TURISMO

O futuro e as belezas do pampa

Rodrigo Forgiarini
Cotidiano Incomum
Published in
5 min readSep 6, 2023

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As expectativas e projetos de Caçapava do Sul com a certificação da cidade como Geoparque Mundial Unesco

Pedra da Cruz, localizada no geossítio Minas do Camaquã | Foto: Divulgação Prefeitura de Caçapava do Sul

Quem pega a BR-290, saindo da capital gaúcha rumo ao centro do estado, pode ver as paisagens características do pampa gaúcho. No decorrer dos anos, as planícies verdes e os hectares de campo que tinham o gado como moradores, aos poucos têm dado lugar às máquinas agrícolas que trabalham freneticamente na colheita e plantação de soja. O boom da commodity nos últimos anos fez os produtores locais plantarem até o limite entre o campo e a rodovia, aproveitando cada pedaço de chão.

Em meio à metamorfose visual, há lugares no pampa que mantêm as peculiaridades de suas formas, lugares que a exploração econômica ainda não ousou tocar. Formações rochosas de períodos pré-históricos formam paisagens que contrastam suas inquietudes visuais com o sereno do verde pampeano. Muitos desses lugares únicos estão localizados em Caçapava do Sul. A cidade que um dia foi conhecida por ser a segunda capital farroupilha e, depois, pela produção de calcário, finalmente foi coroada por aquilo que mais encanta os nativos de sua terra, suas belezas naturais.

Em 2015, a Assembleia Legislativa do Estado reconheceu Caçapava como capital gaúcha da geodiversidade, e, em dezembro de 2022, foi aprovado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) o selo de Geoparque Mundial para a cidade.

“É um marco do que nós já somos e o que continuaremos sendo”, Alizandra Danzmann, coordenadora do Geoparque Caçapava.

Stener Camargo, secretário municipal de cultura e turismo, conta que foi um longo processo, iniciado com uma pesquisa científica realizada em conjunto pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Universidade Federal do Pampa (Unipampa). “Geoparque é um selo para locais que possuem patrimônio geológico de relevância internacional e que a partir desse patrimônio desenvolvem uma estratégia para educação e desenvolvimento sustentável deste território”, explica. Segundo o secretário, o município passa a fazer parte de uma Rede Mundial de Geoparques e, com isso, pode ter acesso a recursos de fundos internacionais de investimento.

Para a pedagoga e coordenadora do Geoparque Caçapava, Alizandra Danzmann, a importância do título é enorme, sendo um reconhecimento do trabalho da comunidade e das belezas únicas do município. “É um marco do que nós já somos e o que continuaremos sendo”, ressalta. A certificação da Unesco parece ter revigorado a autoestima da comunidade, que viu uma ampla divulgação da cidade nos veículos de comunicação e levantou uma questão que todo cidadão caçapavano sempre se perguntou: por que não investir mais no turismo?

“Temos um patrimônio histórico e natural muito grande, além de potencialidades turísticas como ufoturismo e olivoturismo. Sabemos que existe um problema de infraestrutura turística, precisamos de ações que vão além de quatro anos, um projeto de gestão”, destaca Stener, que aponta a necessidade de bons e bem estruturados projetos para conseguir a captação de recursos. Segundo o secretário, foram elaborados projetos para cada ponto turístico, que já passaram pela análise de engenharia.

Quais ações esperar a partir disso?

Na visão de Alizandra, são necessárias ações que valorizem a identidade local, para que as pessoas consigam acessar os espaços e sentir um pertencimento em relação à cidade. “Com um turismo crescente, é gerado desenvolvimento, demanda de mão de obra e economia local que gera renda e realização. Crescimento financeiro, intelectual e cultural”, ressalta.

A Unesco, que irá fazer uma nova avaliação do Geoparque daqui quatro anos, emitiu um relatório apontando quais melhorias devem ser realizadas para a manutenção do selo. Entre elas, estão a melhor sinalização turística, a construção do Centro Interpretativo do Geoparque e a proteção dos geossítios. O Geoparque Caçapava, segundo o site oficial do projeto, é composto por 22 geossítios, que são locais ou áreas que melhor representam a geodiversidade de um território. Nesse caso, são pontos turísticos específicos, como a Pedra do Segredo, o Cerro da Angélica e a Chácara do Forte.

A ideia do poder executivo é investir nesses geossítios e também colocar em prática projetos voltados para educação ambiental nas escolas, além de fomento de novas rotas turísticas e a capacitação profissional de pessoas em situação de vulnerabilidade social para a inserção nesse mercado direcionado ao turismo. Stener comenta que diversas verbas já foram aprovadas para projetos, como a restauração da Casa dos Ministérios, construção de um museu a céu aberto no Forte Dom Pedro II, a reforma do Cine Rodeio — que será transformado no Museu da Mineração –, e o projeto da Unidade de Conservação da Cascata do Salso.

O objetivo é impactar também os serviços, como alimentação, locomoção e hospedagem. O secretário aponta ser necessário criar um mecanismo para gerenciar o fluxo de turistas que visitam o município. “Ainda temos deficiência com dados sobre a quantidade de turistas. Sabemos mais do Parque Municipal da Pedra do Segredo, que é concedido para uma empresa privada. Ali gira em torno de 500 visitantes por mês.” Segundo a coordenadora Alizandra, pesquisas já indicam um “enorme crescimento” de visitantes no município, e, com base em dados de outros geoparques ao redor do mundo, a projeção é de que o número seja triplicado nos próximos meses.

Além dos incentivos por parte do município, chama a atenção a parceria com a UFSM e a Unipampa, especialmente por serem responsáveis pela parte científica que sustenta as diretrizes exigidas pela Unesco. José Rojas, diretor da Unipampa no campus Caçapava, ressalta que a universidade é extremamente engajada nesse projeto, pois não se trata só de um título, mas de algo maior que conecta a universidade com a sociedade. “Diversas ações devem ser tomadas principalmente nos geossítios, mas também no sentido de educação ambiental nas escolas. Unipampa e UFSM participam dessas ações”, destaca o diretor. Já Alizandra vê a universidade como uma grande parceira. “A Unipampa traz oportunidade de desenvolvimento através dos alunos. Eles ajudam muito com oficinas e projetos, onde são inseridos no Geoparque. A universidade está sempre presente, é uma ferramenta fundamental na conscientização, na formação de cidadania e na busca de uma sociedade mais justa.”

Pedras das Guaritas, um dos pontos mais atrativos para os visitantes | Foto: Divulgação Geoparque

O povo como parte do processo

“O futuro depende muito das pessoas, o Geoparque é feito pelas pessoas.” A fala de Rojas representa uma visão fundamental para o futuro de Caçapava do Sul: a integração social em torno desse projeto. O objetivo da prefeitura é tornar o Geoparque também uma política pública de transformação social. Alinhado a isso, uma das principais exigências da Unesco é a preservação desses patrimônios e o desenvolvimento sustentável. “O Geoparque não busca um turismo de massa, ele busca um turismo que valorize e que preserve os espaços. Turismo de qualidade, comprometido e direcionado ao foco de sustentabilidade e meio ambiente”, ressalta Alizandra. Ela frisa a importância do reconhecimento dos caçapavanos em torno do projeto. “São pessoas trabalhando para pessoas, e essas pessoas que nos interessam. Através do pertencimento, da sustentabilidade e do desenvolvimento local. A gente aprende a amar e ama do que cuida”, conclui a coordenadora.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS.

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