitantes de Porto Alegre. As pessoas compram os imóveis só para investir, não com o objetivo de ocupá-los. Ele também prevê uma possível crise nesse setor: “Surge uma bolha especulativa toda vez que os preços de determinado setor aumentam de uma maneira inexplicável, quando pessoas acreditam em valores irreais das coisas”. Porém, Domingues reforça que a crise permanente neste setor se deve à falta de moradia. “De um lado, um excesso de imóveis vagos e, do outro, um monte de gente sem casa.”

Mudança de vida

Céa Conceição da Silva Stahnke, de 88 anos, antiga moradora de uma casa na rua Artur Rocha, no Bairro Auxiliadora, vendeu seu imóvel para a construtora Melnick em 2022. Seu neto, Pedro Stahnke, de 19 anos, relata que desde 2018 ela recebia propostas de compra. “No começo, eram pouco elaboradas, de baixo valor, ou até mesmo de construtoras menores, menos conhecidas. No início de 2021, isso mudou. Ela começou a receber propostas de grandes construtoras, principalmente da Melnick. Nesse momento, a quantia também subiu muito, só no quarteirão dela tinha uma faixa de cinco casas”, diz o neto.

Ele também conta que muitas vezes sua avó negou as tentativas de compra. “Eles iam sempre mudando a proposta, tentando negociar com os vizinhos, pois queriam comprar todas as casas para fazer um grande terreno. Se a minha avó não vendesse, ela teria uma construção circundando a casa dela. Isso tiraria o sol do quintal, e, por pelo menos uns quatro anos, causaria muito pó e barulho. Fora o perigo, pois os terrenos ficam vazios em período de obras.” Pedro afirma que a maioria dos vizinhos que também venderam seus imóveis eram idosos. “Aquelas casas tinham muitos anos. Minha vó morou ali por quase 60 anos, e nesses 60 anos aquelas pessoas e aquelas casas estiveram lá.” Ele diz que sua avó não queria vender a casa, mas em um certo momento isso se tornou insustentável. Céa Conceição se mudou para um apartamento. Todas as casas ao redor foram vendidas.

Sala de estar na casa de Céa em mudança para demolição| Foto: Arquivo pessoal de Pedro Stahnke

Tudo é dinheiro

Renato Lobato, proprietário de um terreno na rua Ramiro Barcelos, no bairro Moinhos de Vento, conta que desde 2020 vem recebendo propostas de compra da construtora Melnick, uma das que mais está construindo prédios em Porto Alegre. Fundada em 1970, a empresa tem mais de 1,5 milhão de metros quadrados construídos e 10 mil unidades entregues. Ao lado do terreno de Renato, existem mais dois desocupados. Um deles já foi vendido, e a outra casa permanece fechada. “Eles me procuram muito, estou sempre recebendo ligações”, conta. Mas Renato diz que nenhuma proposta foi suficiente para que tomasse a decisão de vender o terreno. “Fizeram ofertas muito baixas, chega a ser uma ofensa.” No terreno de Renato há um imóvel que ele aluga para comércio. “É uma casa muito antiga, mas pelo menos ela se paga. É um investimento, eu posso vender se me oferecerem o preço que vale”, diz. Para ele, o motivo da construtora não oferecer um valor que ele considera justo, é simples: “Tudo é dinheiro. Eles não enxergam a pessoa”.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS

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