ESPORTE

Tradição em risco

Ao longo do tempo, cada vez mais clubes de fora da capital perdem força e espaço na prateleira principal do futebol gaúcho e nacional, lugar em que diversos deles já fizeram história

Marcelo Rosinski
Cotidiano Incomum

--

Arena Alviazul, estádio do Lajeandense, pulsando junto com o time após mais uma partida | Foto: Divulgação Clube Esportivo Lajeadense

Analisar o futebol gaúcho é, desde muito tempo, observar um domínio da dupla Gre-Nal em relação a número de títulos e tamanho das torcidas. No entanto, há também a força do interior gaúcho em campanhas históricas no futebol estadual e nacional. São essas conquistas, sempre guardadas na memória de seus torcedores, o principal motivo para que os times continuem existindo, embora haja tanta dificuldade no seu dia a dia.

Como exemplos de grandes feitos do futebol do interior do Rio Grande do Sul, pode-se destacar o título estadual do Caxias em 2000, superando o Grêmio de Ronaldinho Gaúcho. Ou então o Guarany de Bagé, que se consagrou campeão gaúcho em 1920 e 1938, sendo até hoje o único clube do interior gaúcho com mais de um título estadual. Em escala nacional, o Juventude tornou-se campeão da Copa do Brasil em 1999, superando times como Corinthians, Bahia, Internacional e goleando o Fluminense por 6 a 0. Esses e outros exemplos fazem o futebol do Rio Grande do Sul ser lembrado como aguerrido e “raçudo”, devido ao seu estilo de jogo e sua história, que segue sendo escrita.

Contudo, o futebol do interior gaúcho vem perdendo espaço ao longo do tempo. Essa perda se deve a problemas como recursos financeiros insuficientes e falta de jogos no calendário durante a temporada. Dessa forma, os mais de 400 times de fora da capital só sobrevivem graças ao amor de seus torcedores.

“Definitivamente, o clube é a minha vida”, Tiago Rech, vice-presidente do conselho e diretor de marketing do Futebol Clube Santa Cruz.

“Paixão”, essa foi a palavra que Tiago Rech, vice-presidente do conselho e diretor de marketing do Futebol Clube Santa Cruz, escolheu para definir o que move o seu envolvimento e o de tantos outros torcedores com o clube centenário.

Popularmente conhecido como Torcedor Solitário, Tiago ganhou o apelido em um episódio da mais pura demonstração de amor ao clube: foi o único torcedor no setor visitante numa partida entre Grêmio e Santa Cruz no antigo estádio Olímpico, em 2012.

Tiago Rech, o “torcedor solitário”, exibindo suas conquistas como presidente e diretor de marketing do Futebol Clube Santa Cruz | Foto: Reprodução Twitter Tiago Rech

“A minha história com o Santa Cruz começa muito cedo, quando era criança. Em diversos livros e cursos sobre futebol, sempre vejo sendo destacada a palavra ‘sobrevivência’, e é isso que a gente passa diariamente aqui no Santa Cruz”, diz Tiago. Ele conta que o clube busca, todos os dias, recursos para conseguir se manter e que a renda do Santa Cruz hoje é de um milhão de reais por ano, valor que muitos jogadores no futebol brasileiro recebem por mês. “Definitivamente, o clube é a minha vida”, confessa.

Exemplos de perseverança

Everton Giovanella, ex-jogador e presidente do Esporte Clube Lajeadense, diz que o motivo para o time continuar existindo é o amor à camisa e à cidade. Giovanella, como é conhecido nos gramados do interior gaúcho, nasceu e cresceu dentro do Lajeadense. Seu pai, Hélio Giovanella, foi presidente do clube e sempre incentivou esse amor e essa ligação com o time do Vale do Taquari.

“Sendo um ex-atleta do clube, sempre tive um amor muito grande pela camiseta. Meu pai foi presidente daqui, fiz categoria de base aqui e me tornei profissional de futebol. Tudo no Lajeadense. Por isso que a gente luta, por amor ao esporte, pela cidade, pela esperança na melhoria e por jamais deixar o clube fechar”, explica. Ele é um dos que destaca a dificuldade financeira e a falta de jogos como os principais problemas do futebol fora da capital. “Um clube do interior, hoje, joga poucos jogos e assim não tem receita suficiente para manter um time completo por mais de uma temporada, muito menos fazer contratações ou investimentos”, explica Giovanella.

Cleverson Kufner, conhecido como Fino, diretor executivo do Veranópolis Esporte Clube Recreativo e Cultural, diz que esses são os mesmos problemas que seu time enfrenta. Para tentar “driblar” essa dificuldade, o Veranópolis conta com uma alternativa comum entre clubes do interior, que é receber apoio financeiro de empresários locais. “Nenhum clube gostaria de mandar seus jogadores embora no fim do campeonato, mas hoje são poucos os times que não fazem isso, justamente pela falta de renda fixa. O amparo que temos das empresas locais é importante para nos manter, mas precisaria de muito mais para manter um time completo recebendo salário e não jogando”, afirma Fino.

Sede da Federação Gaúcha de Futebol, entidade máxima de futebol no Rio Grande do Sul | Foto: Divulgação FGF

Sobre o futuro, Tiago, Giovanella e Fino esperam que exista um apoio maior da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) aos times do interior. A instituição, segundo eles, poderia auxiliar os clubes de forma mais efetiva, criando um fundo de apoio maior que o já existente. Ou, então, criar mais campeonatos, para que os times consigam jogar mais e, assim, lucrar mais. Essa é a expectativa e o sonho desses dirigentes e torcedores, que viveram com os times de suas cidades algumas das maiores alegrias de suas vidas. Paixão, identificação, resistência: isso é futebol.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS.

--

--

Marcelo Rosinski
Cotidiano Incomum

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.